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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

A cosmovisão gnóstica e satânica de Romeo Castellucci


“O anjo da arte é Lúcifer” (Castellucci)

Lúcifer se revestiu com “a pele da Serpente e usou a linguagem da Serpente [para tentar Adão e Eva]. Dando assim origem à arte. A arte encontra neste núcleo originário sua relação privilegiada com o mal”. (Castellucci)

Em Paris, a apresentação da peça teatral “Sobre o Conceito do Rosto do Filho de Deus”, do italiano Romeo Castellucci, provocou reações diversas. As mais sensatas protestaram contra o caráter blasfematório da peça. Houve uma passeata que reuniu cerca de 5.000 manifestantes nas ruas da capital francesa denunciando o fenômeno da Cristianofobia sob o disfarce de cultura.

Alguns mais ousados entraram no teatro e subiram no palco com uma imensa faixa com a frase “Cristianophobie, ça Suffit!” (Cristianofobia, basta!). Outros ficaram de fora na entrada do teatro enquanto que dois deles jogavam ovos nas pessoas que esperavam para assistir à peça.

Mas ocorreu também algumas manifestações eclesiásticas condenando os protestos – como se os mesmos se reduzissem aos seus excessos – e algumas delas até elogiando a peça blasfema.

Para o Pe. Bernard Podvin, porta-voz da conferência dos bispos franceses, “a Igreja católica na França condena as violências perpetradas durante a apresentação de recentes espetáculos” (1).

Questionado sobre os protestos, o cardeal de Paris e presidente da Conferência dos Bispos da França, André Vingt-Trois, não quis se pronunciar sobre a peça que ele “não viu”, mas disse que “a autenticidade da fé não se impõe pela violência” em clara reprovação aos protestos (2).

No mês de julho, o jornal La Croix, da esquerda-católica, afirmou que “o show nos traz de volta a nossa condição de homens feitos de carne e de matéria, como foi Cristo na Cruz”. “Como um espelho obscuro, o espetáculo remete à consciência todas as suas limitações, sua fragilidade, sua finitude infinita. A seus medos e suas experiências mais íntimas, suas crenças, sua fé no homem. Em Deus”. E no fato das crianças jogarem objetos no rosto de Cristo, La Croix vê um “gesto não de blasfêmia, mas de inocência” (3) (veja o vídeo).

Para o padre Cariot, é “uma longa meditação sobre a compaixão entre um filho e seu pai, um débil idoso” (4). O Pe. Pierre-Hervé Grosjean considera que a peça de Castellucci “exige uma reflexão verdadeira sobre o sofrimento, sobre a compaixão deste filho por este velho pai” e compara com “a compaixão do Filho [Jesus Cristo] para a nossa velha humanidade contaminada” (5).

Mas qual é o enredo da peça?

Diante de uma enorme fotografia da face de Jesus Cristo, estampada em uma tela, um idoso nu é vítima de vários ataques de disenteria que exigem de seu filho o trabalho de limpá-lo regularmente. O diretor Romeo Castellucci não poupa nada ao público, nem mesmo o cheiro …

O pai pede perdão ao filho que continua seu trabalho. Mas a situação vai ficando cada vez mais difícil. O velho então grita e se revolta. O filho beija a imagem do Cristo. Ambos se retiram do palco. Até que por detrás daquela imagem de Cristo, as sombras de um homens a cobrem com um véu negro. Excrementos fecais são despejados na tela e o palco. O rosto de Cristo vai se escurecendo até ser rasgado e aparecem os dizeres: “Você (não) é meu pastor”.

Na versão apresentada no festival de Avignon, crianças aparecem em cena jogando granadas no retrato de Cristo … (veja o vídeo)

Romeo Castellucci

Romeo Castellucci: simples expressão artística ou representação de uma cosmovisão gnóstica?

Castellucci concedeu uma entrevista para a revista australiana Arts RealTime (No. 52 Dezembro-Janeiro de 2002) por ocasião da apresentação de sua peça Genesi no Festival de Melbourne (6).

Primeiro, veja como Arts RealTime descreve a obra Genesi:

“Genesi é a história de Deus criando amorosamente o Universo. Em seguida o homem comete o Pecado Original e é expulso do Jardim do Éden. Tudo isso é bem conhecido. Menos familiar, no entanto, é a versão mística judaico-cristã que se encontra no Gnosticismo, na Cabala e na Rosacruz. E é esta a versão que Castellucci representa por meio de sons e outros recursos espetaculares. Castellucci se serve das mesmas tradições que têm servido de inspiração para artistas tais como Baudelaire, Antonin Artaud, Peter Brook […]

“Nesta versão mais negra do Gênesis, o ato de criação não é aquele de amor, mas trata-se de um terrível erro. (…) O ato da criação é, então, uma transgressão violenta contra as leis do universo e, portanto, toda a criação contém dentro de si o caos (…). Não é o amor que reina neste universo, mas a crueldade. Não foi o homem que pecou, ​​mas Deus. Toda a arte, o teatro e a história constituem, portanto, um conto deste ato inicial de violência primordial ”

Agora, trechos da entrevista.

Antonin Artaud, louco, inventor do “Teatro da Crueldade” e mestre de Romeo Castellucci

– Você disse: “o Genesis me assusta mais do que o Apocalipse”, porque representa o “terror de uma possibilidade sem fim”. Isto parece ter sido inspirado muito nos escritos de Antonin Artaud e de Blau Herbert, nas doutrinas cabalistas e gnósticas pelas quais Artaud mesmo era influenciado. Você concorda com essas ideias geralmente associada a esta cosmologia? Por exemplo, Artaud afirmava que um caos terrível existia antes da criação e que se manteve sempre presente, latente ou imanente, dentro de cada existência diária. Ele alegou que este “caos” é a ‘dupla linguagem’ do teatro. O fim mais elevado e a virtude mais eminente do teatro são, então, o poder representar – ou pelo menos chegar perto de representar – o caos através de uma representação viva?

Castellucci: (…) O teatro não é algo para ser “reconhecido”. Não deve ser isso, mas sim um caminho através do desconhecido, para o desconhecido. O que eu e outros com uma concepção semelhante têm tentado fazer ao longo dos anos tem sido a de levar alto o escândalo da cena e de mantê-las sempre vibrantes. (…)

A este respeito, eu acho que o pensamento de Antonin Artaud é de fundamental importância para a compreensão plena da forma ocidental. Ele coloca o problema da forma em um banho de violência que desperta, que mantém um teatro real. Este é o lugar onde a forma se torna espírito. Estamos falando, de fato, sobre a alquimia da transformação, da transmigração de uma forma em outra. (…)

– Você concorda que todos os atos criativos são um ato de violência, ou pelo menos uma violação do tabu contra a criação? Tenho em mente seu comentário que Lúcifer, o anjo decaído, é o primeiro artista com quem a humanidade pode se identificar.

Castelucci: (…) Ao longo da história da humanidade, Lúcifer sempre se fez ver através da disfarces e fantasias, adotando as palavras de outra pessoa. Ele também fez isso no Início, se revestindo da pele da Serpente e usando linguagem da Serpente. (…) Ele é realmente o primeiro a trabalhar na superabundância da linguagem, para explorar o teatro como uma energia, dando assim origem à arte. A arte encontra neste núcleo originário sua relação privilegiada com o mal. O mal é, aliás, o aspecto extremo da liberdade que Deus concedeu a todos os seres. Lúcifer vive no estado de sua condenação que é precisamente de viver na região do não-ser. Para retornar ao estado de ser, Lúcifer foi forçado a assumir a aparência de outra pessoa, a voz de outra pessoa. Arte torna-se necessária quando não se está mais no Paraíso.

(…) Porque o Anjo da arte é Lúcifer. Este é o primeiro Ser que assume o figurino e roupas de um outro ser. (…) Ele vem da região de não-ser. A única possibilidade para ele voltar para a área do Ser é fazê-lo na voz, no corpo e no nome de outro, e isso é teatro. Esta zona de não-ser é a condição genital de cada criação, ele permite esta necessária destruição que afasta e evita todas as superstições.
___________________
Fontes:
1 – La Croix, 26/10/2011
2 – La Croix, 29/10/2011
3 – La Croix, 22/7/2011
4 – Chrétienté Info, 30/10/2011
5 – L’Humanité, 31/10/2011
6 – Avenire de la Culture, 5/11/2011

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Edson Carlos de Oliveira

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