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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

À margem do impressionismo


“Moças ao Piano” (1892) por Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)

A exposição de arte impressionista, promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, expôs obras de grandes mestres como Renoir, Manet, e diversos outros

O grande mérito da escola impressionista é que ela não se limita a pintar na tela as pessoas ou os ambientes como se fossem meras fotografias. O impressionismo mais sugere do que retrata, deixando ao observador completar com sua imaginação aquela figura ideal apenas esboçada no quadro.

Um exemplo histórico ajuda a compreender essa realidade. As condições políticas da França no século XIX levaram em certo momento a duquesa de Berry a percorrer a Vandéia, em defesa dos direitos dinásticos de seu filho, o Conde de Chambord. Era tal seu charme e sua ação de presença que, segundo a legenda, alguns daqueles camponeses, contando depois a passagem da princesa pela região, exclamavam “Eu vi uma fada!”.

A presença da duquesa marcara tão a fundo a imaginação daqueles honestos e probos agricultores, que eles quase não prestaram atenção em suas peculiaridades pessoais, com suas virtudes e limitações. Eles viram nela a princesa ideal, uma “fada”.

O élan da alma para Deus

Pudemos presenciar recentemente algo semelhante durante as comemorações do jubileu da rainha Elisabeth II. A multidão que se aglomerava nas ruas de Londres não buscava homenagear uma administradora competente nem uma financista capaz, mas o modelo ideal de chefe de Estado que encarna as mais altas virtudes da nação, do qual a Rainha é presentemente o símbolo.

Essa capacidade de idealização do ser humano é um de seus atributos mais preciosos, pois indica uma busca da perfeição, que se faz a partir de seres frequentemente imperfeitos. Corresponde ao élan natural da alma para Deus.

É um pouco disso que a arte impressionista nos ajuda a realizar. Se bem se possam fazer graves reparos a muitos dos quadros produzidos por essa escola, mesmo do ponto de vista moral, o estilo impressionista enquanto tal pode ser visto como uma amável escada que nos convida a subir em direção ao infinito. Cumpre à imaginação reta e bem ordenada completar aquilo que a arte não dá, porém insinua. Quando a imaginação é viciosa e deturpa a realidade em lugar de sublimá-la, temos a “arte moderna”, fruto errático do impressionismo.

Filas que falam por si

Como não sou crítico de arte, passo a uma outra ordem de considerações que me foram sugeridas pela visita que fiz à exposição — promovida pelo Centro Cultural do Banco do Brasil, na capital paulista — de obras pertencentes ao Musée d’Orsay, de Paris.

A primeira consideração que faço refere-se ao número assombroso de pessoas de todas as classes sociais que enfrentavam filas homéricas para, depois de horas de espera, poder entrar no recinto da exposição.

O número de pessoas que visitou a exposição passou longe dos 200 mil. Isso corresponde a uma apetência de fundo de alma, que normalmente o noticiário dos meios de comunicação não apresenta. Para quem se deixasse guiar apenas pelo que dizem a TV e os jornais, o brasileiro só se interessaria por futebol, imoralidade e pelo próprio bolso.

O jornalista Gilberto Dimenstein fez uma curiosa comparação entre o público que foi ver os quadros impressionistas e o enorme desinteresse pelo que dizem os políticos, então em campanha para cargos municipais. Afirma ele:

“Há uma fome de cultura e de educação de qualidade […] As pessoas estão até aqui se lixando para as eleições municipais porque os candidatos não falam nada de interessante conectado à vida dos cidadãos. É uma mediocridade avassaladora. Não tem luz. A São Paulo iluminada é essa das filas da madrugada para ver não um show de pagode ou música sertaneja. Mas Monet ou Renoir. […] O desinteresse do eleitor é uma espécie de vingança silenciosa.” (“Folha de S. Paulo”, 6-8-12)

O Brasil profundo

Na mesma linha desses sintomas quase não noticiados do Brasil profundo enquadra-se a multidão, a perder de vista, que devotamente acompanhou a procissão de Nossa Senhora da Assunção em Fortaleza no dia 15 de agosto. Saiu do Santuário de Nossa Senhora da Assunção rumo à catedral, onde houve a coroação da imagem da padroeira de Fortaleza. Segundo os organizadores, havia mais de 1 milhão e 700 mil pessoas presentes. Durante quase quatro horas, elas percorreram 12 quilômetros em meio a homenagens a Nossa Senhora.

“Na sacada das casas, a reafirmação da fé católica vinha em forma de altares montados especialmente para aquele momento. E eram dezenas e dezenas deles em todo o percurso da caminhada. As casas exibiam imagens emolduradas por decorações, das mais simples às mais sofisticadas.” (“O Povo”, Fortaleza, 16-8-12)

Obviamente não se trata de negar a existência das inúmeras e graves mazelas — religiosas, morais, sociais etc. — que afligem o mundo moderno, nele incluído o Brasil. Seria uma cegueira imperdoável. É a Revolução igualitária e sensual em marcha. Essas mazelas estadeiam abertamente por toda parte e nos furam os olhos de tão evidentes. Só o triunfo do Imaculado Coração de Maria poderá dar-lhes fim.

Porém, se quisermos compreender a realidade inteira e não apenas a sua superfície, temos que levar em conta também esses fenômenos de profundidade, frequentemente abafados pelo noticiário e pela propaganda. Quando encontram uma ocasião propícia, eles sobem à tona e se manifestam de modo por vezes surpreendente. Se aqueles a quem incumbe a direção dos assuntos civis e eclesiásticos teimarem em ignorá-los, não se queixem depois se eles irromperem repentinamente debaixo de seus pés como um vulcão.

Uma nostalgia insuspeitada

Outra observação que pude fazer durante a visita à exposição refere-se ao modo um tanto nostálgico com que muitas pessoas, especialmente jovens, olhavam para os quadros. Explico-me.

“O Tocador de Pífaro” (1866) por Édouard Manet (1832-1883)

As figuras representadas nas obras ali expostas são de pessoas e ambientes do século XIX. Homens e mulheres de todas as classes sociais são retratados com vestimentas, gestos e atitudes que exprimem compostura e bom gosto.

Nos olhares dos que, a meu lado e em torno de mim, contemplavam essas cenas pareceu-me adivinhar, especialmente dentre o público feminino, a nostalgia de uma época que elas não conheceram, mas admiram. De fato, era gritante o contraste entre os trajes representados naquelas telas preciosas e os envergados pelo público que enchia o salão. É fácil compreender que especialmente as mulheres, dotadas habitualmente de uma sensibilidade mais fina, sentissem ao vivo a oposição entre os trajes e modos refletidos nas telas dos impressionistas e aqueles que a moda atual e o feminismo do século XXI lhes impõem tiranicamente. No capítulo fashion, não lhes era difícil intuir para onde pende a balança do bom gosto e da compostura.

São estas algumas observações que, à margem do impressionismo, tive a grata ocasião de fazer.

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Cid Alencastro

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