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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

A nova religião ecologista de Dom Cláudio Hummes. Aos generais: “ninguém tem medo de cara feia”.


Reproduzimos a seguir um artigo do site FratresInUnum.com *

Planeta! Planeta! Planeta! Esta foi a palavra mais repedida por Dom Cláudio Hummes em sua aula inaugural na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da PUCSP, com a presença do grão-chanceler, o cardeal Dom Odilo Scherer. E nós estávamos lá!

Duas vezes emérito, como arcebispo de São Paulo e Prefeito da Congregação para o Clero, o cardeal Hummes fez uma conferência sobre o Sínodo da Amazônia, a qual dividiu em duas partes: na primeira, fez um histórico; na segunda, uma contextualização teórica.

Em seguida, apresentamos as nossas notas taquigrafadas da palestra do cardeal.

Histórico do Sínodo da Amazônia

Dom Cláudio começou dizendo que, após tornar-se emérito, não sabia bem o que ia fazer, quando a CNBB o encarregou de acompanhar o trabalho na Amazônia. Em 2014, fundou-se a REPAM – Rede Pan-Amazônica –, da qual ele é presidente, e que articula o trabalho pastoral da Igreja na Amazônia, envolvendo os nove países que a compõem.

“Neste meio tempo houve a mudança dos papas: Bento XVI renunciou, pelos motivos que vocês conhecem, e foi eleito um papa argentino, que tomou o nome de Francisco”. Para Dom Claudio, isso significa que a Igreja se tornou “mais universal e menos europeia”.

Em sua viagem ao Brasil, em 2013, Francisco fez um discurso aos bispos em que mencionou, ao final, o problema da Amazônia, pois teria ficado impressionado com a insistência dos bispos brasileiros acerca do tema na Conferência de Aparecida – este teria sido o despertar do Pontífice.

Neste discurso, Francisco teria afirmado que a “Amazônia é um texto definitivo para a Igreja do Brasil” e animou os episcopados a não ter medo, a criar um clero autóctone, a avançar, a ser corajosos, a fazer propostas ousadas… “A Igreja não pode errar na Amazônia”. Por causa deste impulso do Papa, fundou-se a REPAM, para criar um “Plano Pastoral de Conjunto” para a Amazônia.

Foi neste época que o Papa lhe teria dito: “Dom Claudio, vamos rezar juntos, pois nós precisamos reunir os bispos, ainda não sei de que forma… Podia até ser, talvez, um sínodo”. Ele conversou com outros bispos para fazer o discernimento. “O Papa é jesuíta e precisa fazer discernimento, precisa de tempo”.

Em 2017, “eu estava com um problema no pulmão muito sério” (ele se refere ao câncer que apareceu neste período), “eu estava um trapo”. Mas, como era a canonização dos mártires do Rio Grande do Norte, “eu fui lá”. Na noite anterior, o Papa me disse: “amanhã eu vou anunciar o sínodo”. “Essa foi uma história que avançou muito rápida”.

Logo, o Papa anunciou o objetivo do Sínodo: “encontrar novos caminhos”. “Ele sempre dizia: ‘nós precisamos do novo’, ‘não tenham medo do novo’, precisamos sair da acomodação’”.

“O novo sempre traz resistências. Este papa também tem resistências – às vezes sem muito sentido, sem cabimento, mas, em todo caso… ‘Não tenham medo do novo’, o novo para a Igreja e para os povos indígenas, que não têm um futuro sereno, são os mais abandonados, os mais esquecidos, os mais atropelados. E, ao mesmo tempo, a questão da ‘Casa Comum’, da Ecologia”. O Papa encarregou a REPAM para ajudar a secretaria geral do sínodo a prepará-lo.

Logo em seguida, Francisco decidiu ir a Porto Maldonado, onde entrou em contato com os povos indígenas para escutá-lo. Este teria sido o objetivo principal da viagem apostólica. “Foi algo histórico, empolgante e comovente como o Papa realizou o encontro com os povos indígenas”, aos quais disse: “vocês são interlocutores insubstituíveis e a Igreja está aqui para defendê-los, a fim de que vocês sejam os protagonistas da própria história”.

Naquela ocasião, eles tiveram uma reunião de cinco horas de reunião com os índios. No dia seguinte, aconteceu a reunião com o papa, que se sentou no meio dos anciãos indígenas, os seus “sábios”. “Nós estávamos atrás e os índios estavam na frente, junto com o papa, com as suas roupas, alguns meio sem roupas”. O Papa disse: “Eu vim aqui escutar vocês”.

Segundo Dom Cláudio, o Papa “mexeu” com a metodologia da Igreja Brasileira, “ver, julgar e agir”. “Ver é escutar, não fazer a nossa análise”. O papa disse: “Hoje aqui está começando o sínodo, vocês são os principais”.

Logo no dia seguinte, houve a reunião dos bispos representantes dos nove países com o cardeal Baldisseri, que veio ao encontro do REPAM para criar o conselho pré-sinodal.

Com as palavras do papa – “hoje aqui está começando o sínodo” –, ele cria uma nova concepção do sínodo: “o sínodo é todo o processo”. “Nós realizamos mais de 20 assembleias pré-sinodais”. A secretaria do sínodo pediu que houvesse duas fontes de trabalho: “uma, a que os bispos recolhem na sua diocese, outra a que é recolhida pelo REPAM”.

O sínodo trouxe uma empolgação muito grande “e até a preocupação de alguns generais por aí… Mas nós continuamos o nosso trabalho normalmente. Ninguém tem medo de cara feia… No final, tudo vai se resolver no diálogo e na paz”.

“Estamos terminando neste momento as sínteses que vão a Roma no final de fevereiro”.

Contexto do sínodo da Amazônia

“Nós sabemos que o mundo hoje está consciente e enfrenta uma grande crise ecológica e climática”. “É urgente, pois não há muito tempo, mas há tempo ainda”.

Na COP21 de Paris chegou-se à conclusão de que seria necessário reverter a crise climática e cuidar do planeta. Dom Claudio ressaltou duas falas conclusivas desta Conferência da ONU: “plus tard, trop tard”, “muito tarde, tarde demais” e “aqui, na COP21, nós não salvamos o planeta, mas salvamos a possibilidade de salvar o planeta”.

“Quase todos os países assinaram o acordo, os Estados Unidos também, o Brasil também, mesmo com todos os problemas que hoje temos com os Estados Unidos… Espero que, com o Brasil, não”. “É nesse contexto que está este Sínodo. Eclesialmente, é o contexto da Laudato sì”.

“É missão da Igreja cuidar do planeta. É uma missão que Deus entregou a nós. Nós o fazemos por causa de Jesus Cristo. Nós não podemos não cuidar do planeta”.

“A partir daí, é preciso reescrever a nossa teologia da criação. A teologia que nós aprendemos precisa ser reescrita a partir dessa nova posição da Igreja: nós temos que cuidar do planeta! Vocês, que são jovens, precisam fazer isso. A própria cristologia precisa ser reescrita”.

“Este sínodo não terá apenas significado para a pan-Amazônia, mas terá um significado para o mundo”.

“É muito difícil haver outro sínodo da Amazônia. Este é o momento histórico da Amazônia, não se pode oscilar, não se pode perder este momento, que é um kairós”.

Depois, Dom Claudio começou a falar sobre o CO2 e o efeito estufa. “O calor entra, mas não sai. O gás carbônico faz isso: uma espécie da capa ao redor do planeta; o calor não consegue sair”. É preciso acabar com o Petróleo! Mas, pergunta-se o cardeal, como mudar as fontes de energia? Há países que não têm condições!

É preciso, também, continuou, mudar o paradigma tecnocrático: “a filosofia moderna fez uma revolução copernicana: pôs o sujeito no centro. Veio o antropocentrismo, o subjetivismo, o individualismo…” Ao mesmo tempo, veio a descoberta das ciências exatas, que trouxeram tecnologia avançada. “Isso criou a ideia de que nós, os pequenos, somos os donos de tudo que está fora”. “Com a ciência, a tecnologia, começou-se a explorar o planeta. Daí vem a ideia de um progresso indefinido, como se o planeta tivesse recursos inesgotáveis”. Isso está por trás da grande crise!

“Outro tema é a ecologia integral”. “Ecologia integral é como a Igreja entende, mas não só como a Igreja entende, pois a ecologia integral é algo que vai além da fé. Mas, o que é esta ecologia integral? No fundo é o seguinte: tudo está interligado no planeta: nós, o planeta e, por fim, o próprio Deus com o planeta”. “Nós não somos seres que foram gerados fora e fomos colocados neste planeta. Nós somos filhos deste planeta, nós somos frutos deste planeta. E muitas vezes nós entendemos que o planeta é uma coisa e nós temos outro destino. Nós fomos feitos dentro de todo o processo de desenvolvimento deste planeta. Tudo foi criado por Deus. Que nós cuidemos da nossa Mãe Terra. Este é um conceito fundamental”.

“E Deus, se encarnando em Jesus de Nazaré, Ele faz a definitiva ligação dele com este planeta, com todo este sistema. Deus também se interligou definitivamente em Jesus Cristo. E Jesus Cristo ressuscitado é o ponto culminante de toda esta caminhada do planeta. Esta é a ideia sintética de toda esta ecologia integral”.

Então, Dom Claudio citou um cântico que “agora todos cantam”. Segue o verso:

“Tudo está interligado,
como se fôssemos um!
Tudo está interligado
nesta ‘Casa Comum’”.

“Por isso, eu dizia que é necessário reescrever todas essas coisas”. “Isso já está em São Paulo, quando ele diz que Jesus Cristo é cabeça de toda a criação. Isso já estava em Teillard Chardin, quando ele aplicou isso à teoria da evolução. Mas ficou à margem, porque a teologia escolástica clássica não tinha muito clara essa ideia”.

“É preciso a gente estar atento, para estar atualizado. A moral, nos tempos que eu estudei, tinha páginas e páginas sem fim sobre o sexto e o nono (mandamentos), mas sobre a questão do dinheiro, nada ou praticamente nada. Esses dias, ouvindo uma pregação do papa, me caiu uma ficha. ‘Não se pode servir a Deus e ao dinheiro’. O grande obstáculo para o Reino de Deus é o dinheiro: a corrupção, a roubalheira, toda a violência se faz por causa do dinheiro. É o dinheiro que impede, mas os livros de moral falam pouco. É preciso reescrever essas coisas. Estão acontecendo coisas novas, que não são novas porque são velhas, porque estão no Evangelho”.

“Precisamos encontrar novas formas de desenvolvimento que não sejam colonialistas. A Igreja também tem formas colonialistas quando evangeliza. Precisamos nos purificar de todo colonialismo. Colonialismo significa: ‘eu tenho a minha forma de desenvolvimento’, eles trazem de fora e simplesmente começam a atividade predatória”.

“Não podemos derrubar a floresta, pois, sem ela, os rios e as águas vão embora: os rios aéreos, terrestres e subterrâneos”. “Precisamos procurar novos modelos que não derrubem a floresta”.

“O Sínodo tem que estimular a busca de novos modelos. O sínodo não é competente pra isso, mas pode estimular”.

“Vocês sabem que o papa quer uma Igreja missionária, em saída. Uma Igreja misericordiosa, que não aposta na lei, nas instituições, na disciplina, na cobrança, mas aposta na caridade, na misericórdia. Uma Igreja missionária. A Igreja na Amazônia também sobre dos mesmos males que nós, por aí: sofremos com a nossa Igreja, que aposta muito na lei, na disciplina, na cobrança, nas instituições, nas estruturas, e isso não salva, a lei não salva. A única coisa que salva é a caridade, a misericórdia. É claro que a lei ajuda a colocar as coisas em ordem, mas apenas quando nos ajuda a ser misericordiosos e caritativos. O papa diz que a gora a lei está atrapalhando a Igreja de ser mais misericordiosa e em saída. Então, isso tem que ser mudado”.

“Deus se aproxima de nós com respeito e amor. Deus não manda males, ele nos ajuda a sair dos males. Essa ideia de que Deus me mandou um câncer, que meu filhou morreu porque Deus mandou… Não! Deus não manda males, não! Os males têm outra origem. Deus nos ajuda a sair dos males”.

“Temos que ser uma Igreja profética, que denuncia os males, que não têm medo de cara feia”. “Não ter medo de cara feia não significa que você tem que brigar, é você não ter medo, é se por à disposição pra dialogar… pra resolver as coisas pelo diálogo, não é pelo enfrentamento. Você tem que encontrar as pessoas, se elas têm outras ideias ou talvez elas sejam violentas… Essa ameaçazinha sobre a preparação do sínodo, que veio do governo, digo: ‘o povo tem liberdade democrática de falar, e sem se sentir ameaçado’. Isso é democraria, isso é direito. Pode até falar errado, mas não pode se sentir ameaçado. Isso não podemos aceitar”.

“O papa diz que os povos originários da panamazônia são os mais empobrecidos, os mais abandonados, os mais ameaçados. Eles são os pobres com os quais a Igreja deve caminhar e encorajar”.

“A Igreja sempre cuida da ‘Casa Comum’. Ela deve se envolver com isso. A Igreja, por missão, deve cuidar da ‘Casa Comum’, da criação, cuidar dela como um jardim”.

“Enfim, o assunto da Igreja inculturada. O papa é provocativo. Ele mexe conosco. A Igreja sempre soube que tem que fazer inculturação. Depois de fazer a inculturação europeia, a Igreja ficou com medo. E foi uma inculturação bem-sucedida e dura até os nossos dias. Mas não existe só a cultura europeia. O planeta é maior com isso”.

“A Europa não pode querer ser ela só. Em Evangelii Gaudium, o Papa diz que a fé cristã não pode ser só inculturada na europa. Ele dá o nome aos bois! A fé deve se inculturar em todas as culturas. Aí que vem a questão da colonização. Se nós implantamos a Igreja europeia aqui, isso é colonialismo. Então, como este sínodo vai estimular caminhos para que se inculture a fé! Em Porto Maldonado, ele disse aos indígenas que ajudem os seus bispos a inculturar na cultura deles a fé. Isso significa dar-lhes a possibilidade de que surja naquele lugar uma Igreja com o rosto daquela cultura. Que surja uma Igreja, não que venha de fora; que surja de dentro da sua história, da sua identidade, enfim, da sua espiritualidade, que de lá de dentro surja a Igreja de rosto panamazônico e de rosto indígena, diz o papa, uma Igreja indígena. Isso não significa que aqui em São Paulo nós temos de ter uma Igreja indígena, nós somos europeus com alguma misturinha, mas fundamentalmente europeus. Mas isso não acontece com os nossos indígenas nem com os nossos negros”.

“Hoje se fala de uma Igreja indigenista, que defende o direito dos índios. Mas isso não basta! Nós precisamos de uma Igreja indígena, com os seus próprios padres, com os seus próprios bispos, que parta da sua própria vida, da sua própria identidade, cultura e história”.

Respostas às perguntas finais

Após o término da palestra, reservaram um tempo de perguntas.

Dom Claudio explicou que o sínodo está sendo preparado com embasamento acadêmico, sendo respaldado por eventos sobretudo realizados pelas Universidades Jesuítas. Haverá um grande simpósio em Boston. “Os jesuítas foram os que mais agarraram esta causa”.

Um pouco adiante, ele disse que a Igreja precisa mobilizar a sociedade para pressionar os governos quanto às questões amazônicas.

O Padre Ruiz Barbosa, da Diocese de Santarém, perguntou acerca da carência de sacerdotes na Amazônia. Dom Claudio respondeu que “a questão dos ministérios certamente será discutida no sínodo, mas, logo de início o papa disse: ‘cuidado para não perder o foco! Cuidado para não transformar o sínodo da Amazônia num sínodo sobre os ministérios’, o foco principal é a ecologia integral. O grande problema das comunidades que você citou é que 70% não tem a Eucaristia. Podem até levar a comunhão, mas elas não têm a Celebração Eucarística e é a Celebração Eucarística que constrói a Igreja. Sem a Eucaristia, a Igreja não é nada. Então, ali falta a Eucaristia, falta a confissão sacramental. O povo quer ser reconciliado com Deus e com os irmãos. Sabemos que Deus perdoa quando se pede perdão, mas o sacramento da confissão é algo muito mais forte, mais estruturante. Não há o sacramento da unção dos enfermos. É um momento crucial, o do cristão que morre e a Igreja não dá nada a ele. A Igreja exigiu tanto dele e, no final da vida, a Igreja não dá nada. O sacramento é para isso. Jesus mandou ungir os enfermos, rezar pelos enfermos. Estes sacramentos são da vida cotidiana dos católicos. Pra nós é tão normal que a gente nem pensa nisso. Lá existe uma Igreja da Palavra. Fazem um grande trabalho, os catequistas, que fazem o culto da Palavra. Mas uma Igreja da Palavra não é uma Igreja cristã completa. Falta o sacramento. E o sacramento é a força que eu preciso para praticar a caridade. A caridade salva, a Palavra ilumina, mas é o sacramento que me dá força para eu, de fato, praticar a caridade que salva. Os sacramentos são meios, não são fins. Me ajudam a praticar a caridade, a misericórdia. Isso eles não têm. Eles têm que saltar da Palavra para a caridade. O Papa diz que isso tem que ser encaminhado diferentemente. Ele mesmo diz que ainda não têm ideias claras. E como fazer isso? Ele acena, às vezes, para aquela proposta daquele bispo sul-africano, na verdade missionário, Fritz Loginger. Ele tem umas propostas que o papa também acena, de presbíteros locais que só exercem o munus sanctificandi, ou seja, apenas os sacramentos e a oração, tenham apenas essa jurisdição. Ele acena um pouco para isso, mas ele mesmo diz que não temos clareza sobre essa situação. Ele diz que o celibato é um carisma que a Igreja não pode perder. Mas, em certas situações, absolutamente que não tem outras situações… Vejam como ele é: ele não citou a Amazônia, ele citou as ilhas do Pacífico. Claro que todo mundo sabia do que ele estava falando. Mas isso porque ele diz para não perder o foco, senão a imprensa só vai falar sobre isso. O importante é a Amazônia. Este é um problema!

Depois de falar sobre que cada país e cada Conferência Episcopal tem a sua parte da Amazônia, ele afirmou que “a Amazônia é um novo sujeito pastoral” e que deve ter um próprio plano de pastoral.

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