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Plinio Corrêa de Oliveira
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Agronegócio e o lado errado do binóculo (II)


Agronegócio Brasileiro, nossa “galinha de ovos de Ouro”

“Não se mata a galinha dos ovos de ouro”

Não sem razão, e com a fina capacidade de observação francesa, o insuspeito jornal de esquerda “Le Monde”, como que passando um recado ao governo brasileiro, comentou em meados de 2009: “Lula compreendeu rapidamente que cometeria um erro grosseiro dando as costas ao poderoso setor do agronegócio. Mesmo em nome da justiça social e do acesso à terra… Não se mata a galinha dos ovos de ouro”.

Nesses últimos meses, por todo o Brasil ouvi repetida a expressão “São Pedro ajudou bastante”. Na linguagem coloquial dos ruralistas, isto significa que as chuvas foram abundantes, o que quase sempre concorre para o bom desempenho das atividades agropecuárias. Como conseqüência, esta será a maior safra de grãos da nossa história, e a próxima deverá superá-la.

Com tal desempenho, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar no ranking de exportação mundial de alimentos. Pouco a pouco, também a carne vai retomando os espaços perdidos com a crise mundial. Todavia, com razão alguém poderia objetar que o álcool consumido pelos automóveis está muito caro. E este fato nos leva a fazer uma análise mais detida sobre o açúcar e o álcool.

Notícia do “Correio do Povo”, há um século…
O jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, em sua edição de 11-2-2010, noticiou na coluna “Há um século”, sob o título A safra de açúcar: “É este o cálculo feito com as melhores informações da produção nacional do açúcar, durante o ano de 1909 [portanto, um século atrás]: Pernambuco = 1.700.000 sacas; Alagoas = 700.000; Sergipe = 500.000”; seguem-se outros dados, totalizando 3.750.000 sacas.

Esse total de sacas representa cerca de 225.000 toneladas de açúcar (cabe explicar que os estados do centro-sul não apareciam como produtores). Já em 1959 — ou seja, cinqüenta anos depois — saltamos para 3.350.000 toneladas. Em 2009, fechamos a safra com 34.000.000 de toneladas. Isso representa nada menos que 25% da produção mundial, com aumento de 150 vezes em um século.

Imitando Dom Quixote no alto do seu Rocinante
Os dados acima se referem apenas à produção de açúcar, mas tem-se que considerar ainda o álcool. O Brasil, que em alguma medida resistiu e vem resistindo às investidas agro-reformistas, ainda há poucos anos produzia álcool quase só para uso medicinal e doméstico — além de cachaça, que é altamente tributada. O empenho de nossos empreendedores rurais fez com que a presente safra girasse em torno de 27 bilhões de litros, e a estimativa para a safra ora em curso é de 30 bilhões. Por que isso aconteceu?

Com a queda das safras de concorrentes como a Índia, por exemplo, o preço internacional do açúcar subiu muito. Mas nossas usinas são bivalentes, podem direcionar a produção para o álcool ou para o açúcar. Quando os preços do açúcar estavam muito favoráveis, o Brasil produziu quase 5 milhões de toneladas a mais, em detrimento da produção do álcool.

No início do ano, em Campinas, o presidente Lula deblaterou contra os produtores de açúcar (“Folha de S. Paulo”, 23-1-10) e cobrou “seriedade” dos produtores: “Quando o álcool está em um bom preço, […] é empresário na área de energia”; mas “quando é o açúcar que está [com bom preço], você volta a ser empresário do setor de agricultura”, argumentou o preclaro Presidente. Haveria propósito na crítica, se o governo e a sua Petrobrás tivessem feito a sua parte. Como não a fizeram, a deblateração mais se assemelha à de um Dom Quixote no alto do seu Rocinante, a espadachinar contra “moinhos de vento”…

Bautista Vidal, considerado um dos pais do Proálcool, costuma chamar a atenção em suas palestras, com a sua peculiar verve baiana: “É pena que a cabeça dos dirigentes da Petrobrás não seja flex”. Agarrados como ostras ao casco do navio, eles não querem dar espaço ao álcool. Porém, desejando-se ou não, o álcool vai ocupando seu espaço no mercado.

“Bate na cangalha, que o burro entende”
O governo (com sua onipresente Petrobrás) sempre tem um olhar enviesado para os produtores rurais, e quer que as usinas arquem com as despesas de estocagem do produto para a entressafra. Mas isso não é obrigação delas, e sim da Petrobrás, que possui o monopólio dos combustíveis.

Se grande foi o volume da cana não colhida em 2008 (30 milhões de toneladas), na safra de 2009/10 chegou a 60 milhões de toneladas em razão do excesso de chuvas. Perda equivalente a toda a safra do Nordeste, embora algumas usinas não tenham parado de moer, apesar do custo muito alto decorrente de excesso de água no caldo.

Faltando álcool para o consumo sempre crescente, os preços subiram, a Petrobrás teve de diminuir o álcool que se mistura na gasolina, e com isto a mega-estatal viu-se obrigada a importar dois milhões de barris de gasolina a um custo de US$ 140 milhões. A lição deixada ficou muito clara. Governo/Petrobrás devem aprender que o setor alcooleiro é fundamental para o equilíbrio das contas da estatal e da balança comercial.

Desde 2005 fora anunciada a auto-suficiência do petróleo, o que até serviu como mote da campanha para reeleição do presidente Lula. Mas o que pouco se fala é que tal meta só foi alcançada no ano passado. E vale lembrar que o esforço dos produtores de álcool conseguiu substituir mais de 50% da gasolina, com produção atual de 500 mil barris/dia (equivalentes) prontos para o tanque. Já a Petrobrás produz dois milhões de barris de petróleo bruto por dia, que precisa passar depois por todo o processo de refinamento.

No caso de faltarem meios para a colheita, o Exército Nacional, que sempre tem respondido ao chamado da Nação, não se recusaria a colocar seus batalhões de Engenharia e Construção para dar uma “mãozinha”, se for convocado a fim de salvar a produção de cana; e assim poderemos produzir mais 3 bilhões de litros de etanol, que garantiriam o estoque de transição para a entressafra. Os custos seriam devidamente compensados.

Meu pai, um desbravador do norte do Paraná, tinha um burro de tração, forte mas voluntarioso, que atendia às necessidades domésticas antes do primeiro jeep e do primeiro trator da família. Quando o burro ficava um tanto “manhoso”, meu pai nos dizia: “Bate na cangalha, que o burro entende”. Com efeito, bastava um estalar do chicote para o burro retomar o trote.

Quer-me parecer que o procedimento dos produtores tenha sido um recado semelhante ao governo pela sua política, pois no ano anterior as usinas foram obrigadas a “entregar” álcool a R$ 0,50 o litro, uma vez que não dispunham de caixa para cobrir suas despesas. A situação foi tão deplorável, que deixaram de ser colhidas cerca de 30 milhões de toneladas de cana (Cfr. artigo Safra do ano passado, publicado nesta revista — edição de julho/2009, pp. 14-16). Agora são os produtores de álcool que batem na “cangalha”. Veremos se Brasília vai entender…

Brasil sem Reforma Agrária e Cuba agro-reformada

Segundo o jornal oficial “Granma”, de Cuba, a atual safra açucareira é a pior da ilha caribenha nos últimos 105 anos

Vale aqui fazermos uma comparação. Enquanto nossa produção cresce numa velocidade vertiginosa, a de Cuba — o país-modelo de nossos agro-reformistas — naufraga constantemente a olhos vistos. Segundo o jornal oficial “Granma”, a atual safra açucareira é a pior dos últimos 105 anos. A superfície de cultivo caiu de 2 milhões de hectares para 750 mil, e mais de 100 mil postos de trabalho foram eliminados.

No ano anterior à sujeição de Cuba ao comunismo de Fidel Castro, a safra tinha atingido 5,6 milhões de toneladas, ocasião em que se tornou o maior exportador de açúcar do mundo. Após 50 anos de ditadura comunista e da aplicação da famigerada Reforma Agrária, a produção caiu para 1,2 milhões de toneladas. Bem comparando, só o nosso grupo COSAN, na safra de 2009, produziu mais que o dobro de cuba: 3.276.245 toneladas, sem contar os 2 bilhões de litros de álcool.

A infeliz Cuba caiu sob o tacão comunista em 1959, e desde então sua antiga capacidade de produção só fez decrescer. Mas o Brasil caminhou e progrediu, sob as bênçãos da Providência Divina, graças ao que ainda lhe resta de propriedade privada e livre iniciativa. Num clima de liberdade civil e econômica, foi esse o resultado, mas é importante indagarmos agora qual teria sido ele se seguíssemos caminho semelhante ao de Cuba, como nos era proposto naquela época pela esquerda. E ainda há recalcitrantes obsoletos que nos querem impor esse nefasto caminho…

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Helio Brambilla

Helio Brambilla

38 artigos

Diretor de Paz no Campo e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira. É autor de diversos artigos sobre a questão agrária, quilombola e propriedade privada no Brasil.

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