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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Crise na Igreja e a assistência do Espírito Santo


Cardeal Rodrigo de Borja, Papa Alexandre VI (1492-1503)
Cardeal Rodrigo de Borja, Papa Alexandre VI (1492-1503)

Por falta de um entendimento adequado sobre a verdade inquestionável da assistência do Espírito Santo à Igreja, muitos católicos ficam confusos e inseguros.

Não querendo ir contra essa verdade, eles procuram, muitas vezes, negar a realidade de certos fatos ou o sentido evidente de certas afirmações que parecem contrariar essa divina assistência.

Ficam assim enredados num dilema aparentemente sem saída: ou negar os fatos ou negar a assistência do Espírito Santo à Igreja.

O Espírito Santo favorece o bem na Igreja mas permite que o mal ocorra

Trata-se de um falso dilema que resulta de uma concepção um tanto simplista da atuação do Espírito Santo na Igreja. Confunde-se “assistência” do Paráclito, efeito da providência especial de Deus sobre sua Igreja, com um governo direto que substitui os homens ou elimina seu livre arbítrio.(1)

Não é assim. Embora Jesus Cristo tenha prometido a ajuda do Consolador, Ele desejou que a Igreja fosse governada por homens, que têm a ajuda especial do Espírito Santo, mas que não são impecáveis, não estão isentos das tentações do demônio, do mundo e da carne.

Dessa forma, embora o Paráclito assista com graças especiais os membros da Hierarquia, tal assistência não elimina o livre-arbítrio nem a tendência para o mal herdada do pecado original.

Por outro lado, é preciso ter em conta que essa ação especial da Divina Providência não apenas favorece o bem, mas, para provação nossa e castigo dos pecados, muitas vezes permite a ocorrência do mal no elemento humano da Igreja.(2)

Portanto, não se pode invocar a assistência do Espírito Santo à Igreja como justificativa para qualquer desvio, imprudência ou escândalo, como se, em vez de ser uma mera  permissão, se tratasse de um ato da vontade divina.

Deus permite crises na Igreja

É bem evidente que Deus não pode aceitar que se deturpe fatos evidentes ou suficientemente documentados, como recurso para “salvar” a santidade da Igreja.

Tal atitude seria ir contra a verdade e, portanto, contra a santidade da Igreja. Ela foi seriamente condenada pelo Papa Leão XIII (1878-1903) que utilizou as próprias palavras inspiradas do livro de Jó (13:7): “Deus não tem necessidade de nossas mentiras.”

Pelo contrário, acentuou o Pontífice, “O historiador da Igreja estará melhor preparado para ressaltar sua divina origem […] quanto mais ele for leal em não mitigar as crises pelas quais, por falta de seus filhos e, por vezes de seus ministros, passou a Esposa de Cristo durante o decurso dos séculos. Estudada dessa maneira, a História da Igreja constitui, por si mesma, uma magnífica e concludente demonstração da verdade e divindade do Cristianismo.”(3)

Ao abrir os Arquivos Secretos do Vaticano aos historiadores, o mesmo Papa insistiu: “Não diga nada falso, não cale nada verdadeiro.”(4)

Ninguém que tenha um conhecimento suficiente da História da Igreja pode negar as crises pelas quais ela tem passado e a fraqueza ou atitude escandalosa de muitos Papas.

Assim, o Papa Pio XII (1939-1958) em sua Encíclica Mystici Corporis Christi, explica que “se às vezes na Igreja se vê algo em que se manifesta a fraqueza humana, isso não deve atribuir-se a sua constituição jurídica, mas àquela lamentável inclinação do homem para o mal, que seu divino Fundador às vezes permite até nos membros mais altos do seu corpo místico para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todos cresçam os méritos da fé cristã.”(5)

É por essa razão que historiadores católicos, — como Ludwig von Pastor, cuja monumental História dos Papas recebeu elogios do Papa Leão XIII —, não hesitaram em apresentar de modo claro e documentado os desmandos e escândalos de  Papas.

Foi vontade do Espírito Santo que Alexandre VI fosse eleito?

Ninguém pode supor, por exemplo, que o Espírito Santo, que assiste aos Conclaves, tenha querido ou favorecido a escolha do Cardeal Rodrigo de Borja, para se tornar o Papa Alexandre VI (1492-1503), embora ele fosse publicamente conhecido como pai de quatro filhos de sua concubina Vannoza dei Cattanei e outros de outras mulheres.(6)

É evidente que aí se tratou de uma permissão, para castigo da humanidade, inebriada com o paganismo renascentista.

Do mesmo modo, não se pode atribuir à vontade divina a elevação ao papado de Bento IX (1032-1044) sobre o qual escreve o historiador Fr. Joseph Brusher S.J.: “Um jovem, provavelmente de vinte anos de idade, ele era um clérigo. Essa era talvez a sua única qualificação para o papado. Desqualificado por sua juventude, por sua educação, por sua depravação, Bento IX foi um dos poucos Papas desonrados.”(7)

O verbete da The Catholic Encyclopedia é mais incisivo: “Ele foi uma desgraça para a Cátedra de Pedro.”(8)

Distinguir bem entre a vontade e a permissão divinas

Tendo bem clara a distinção entre a manifestação da vontade efetiva de Deus e a sua mera permissão, fica patente que a assistência do Divino Espírito Santo à Igreja não impede que haja infidelidades e crises.

Por outro lado, como vimos acima pelos textos dos Papas Leão XIII e Pio XII, tais infidelidades e crises, longe de contrariarem a santidade da Igreja, ressaltam como somente uma instituição de origem divina poderia perdurar pelos séculos, apesar da fraqueza humana e da tendência para o mal que é a herança do pecado original.

Mas mesmo nas épocas das piores crises pelas quais passou a Igreja, graças à assistência do Espírito Santo, ela nunca deixou de santificar através dos sacramentos, de apresentar a verdade, ainda que, muitas vezes, seja requerido grande esforço dos católicos para se manterem fiéis a ela — como na crise do Arianismo, por exemplo.

Confiança em Maria Santíssima que derrotou as heresias

A crise atual — que é uma extensão, um prolongamento da crise da heresia modernista denunciada por São Pio X — está chegando a um tal auge que desencoraja a muitos.

Nas mais altas esferas de direção da Igreja se discute a possibilidade de ministrar a Sagrada Comunhão a pessoas em estado objetivo de pecado mortal e se chega a ver “dons” úteis ao cristianismo nas relações homossexuais.

Uma compreensão melhor da assistência do Espírito Santo, entendendo que esta assistência não é somente positiva, no sentido de impulsionar o zelo pela doutrina e pela salvação das almas — o que, de uma maneira ou outra Ele sempre promove — mas existe também a sua permissão para que o mal ocorra, para nos provar e em castigo dos pecados da humanidade.(9)

Assim como os fiéis, seguindo o exemplo de bispos como Santo Atanásio e Santo Hilário de Poitiers, resistiram à tremenda crise do Arianismo, nós devemos também, com a certeza do auxílio da divina Providência, resistir “fortes na fé” (1Peter 5:9).

Mais do que nunca, neste período de trevas e confusão, devemos recorrer sempre à intercessão de Maria Santíssima, a qual “sozinha derrotou todas as heresias.”(10)

____________

Notas:

  1. E. Magenot, “Assistance du Saint-Esprit,” Dictionnaire de Théologie Catholique, Letouzey et Ané, Paris, 1931, t. I, deuxième partie, cols. 2123-21-27.
  2. R. Garrigou-Lagrange, “Providence, Théologie, L’Infalibilité,” Dictionnaire de Théologie Catholique, t. XIII, première partie, col. 1015.
  3. Pope Leo XIII, Encyclical Depuis Le Jour, On the Education of the Clergy, 8th of September 1899, nºs 25-26. Em inglês no site do Vaticano: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091899_depuis-le-jour.html
  4. Brief Saepe numero, August 28, 1883.
  5. (1943) n. 64, site do Vaticano: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_29061943_mystici-corporis-christi.html.
  6. Ludwig Pastor, The History of the Popes, Herder, St. Louis, Mo, 1923, v. V, pp. 363-364.
  7. Popes Through the Ages, Van Nostrand Company, Inc., Toronto-New York, 1959, p. 292.
  8. Mann, H. (1907). Pope Benedict IX. In The Catholic Encyclopedia. http://www.newadvent.org/cathen/02429a.htm.
  9. Quando se diz que Deus permite o mal, deve-se entender que essa permissão nunca é positiva, isto é, como a de um mau pai que da licença ao filho para que frequente lugares de perdição. Trata-se apenas de uma permissão negativa: Deus apenas não dá graças especiais — além das graças comuns que todo homem recebe — para, por esse meio extraordinário, impedir que o mal ocorra.
  10. “Rejubile-se, Ó Virgem Maria, por que sozinha vós derrotastes todas as heresias” (“Gaude Maria virgo: cunctas haereses sola interemisti in universo,” Ofício de Nossa Senhora).

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Luiz Sérgio Solimeo

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