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Plinio Corrêa de Oliveira
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Gramsci e o Brasil


Marcel Domingos Solimeo (*)

O livro A Revolução Gramscista no Ocidente, de Sergio Augusto de Avellar Coutinho, embora não seja tão recente, continua cada vez mais atual, porque, à medida que o tempo passa, verifica-se que avançamos muito na aplicação da estratégia definida por Gramsci para a conquista do poder. Fatos e ações que parecem isolados apresentam uma direção e um objetivo comum na linha definida pelo filósofo italiano.

Antonio Gramsci não foi apenas um membro do Comitê Central do Partido Comunista Italiano, mas um importante intelectual marxista que, por ordem de Mussolini, teve uma longa permanência no cárcere, durante a qual desenvolveu o arcabouço de um intenso trabalho doutrinário e, mais do que isso, uma estratégia para a tomada do poder e implantação do regime comunista nos países ocidentais.

Para Gramsci, a forma de tomada do governo pela força, ocorrida na União Soviética, não se aplicava às nações ocidentais, onde deveria ser adotada uma estratégia gradativa de “transição para o socialismo” como o caminho para se chegar ao “Estado comunista”.

Sua obra está dispersa e é assistemática, tendo sido discutida no Brasil a partir de 1962 – com a tradução de seus primeiros trabalhos –, apenas com relação a seu conteúdo ideológico. Sérgio Coutinho elaborou um importante estudo de sua obra, centrado na estratégia de tomada do poder pela via “democrático-consensual”.

Gramsci desenvolve uma série de conceitos, ou utiliza os existentes com significados diferentes, mas a “luta de classes” continua sendo o principal instrumento para a “revolução socialista” ou a “transição para o socialismo”, na linguagem gramsciana.

Para o intelectual italiano, se a conquista do poder pela força, no que ele chamou de “guerra de movimento”, foi utilizada na Rússia (que era um país atrasado), a mesma não era aplicável às nações do Ocidente, que possuíam defesas institucionais mais desenvolvidas. Ele prega, então, uma “guerra de posição”, longa e obstinada para conquistar cada trincheira da classe dominante burguesa.

A estratégia de Gramsci a fim de criar condições para atingir a “sociedade comunista” prevê um processo gradativo de transição para o socialismo em três fases:

– “econômico-corporativa” – que visa organizar o partido das classes subalternas e lutar pelo Estado Democrático e pela ampliação das franquias democráticas, a fim de facilitar a ação político-revolucionária;

– “luta pela hegemonia” – lutar pela hegemonia das classes subalternas sobre a “sociedade civil”, tornando-as dirigentes e criando condições para a tomada do poder;

– “estatal” – tomar o poder, impor a nova ordem e estabelecer o socialismo, como etapa provisória e anterior à passagem para o comunismo.

Na primeira fase, a “econômico-corporativa”, que corresponde ao conceito leninista de “acumulação de forças”, o movimento vale-se das franquias democráticas para avançar, mas não dispensa atividades e ações clandestinas. A segunda etapa, a da “luta pela hegemonia”, caracteriza-se pelo trabalho dos “intelectuais orgânicos” junto às massas, visando à penetração cultural e intelectual e à organização das classes subalternas. Na terceira, a “fase estatal”, é a tomada do poder e implantação da revolução socialista que se realiza por um ato de força.

A longa “guerra de posição”, preconizada por Gramsci, prevê o desgaste e a neutralização do aparelho de hegemonia burguesa e do aparelho de coerção estatal e a superação psicológica, intelectual e moral das classes subalternas e das classes burguesas, fazendo-as aceitar (ou se conformar) com a transição para o socialismo como coisa natural, evolutiva e democrática.

Para sua realização, é necessária a criação do “partido de classe” e a existência de um ambiente democrático pelo qual, em caso de uma ditadura, deve-se lutar, primeiro, pela abertura política, eleições livres, anistia aos presos políticos, redemocratização e por uma Assembleia Nacional Constituinte, sendo também válida a realização de alianças – tudo, porém, sob a liderança do “partido hegemônico”. A tomada do poder e a transição para o socialismo serão impossíveis sem a prévia neutralização do aparelho de coerção do grupo burguês. Essa neutralização é complexa e envolve amplo trabalho político, psicológico e ideológico de esvaziamento moral das organizações e dos valores burgueses.

Para Sérgio Coutinho, o Brasil já se encontra na segunda fase: a da “luta pela hegemonia”, que conta com a participação dos “intelectuais orgânicos” do PT – partido atuante e estruturado em todos os níveis – e dos intelectuais difundidos nos demais partidos de esquerda, nos órgãos de comunicação social, nas cátedras, nas ONGs, nas comunidades (acadêmicas, de moradores, de favelas e de minorias), sem evidências nítidas de vinculação direta com os partidos. Embora aparentemente dispersos, e até divergindo em alguns aspectos secundários, eles mantêm afinidade no essencial: a “reforma intelectual e moral da sociedade e a neutralização do aparelho hegemônico da burguesia”, através da neutralização do “senso comum” e da ampliação do “espaço estatal”.

As novas gerações nem reconhecem o “senso comum”, afetado por um movimento com direção consciente de mudanças apresentadas como uma “natural evolução social e moral”, como as exemplificadas pelo autor:

1 – A “livre opinião” está sendo substituída pelo “politicamente correto” sustentado pela orquestração (repetição) e pelo “patrulhamento ideológico”;

2 – O conceito de “legalidade” está sendo substituído pelo da “legitimidade”, como se observa da defesa, inclusive por parte de membros do governo, das invasões de terras, edifícios e prédios públicos, considerando-as legítimas, porque correspondem a “reivindicações justas”;

3 – A exaltação da “felicidade individual”, com o prazer substituindo a solidariedade, o altruísmo e a abnegação;

4 – O conceito de cidadão está sendo substituído pelo de “cidadania”, entendido como uma relação de demanda das minorias ou dos grupos organizados;

5 – Ao invés do conceito de “sociedade nacional”, surge o de “sociedade civil”, que passa a ser o espaço das classes em oposição que, sub-repticiamente, leva à luta de classes.

Coutinho cita ainda outros exemplos:

– A “personalidade popular” em substituição ao “vulto histórico”;

– A história “revisada” substitui a história pátria;

– A “união temporária” ou a “de pessoas do mesmo sexo” em substituição à família;

– O “ecletismo religioso”;

– A “moral laica e utilitária” em substituição à moral cristã e à tradição ética ocidental;

– A “discriminação racial” utilizada como instrumento de luta de classes;

– O “preconceito” contra os conservadores;

– A “informalidade” em substituição à tradição;

– A “amoralidade” substituindo a ética tradicional;

– Os “direitos humanos” como proteção ao criminoso comum, apontado como “vítima da sociedade”;

– A “satanização” do crime do “bandido do colarinho branco”, procurando generalizá-lo como sendo natural do “burguês”, caracterizado como corrupto e fraudador do povo;

– A “opinião pública” como critério de verdade;

– A “mudança” como valor superior à conservação;

– A “ecologia” como oposição à “especulação capitalista burguesa”.

Como “trincheiras burguesas” a serem neutralizadas são citados: o Judiciário, o Congresso, o Executivo, os partidos políticos, as Forças Armadas, o aparelho policial, a Igreja Católica e o capitalismo.

Para neutralizar essas “trincheiras”, é preciso miná-las por meio das seguintes ações:

– “Enfraquecimento” pela desmoralização;

– “Esvaziamento” pelo isolamento da sociedade, denuncismo e dissidência interna;

– “Constrangimento e inibição” pelo patrulhamento, penetração ideológica e infiltração de “intelectuais orgânicos”.

Estado Ampliado

A “ampliação” do Estado se dá na medida em que a “sociedade civil organizada” passa a ocupar funções estatais por meio de ONGs, cuja sustentação financeira nunca tem origem conhecida, embora seus recursos sejam abundantes e mantenha um “exército” de ativistas em vários campos: ambientalistas, defensores dos índios, pacifistas, direitos humanos etc. Quando não exercem diretamente tais funções, agem com reivindicações, controles do governo e de governantes, protestos, boicotes, na exigência de “debates” ou de “audiências públicas”. Mais preocupante é o grande número de convênios entre os governos e as ONGs para atividades preservacionistas ou sociais, as quais levam recursos públicos para que a “sociedade civil organizada” exerça funções do Estado.

Sergio Coutinho dedica um capítulo de seu impressionante livro ao Brasil, no qual acentua que o país, quando da queda do Muro de Berlim, já não era uma “sociedade semicolonial” do tipo do Oriente (na qual se justificava a “guerra de movimento”, ou seja, a tomada do poder pela força, como se pretendia, de 1962 a 64, e na década de 70), mas uma nação “ocidental”, com instituições sólidas, o que recomendava “uma guerra de posição” (a conquista gradativa do poder). Coutinho cita que os comunistas brasileiros, unindo-se às oposições ao regime militar, seguiram as etapas preconizadas pelo intelectual italiano, lutando por: abertura política, eleições livres, anistia, redemocratização e Constituinte, com o que se criaram as condições para a aplicação da proposta gramsciana. Diz Coutinho em seu livro:

A partir da década de 1980, a revolução comunista no Brasil ganhou uma nova vertente inspirada na concepção gramsciana de transição para o socialismo. Esta linha convive com o pensamento e a prática política marxista-leninista de alguns partidos, somando esforços numa assumida postura tática de “pluralismo das esquerdas”. O surpreendente êxito já alcançado no que diz respeito à penetração intelectual e moral na sociedade é significativo e começa a indicar que está chegando a um estágio que se poderá dizer irreversível. No momento crítico da tentativa de tomada do poder (passagem da “guerra de posição” para a “guerra de movimento”), poderão faltar a vontade nacional e os meios concretos para impedi-la.

Cabe lembrar que o livro foi escrito em 2002. De lá para cá, muito se avançou na superação do senso comum, com a introdução do politicamente correto, da substituição do conceito de legalidade pelo de legitimidade, de cidadão por cidadania, de sociedade nacional por sociedade civil e na demolição dos valores tradicionais. Exemplos:

I – Questão racial – A instituição do regime de cotas; a designação dos negros como “afrodescendentes”, que embute uma ideia de divisão da sociedade; a fomentação de reivindicações dos “quilombolas”, tudo isso visando provocar a “luta de classes” entre “minorias” e “maiorias”.

II – Questão indígena – A demarcação de vastas áreas para pequenos grupos, tratados como “nações indígenas” e estimulados por ativistas ao confronto contra os “brancos”, o que faz parte da estratégia de enfraquecimento do Estado, mais particularmente das Forças Armadas, que deixam de atuar nesses territórios.

III – Ataque aos valores familiares – Movimento do “orgulho gay”, defesa do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo; aborto; amor livre e campanhas pelo “sexo seguro”, que incentivam a promiscuidade.

IV – Ataque ao direito de propriedade – A liberdade de que goza o MST e outros grupos semelhantes para invadir propriedades, depredar laboratórios e campos experimentais, ocupar prédios públicos – financiados por recursos governamentais ou estrangeiros – visa enfraquecer o direito de propriedade, já relativizado por Portarias do INCRA que fixam “coeficientes de produtividade”. Não se  pode esquecer que Gramsci não descarta o uso da força quando necessário para o “golpe final”. O MST se constitui em um verdadeiro exército, com seus acampamentos localizados estrategicamente próximos a entroncamentos de rodovias. Usa-se o argumento da legitimidade, ao invés do da legalidade, para justificar a atuação do MST.

V – Doutrinação antiempresarial – A doutrinação antiempresarial começa desde o primário, inclusive em escolas particulares, feita por grande número de professores mal formados moral e intelectualmente e convencidos de suas teses marxistas. A doutrina antiempresarial conta com o apoio do MEC, o qual prepara um material didático de orientação anticapitalista.

VI – Ocupação das posições-chave do Estado – A criação de milhares de cargos de livre-nomeação e a indicação para posições em empresas estatais e em seus fundos de pensão, somado ao fortalecimento financeiro das centrais sindicais, representam uma ocupação do Estado nunca antes vista.

VII – Desmoralização do Congresso – A desmoralização do Congresso, primeiro com o “Mensalão”, depois com o uso da barganha por cargos, deixa apenas o Judiciário como contrapeso à pressão do Executivo, ainda assim tolhido pela enorme massa de questões a examinar. A decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da Reserva Raposa Serra do Sol faz temer que mesmo essa barreira se enfraqueça. Estabeleceu-se, com a decisão pela Suprema Corte, duas classes de brasileiros na região: os índios, senhores absolutos de um imenso território, e os demais, cujos direitos de propriedade e cidadania não foram respeitados quando foram obrigados a deixar a área, mesmo aqueles que nela haviam nascido.

Notas adicionais ao texto original (Tentativa De Desmoralização Do Judiciário)

As prisões de alguns mensaleiros vêm acarretando tentativas diversas de desmoralizar a Justiça por parte de militantes do PT e outros partidos e grupos esquerdistas. Movimentos que descambam em violência têm o duplo objetivo de desgastar governadores de Estado e criar clima para a “desmilitarização” da Polícia. Em complemento, dá-se mais atenção ao desarmamento da população ordeira do que ao dos marginais.

No plano municipal, nota-se claramente o viés contra o “rico”, com as restrições cada vez maiores ao uso do automóvel, sem oferecer alternativas, e com a proposta de aumento brutal do IPTU dos “ricos” e a isenção do mesmo aos “pobres”.

As estratégias de “audiências públicas”, direcionadas para validar políticas previamente determinadas, e a disseminação de “Conselhos”, sobre os quais o partido no poder tem maioria e controle, para que sejam referendadas suas propostas em uma tentativa de “democracia direta”, são outros dos expedientes usados pelos revolucionários a fim de contornar o Legislativo e suprimir, na prática, o regime democrático.

(*) Marcel Domingos Solimeo é economista e superintendente do IEGV – Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo.

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