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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Preço e valor, coisas tão diferentes


Antigamente, tão antigamente que já se pode falar em tempos d’antanho, as pessoas se empenhavam em progredir. Não me refiro ao único progresso que está hoje na cabeça de muitos: ganhar e acumular dinheiro. Isso também fazia parte do esforço pessoal e coletivo, mas não era o único objetivo nem o mais importante. Compare as duas situações deste comentário:

• Ele era muito rico. Mas vendeu tudo, e agora tem um monte de dinheiro.

Note aí a grande diferença entre ser rico e ter muito dinheiro.

Outra diferença, ainda mais sutil, surge na comparação destas duas frases:

• Ele tem uma casa muito rica.

• Ele tem uma casa de rico.

Qual a diferença entre as duas casas? O valor comercial pode ser o mesmo, mas a primeira tem também outro gênero de valores, coisas que não basta o dinheiro para adquirir.

Um exemplo musical mostra um tipo de diferenças assim. Quando faleceu o músico Jacó do Bandolim, seu filho Sérgio Bittencourt o homenageou com a canção Naquela mesa, gravada por Nelson Gonçalves. Depois de narrar os costumes do pai, que enchia a casa com sua presença, ele acrescenta:

    Eu não sabia que doía tanto
    Uma mesa num canto
    Uma casa e um jardim.
    Naquela mesa tá faltando ele
    E a saudade dele
    Tá doendo em mim.
(http://www.youtube.com/watch?v=RKsC3MMlqtE)

Se essa casa fosse vendida, o filho não encontraria em nenhuma outra, mesmo que fosse muito mais cara, esse valor enorme presente onde vivera com seu pai. Neste caso os valores são sentimentais, mas outros gêneros de coisas também não têm preço.

Por exemplo, a casa da Sagrada Família em Nazaré, que era modesta dentro dos padrões locais. Ante uma ameaça de invasão por infiéis, ela foi transportada inteira pelos anjos, de acordo com documentos históricos irrefutáveis. Hoje é venerada por milhões de peregrinos em Loreto, Itália. Que preço pode ter uma casinha como essa? Quase nada, se o parâmetro é estritamente comercial. Mas seu valor é incomensurável, incalculável, inegociável. Haveria um clamor universal se algum dos muitos miserabilistas, modernistas ou progressistas atuais propusesse vendê-la para dar o dinheiro aos pobres. E os pobres nem sequer aceitariam essa esmola, se soubessem que a origem dela foi a venda dessa casa.

Muitíssimas obras arquitetônicas medievais têm valor incalculável. A Sainte Chapelle, construída por ordem do rei São Luís IX para abrigar a coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, tem a forma de um relicário, em cujas paredes os lindíssimos vitrais ocupam área maior que os elementos de sustentação. Nenhum francês pensaria em vendê-la, nenhum miliardário se atreveria a oferecer dinheiro por ela. O valor artístico e arquitetônico é incalculável, mas não o maior, pois a pequena relíquia do Salvador vale muito mais. Quanto? É até um insulto cogitar de preço.

Todas essas comparações de preço e valor aplicam-se à recente descoberta dos ossos de Ricardo III. São ossos de um ser humano, e como tais o seu preço é desprezível. Mas têm valor incalculável, porque fazem parte da História. Em 1485, no fim da renhida batalha de Bosworth, esse rei inglês perdeu o reino e a vida. O mais importante para ele, naquele fim de batalha, era um animal que lhe possibilitasse fugir e salvar a própria vida. Na peça de Shakespeare, uma frase famosa estipula o preço que o rei derrotado pagaria por esse animal: Meu reino por um cavalo!

Naquele momento, a Inglaterra valeria para ele menos que um cavalo.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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