✅ Luis Dufaur
Na indizível candura da santa pobreza da gruta de Belém, o Divino Redentor entrou na História irradiando alegria sobrenatural. Um contentamento que os homens jamais conseguiriam conceber e que se expandiu ao longo dos milênios a todas as classes de todos os povos.
A figura central do santíssimo acontecimento de Belém foi uma família de sangue real. Os Evangelhos nos ensinam a genealogia de Maria e de José, príncipes da casa real de Judá; os Profetas anunciavam um Rei dos reis: “Tu que és o Rei dos reis, a quem o Deus dos céus deu realeza, poder, força e glória” (Daniel 2, 37). E “Único Soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores” (I Timóteo 6, 15). E os Reis Magos, vindos de países longínquos com outras culturas, ingressaram em Jerusalém perguntando onde estava o “rei dos judeus”. Por tudo isso e muito mais, a Igreja nos apresenta o Divino Menino nascido em Belém como Cristo Rei.
Nos séculos da civilização cristã, a luz jubilosa da Sagrada Família, e em especial do Divino Infante, se irradiava do núcleo e do vértice de todas as celebrações e festividades sociais e religiosas natalinas. Mas essa luz foi se extinguindo pela antipatia igualitária. Contudo, a Luz de Cristo Rei e da Santa Família continua irradiando sua unção. Todas as famílias percebem-na, mas não a retribuem. E vem à mente perguntar como as famílias coroadas comemoravam o evento de Natal da mais alta monarquia sobrenatural e histórica.
Durante a Idade Média, os reis e a nobreza faziam em seus palácios e castelos o centro das festas, que podiam durar vários dias, nas quais os membros da família real circulavam, acotovelando-se com seus súditos em gentil e íntima familiaridade. Nessa época a Igreja ainda estava alfabetizando a uns e a outros, e não restaram senão parcos registros descritivos, excetuadas algumas belas iluminuras de origem monacal.

NOS ESPLENDORES DA FRANÇA
Na Corte de Luís XIV, no ápice do Ancien Régime, o memorialista Philippe de Courcillon, marquês de Dangeau, descreve que no Advento o Rei-Sol queria a vida de corte inteiramente voltada ao recolhimento e à penitência, como pedido pela Igreja. Nesse período litúrgico de preparação para o Natal, o monarca proibia todos os jogos, espetáculos e comédias no palácio de Versailles! Em cada domingo do Avento, o rei assistia à pregação oficial.

Em seu Journal dos dias 24 e 25 de dezembro de 1697, Dangeau conta que Luís XIV dedicava a manhã às suas devoções. Depois do almoço assistia ao cântico de Vésperas na Capela Real. A seguir distribuía cargos e benefícios vacantes, nomeações próprias para aquele feliz dia. À noite, antes da Missa do Galo, a família real comia austeramente algum peixe, sopa ou frutos do mar. Por volta das 22 horas, o rei retornava à Capela para assistir às três missas, ditas baixas. Saindo da capela, acompanhado por toda a família real, ele ia tocar nos doentes, como fez no dia de sua coroação, pronunciando a célebre fórmula: “O rei te toca, Deus te cura”.
Por fim, no dia de Natal, o Rei-Sol assistia à Missa Solene seguida de uma refeição pomposa. Nela, encerrado o jejum, comiam-se grandes pratos, muito cordeiro e aves “nobres”: ganso, capão e peru, este último vindo da América do Sul, como o nome indica. Naqueles jantares natalinos fez aparição na mesa do Rei-Sol, entre outros, o marrom glacé.
Infelizmente, em reinados posteriores, os costumes católicos da França foram diminuindo. Ainda assim, o rei Luis XV, embora menos estrito, pedia respeito aos cortesões na vigília do Natal. Em Versailles, naquele dia, ainda continuavam interditados a comédia e o jogo.
Nas missas da véspera de Natal, um membro proeminente da Corte coletava as esmolas. Em 1741, foi a vez de Madame de Chevreuse, princesa descendente dos primeiros soberanos da Bretanha. E o duque de Luynes, par da França, consignou espantado em suas Mémoires, que ela “recolheu um total de 45 luises” (moeda de ouro de máximo valor).

Presentes sim… mas no Ano Novo!
Os presentes, denominados étrennes, eram distribuídos pelo rei, a rainha e os príncipes no Ano Novo, como sinal de reconhecimento aos domésticos do castelo. Presenteavam então alguma joia ou dinheiro.
Porém, nos tempos de Henrique IV, protestante de início e convertido depois por interesse, não havia presentes. O costume mudou com seu filho o futuro Luís XIII. No dia 1º de janeiro de 1606, quando era uma criança de cinco anos, quis ele próprio distribuir as étrennes.

Esplendidamente vestido, ele corria para alcançar os favorecidos, puxava suas roupas, e após lhes dizer sorrindo “eis vossa étrenne”, saía às pressas para obter outra coisa para dar. No ano seguinte, em 26 de dezembro, ele dizia que queria escrever um “livrinho” para o rei Henrique IV à guisa de étrenne.
Os presentes ganharam importância sob o rei Luís XIV. Ele analisava cada um dos que seriam dados, ficando muito agradado pelas escolhas de Madame de Maintenon. Aos nobres, o Rei-Sol presenteava tabaqueiras em ouro que ele pagava de seu bolso, costume que continuou seu sucessor Luís XV. Quando a princesa polonesa Maria Leszczynska chegou à Corte para se casar com Luís XV, ficou encantada com o costume, oferecendo presentes mais requintados a muitas outras pessoas de qualidade. A Corte terrestre então participava das alegrias da Corte celeste.

Entrada do pinheiro de Natal na Corte

Henrique IV, o rei protestante convertido, só dava importância à bûche de Noël, a qual nada tinha do requintado bolo que se tornou depois, mas consistia no hábito de queimar um tronco de árvore na lareira.
Não se conhecia o pinheiro decorado de Natal. Ele veio dos países do Leste, trazido por princesas germânicas que chegavam a Versailles para casamentos com pessoas da alta nobreza. A princesa bávara Elisabeth-Charlotte do Palatinado, que se casou com o Duque de Orléans, irmão de Luís XIV, consumia-se de nostalgia pelas festas de Natal vividas na sua juventude em Hanover. Encantavam-na o charme dos arranjos com o Menino Jesus; as mesas, que pareciam altares, com toda espécie de presentes para as crianças; as roupas novas, a prataria, a seda, as bonecas, os doces pendurados nas árvores cheias de velas etc.


| Princesa Elisabeth-Charlotte do Palatinado, Duquesa de Orléans – François de Troy (1645–1730). Museu de História da França, Palácio de Versalhes |
Ela tentou introduzir a árvore com “suas modas alemãs”, mas foi contraditada pelo seu esposo, o Duque de Orléans. No entanto, tudo mudou com a futura rainha Maria Leszczynska, que desde a sua chegada mandou montar um pinheiro de Natal no castelo de Versailles. Houve resistências até que a princesa Helena de Mecklenbourg chegasse à França, em 1837, para desposar um novo Duque d’Orléans.
Ela falava dos natais maravilhosos passados em família, em Friedensbourg, quando se trocava presentes em torno do pinheiro. Ouvindo esses relatos, a rainha Maria Amélia de Bourbon preparou-lhe secretamente uma surpresa: um pinheiro natalino no Salão Branco, que nada deixava desejar aos da Alemanha. Desde então o costume real passou a encher de alegria os pequenos príncipes. O costume se difundiu por toda a França, e dali para o mundo, mas foi morrendo com a República.

NATAL NO IMPÉRIO ESPANHOL
No Império espanhol dos Habsburgos, a gravidade, a solenidade, a penitência e a alegria reprimida impregnavam o Advento e o Natal por disposição de El Rey. Festas, bailes e qualquer divertimento público estavam interditados, e as autoridades fechavam casas suspeitas ou locais de jogo. Seguindo o exemplo dos monarcas, os populares consagravam o Advento à purificação de suas almas com os sacramentos, Missas e atos de piedade, e as leis colaboravam para isso em todo o império, que se estendia por todos os continentes.

Após as cinco semanas de jejum e abstinência do Advento, a Ceia de Nochebuena, que se seguia à Missa do Galo, era uma das mais requintadas e abundantes do ano. Não só casas, mas ruas e praças fervilhavam com proclamação de poesias, novelas e canções natalinas. Poetas, cantores, bandas, bailarinos e músicos de toda espécie inundavam os locais públicos de cidades e povoados.
Nas ceias copiosas de então, cheias de torrones, fez aparição o bolo roscón de reyes, cuja peculiaridade, trazida pelos soldados dos famosos Tercios que guerreavam em Flandres, consistia em esconder no meio da massa uma micro-coroa, sendo proclamado rey de la fiesta quem a encontrasse.
Um acontecimento bélico deu-se em Granada em 1568. Aproveitando-se da ocasião em que os católicos estavam todos nas igrejas para a Missa do Galo, deixando casas e ruas vazias, o rebelde mourisco Abén Humeya tentou tomar a cidade, dando início à rebelião das Alpujarras. Esta seria apoiada por uma imensa frota otomana, a qual, entretanto, foi destruída no caminho por Don Juan de Áustria em Lepanto.
Em 1734, o Real Alcázar de Madrid sofreu um devastador incêndio, também na Missa do Galo. As igrejas avisaram, fazendo repicar os sinos, mas os madrilenos, julgando tratar-se de uma convocatória para Missa, desinteressaram-se do castelo, que ardeu até os fundamentos.
As ceias na Corte eram verdadeiramente régias. O cozinheiro de Felipe IV registrou, num manual de 1622, que sem contar as sobremesas, na ceia natalina foram servidos 36 pratos diferentes. Os doces mais populares não se diferenciavam muito dos atuais.
Nobres de antiga estirpe, comerciantes e burgueses ricos abriam as portas de seus fastuosos lares, em veladas que “se estendiam ao longo de todas as Páscoas” e podiam durar até 12 dias!
Poetas e escritores como Góngora, Quevedo e Lope de Vega, entre outros, compunham poesias, villancicos e incontáveis versos em honra do humilde nascimento do Messias, cujo presépio reinava nos lares.
O rei Carlos III teria introduzido na Espanha o presépio de São Francisco de Assis, chamado de “Belén”. Em séculos anteriores, montavam-se altarcicos de Pascuas na cidade e na Corte. Os mais monumentais triunfavam em igrejas, mosteiros, conventos e palácios, como também no âmbito doméstico, onde recebiam visitas multitudinárias.
Uma afetuosa chuva de cartas cheias de congratulações e de cestas repletas de alimentos ajudavam “a tirar la casa por la ventana”. Quevedo escrevera: “No Natal, entre torrones e presentes, ia-se todo o dinheiro”.

NATAL DERRETIA A ARIDEZ ANGLICANA
A princesinha Alexandrina Victoria, futura rainha Vitória, herdeira do império britânico, passou a sua juventude no Palácio de Kensington imersa na grande tristeza e solidão decorrentes do protestantismo. Seu único consolo consistia em aguardar o período natalino, pois seus pais, de origem germânica, lhe tinham falado do Natal na Alemanha.

| A Rainha Victoria e o Príncipe Alberto com os seus cinco primeiros filhos, em torno da árvore de Natal (Gravura de 1848). |
Charlotte de Mecklembourg-Strelitz, sua avó paterna, introduziu a árvore de Natal na corte e assumiu a distribuição de presentes após seu casamento com o rei Jorge III. A rainha Vitória de Saxe-Cobourg, pouco comunicativa mãe da isolada princesinha, também não deixava de montar pinheiros de Natal e oferecer cadeaux.
Com 13 anos, a princesinha não se continha, e no amanhecer de 24 de dezembro distribuía seus próprios presentes às suas domésticas. À noite, com lágrimas nos olhos, ela descrevia em seu Diário as árvores decoradas com velas, os ornamentos feitos com açúcar e todos os presentes em volta.

| Árvores de Natal da Duquesa de Kent e dos filhos reais em Windsor, em 1850, por James Roberts (Royal Collection Trust) |
Em 1836, Alexandrina viveu um Natal inesquecível no castelo de Claremont, pertencente ao seu tio Leopoldo, primeiro rei dos belgas. Este lhe ofereceu cartas autografadas de Luís XVI e Maria Antonieta. Naquele ano, a princesa foi a um acampamento de ciganos para distribuir objetos que suavizassem a miséria em que viviam.
No ano seguinte ela subiu ao trono com o nome de rainha Vitória I, e em fevereiro de 1840 casou-se com o príncipe alemão Alberto de Saxe-Cobourg-Gotha. Desde então, as comemorações do Natal nos castelos de Buckingham e Windsor ganharam outra dimensão.

As tradições germânicas do Natal atingiram um desenvolvimento nunca antes visto. O príncipe Alberto descrevia a seu irmão, o príncipe Ernesto, como todo mundo estava “felizmente maravilhado” em volta de três magníficas árvores natalinas, e a seu pai a lembrança de seu entusiasmo de criança. A rainha ainda introduziu uma fanfarra de trompetes como na Alemanha.
As festas de Natal do castelo real de Windsor foram de uma importância capital para o bem-estar do reino. O rei Alberto as transformou em acontecimentos semipúblicos, cujos mínimos detalhes eram levados pelos jornais aos mais remotos confins do império colonial britânico.
A decoração de Windsor ficou aberta ao público; os jornais disputavam em descrever o menu real, e o Natal no estilo alemão foi logo copiado nos lares da classe média. Os viajantes descreviam o ambiente feérico no castelo e o Illustrated London News fazia questão de ilustrar em gravuras a árvore de Natal preparada para os principezinhos que acabavam de nascer.
Havia imensos pinheiros nos diferentes salões e outros menores nas salas dos domésticos. A rainha Vitória montava a árvore para seu marido e o rei Alberto arranjava o de sua esposa. A cada ano os enfeites se superavam. Em 1860, foram removidos os lustres para as árvores cintilantes de mil luzes subirem até os tetos.
A troca de presentes se fazia na noite da véspera de Natal. A rainha se esmerava em excogitar presentes-surpresa. Os filhos reais encontravam sobre uma mesa uma montanha de presentes, os quais se pareciam mais a uma caverna de Ali-babá, e pulavam e gritavam de alegria. O visconde de Torrington deixou um comovedor relato da mudança do ambiente tristonho, que antes dominava o ano todo, para o ambiente alegre da rainha e dos príncipes, conversando, abandonando as rigidezes, enquanto as princesinhas olhavam para os lordes e os domésticos com encantador charme, segurando os tesouros que tinham acabado de ganhar.
Havia também presentes para os domésticos e suas famílias. A própria rainha os distribuía no maior salão do castelo. Em 1847, a jovem dama de honra Eleanor Stanley ganhou um medalhão com forma de coração totalmente decorado com diamantes. Distribuíam-se pães saborosamente condimentados com especiarias, enquanto as crianças nobres distribuíam cartões de Natal que elas próprias haviam pintado.
Até nas cozinhas do palácio!
As cozinhas de Windsor conheciam um diuturno e incessante vaivém. Elaboravam-se bolos especiais, padarias e rotisserias viviam em ebulição. No Natal de 1860, o lorde Torrington descobriu nelas um espetáculo digno do auge da Idade Média: 150 perus sendo assados, bem como um javali e uma enorme parte de um boi, enquanto ferviam panelas com carne de cordeiro para os operários dos domínios reais.
De lá partiam bolos exclusivos, que exigiam horas de preparação, para os amigos da família real. O pessoal da cozinha fazia para si puddings com ameixas e castanhas assadas, e em 1860 fizeram um pastel com mais de 100 aves. O visconde Torrington descreve os requintes em longos parágrafos, mas desse pastel escreveu que foi “verdadeiramente maravilhoso. Não sei como eu pude sobreviver para contá-lo”.
A morte prematura do rei em 1861 deprimiu profundamente a rainha. Só em 1872 ela erigiu dois pinheiros de Natal em Osborne e distribuiu presentes para 300 servidores. Em 1899, durante a guerra do Sul da África, a rainha organizou um chá de Natal no grande salão de Windsor para as esposas e filhos dos militares engajados no front. As árvores natalinas voltaram a ser enormes, carregadas de presentes, enquanto as mesas pareciam desabar com pratos de carne à la broche e patês para 700 pessoas.
Membros da família real e auxiliares ajudavam a rainha de 80 anos, em cadeira de rodas distribuindo presentes. A cena foi comovedora: a família real reunida para aliviar com candura as angústias de seus súditos com maridos e pais envoltos pela guerra! A tradição da árvore de Natal de vários metros em Windsor se perpetuou até hoje!

NATAL NOS PALÁCIOS DA RÚSSIA
A celebração do Natal entrou na corte russa — aliás, intoxicada pelos sinistros bafejos do cisma — durante o reinado de Nicolau I (1825-1855), graças à sua esposa Alexandra Feodorovna, nascida princesa Carlota, filha do rei da Prússia. Tal é a força de sedução sobrenatural do Natal que essas cortes rompidas com a Igreja Católica e intoxicadas pelos negrumes da “Igreja Ortodoxa” não podiam deixar de comemorar o magno evento.
Na véspera de Natal, muitos pinheiros eram exibidos imediatamente após a Missa, na Sala de Concertos ou na rotunda do Palácio de Inverno. Cada membro da família imperial montava sua árvore e a rodeava com inúmeros presentes que ficavam ocultos com uma toalha branca até a gaudiosa descoberta.

A morte de Nicolau I não diminuiu, mas multiplicou o gáudio e a pompa. Sob Alexandre II, que reinou de 1855 a 1881, a cerimônia acontecia no Salão Dourado do Palácio de Inverno; e sob Alexandre III, que reinou de 1881 a 1894, as árvores eram arrumadas no Salão Carmesim ou no Salão Amarelo do Palácio de Gatchina.
“Sua Majestade nos reunia nos aposentos com as portas fechadas”, descreveu a Baronesa Maria Fredericks, dama de companhia. Do lado de fora, “todas as crianças, incluindo as dos czares, brigavam e se empurravam para ver quem chegaria primeiro, explodindo de alegria e impaciência. A Imperatriz reexaminava todas as mesas, e de repente as portas se abriam e nós entrávamos correndo, fazendo muito barulho, em uma sala repleta de inúmeras velas. A Imperatriz conduzia cada um de nós à sua mesa e nos entregava os presentes”.

Sob o último czar, Nicolau II, o Natal era celebrado no Palácio de Alexandre. A Grã-Princesa Olga Alexandrovna conta:
“Todos nós esperávamos o momento em
que as sobremesas, que ninguém mais queria, seriam retiradas e os pais
deixariam a mesa para ir ao salão de banquetes. As crianças tinham de esperar
que o imperador tocasse a campainha. Depois disso, esquecendo toda a etiqueta,
todos corríamos para o salão de banquetes, onde as portas se abriam para um
reino mágico.”

O salão realmente parecia uma floresta feérica: abrigava seis árvores de Natal para os familiares e muitas outras para parentes e funcionários da corte. Todas estavam decoradas com velas acesas e frutas e brinquedos folheados a ouro e prata.
Nas árvores do palácio os presentes eram simples: cada criança recebia dois cones de doces, duas tangerinas e duas maçãs; os grão-duques, uma caixa de ameixas secas, e o Imperador uma caixa de damascos.
Mas logo vinham os presentes mais importantes, dados por membros da família imperial. O pequeno Grão-Príncipe Mikhail Nikolaevich recebeu um violoncelo, com o qual sempre sonhara, e sua irmã Olga “um fantástico piano de cauda Wirth”.
As crianças costumavam comprar presentes para os pais com suas economias ou faziam algo à mão. “O presente que eu sempre dava ao meu pai [Alexandre III] era feito com minhas próprias mãos: chinelos vermelhos macios bordados em ponto-cruz branco. Eu adorava vê-lo usando-os!”, lembrava a Grã-Princesa Olga Alexandrovna.
Mas, em épocas de agitação comunista, a imperatriz Maria Feodorovna, nascida Dagmar da Dinamarca, presenteou seu marido, para se defender, com um revólver Smith & Wesson nº 38 e 100 balas. Na ocasião também obsequiou cada um de seus filhos com uma bela faca inglesa.
Os Romanov faziam seus súditos participar da grande alegria. Nicolau I organizou um sorteio para damas de companhia, tutores, babás, criados e outros residentes do palácio, em que cada qual tirava uma carta de um baralho, e em função dela a imperatriz lhes doava vasos, luminárias ou porcelanas.
Em 1866, a família imperial instalou uma árvore de Natal no Palácio Anichkov para 100 crianças pobres. E isso virou uma tradição anual, crescendo tanto, que em 1907 o Imperador Nicolau II visitou seis árvores apenas numa vila e outras em hospitais, escolas e até num quartel da guarda. Todos recebiam casacos, sapatos, roupas íntimas ou um vestido. Mas o czarevich, futuro Alexandre III, mandou pendurar os presentes numa árvore de Natal que devia ser desmontada para que as crianças escolhessem seu brinquedo ou presente preferido.
O chefe da guarda do palácio imperial, Alexander Spiridovich, lembra-se de ter visto:
“no centro da sala, uma árvore de
Natal que chegava ao teto e era decorada com inúmeras pequenas luzes elétricas.
[…] Os oficiais militares se sorteavam papeizinhos com números. Então, os
príncipes, o Czarevich e os oficiais verificavam os números concordantes com um
pacote e os levavam para a Grã-duquesa Olga Alexandrovna, que então entregava
os presentes correspondentes. […] O que deixava mais feliz o Czarevich era
quando alguém ganhava um despertador. Os oficiais davam corda nele e o faziam
tocar, o que o principezinho adorava”
.

NATAL NO RIO DE JANEIRO IMPERIAL
A noite de Natal no Rio de Janeiro era a festa das crianças e dos pais; dos venturosos da sorte e dos escravos. O contentamento reinava por toda a parte; ricos presentes destinavam-se com prodigalidade; os escravos, de roupa nova, cumpriam alegres suas tarefas; os presépios armados, as casas iluminadas no seu interior, os móveis bem espanados, os vestidos de seda estendidos sobre as camas, anunciavam a próxima festa, que começava logo ao escurecer, segundo nos descreve Melo Morais Filho.
A Missa do Galo punha em euforia casas inteiras: velhas, moças, meninos e rapazes, ninguém dormia, ninguém se ocupava com outra coisa qualquer. Certa parte da população, porém, preferia armar o trono do Menino Jesus, passar a noite entre cantigas e danças, visitar o presépio. Nas freguesias e nos conventos, as pompas religiosas que iriam se realizar faziam sair fora dos hábitos regulares as comunidades, os vigários, o pessoal subalterno do culto.
O momento mais procurado acontecia na Capela Imperial. Apenas batia meia-noite, a multidão quase que não se podia mexer dentro da igreja; os músicos apareciam no coro, afinavam os instrumentos; as sentinelas, postadas em determinados lugares, descansavam as espingardas, cujas baionetas espelhavam os jorros da luz.
Então, as ondas do povo afastavam-se à direita e à esquerda, oferecendo passagem ao bispo, que ia solenemente oficiar. Vestido de capa de um tecido de ouro, vergado pelos anos, com a fronte coroada de mitra, portando o báculo, o príncipe da Igreja caminhava lentamente, precedido de monsenhores e cônegos, de turiferários e acólitos, de sacerdotes e diáconos, com círios acesos e cantando sagrados cânticos.
E a missa de Natal celebrava-se majestosa, porque nascera o Senhor, que “seria chamado o Admirável”. Nas diversas igrejas, não obstante serem as pompas litúrgicas menos grandiosas, não deixava de ser alto o piedoso fervor. Em outros tempos, quanta autonomia pomposa em nossos costumes! Quantas alegrias íntimas tomavam os corações!
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 900, Dezembro/2025

