Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
7 min — há 9 anos
Não fossem os aldeamentos, a catequese dos índios não passaria de uma quimera. Com regime e autoridade próprios, foram eles a modalidade eficaz e original da colonização indígena no Brasil, talvez a primeira semente das célebres reduções jesuítas.
Dispersos, os nativos nunca teriam abandonado seus vícios e costumes nômade, nem deixariam de se guerrear mutuamente e de praticar o canibalismo.
A atividade dos primeiros missionários contou com todo apoio das autoridades públicas. A chegada de Mem de Sá ao Brasil, em 1558, deu novo impulso ao trabalho de conversão dos índios, pela ajuda prestada pelo terceiro Governador-geral à obra das missões, e de modo particular aos aldeamentos. Havia uma ação coordenada entre governo e missionários jesuítas, sob a orientação dos padres José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. Mais tarde chegaram outras ordens e congregações religiosas como as dos franciscanos, beneditinos, carmelitas, etc. O Bem-aventurado José de Anchieta ficou conhecido como o Apóstolo do Brasil.
As primeiras aldeias foram fundadas na Bahia, em 1558, e o próprio Mem de Sá esteve presente à sua instalação. Nesses aldeamentos, os índios aprendiam a religião, eram persuadidos a abandonar a antropofagia e as bebedeiras. Cuidavam ainda da própria alimentação, do vestuário, da saúde etc., e iam assumindo pouco a pouco hábitos civilizados. Os missionários procuravam instalar as aldeias nos próprios locais onde os indígenas eram encontrados.
Sob a influência dos jesuítas, esses aldeamentos gozavam de regalias quase municipais, com legislação especial que regulamentava os bens dos silvícolas, a separação deles em relação aos portugueses, o comércio entre uns e outros, o regime de trabalho e a hierarquia administrativa baseada na estrutura jurídica das instituições municipais portuguesas. Neste primeiro ensaio de aldeamento, o trabalho dos missionários consistia em longas missões junto às tribos nativas que iam se cristianizando lentamente.
Havia um funcionário civil, o meirinho, nomeado pelo Governador-Geral, que se fazia respeitar muito pelos índios. No início, os delitos mais comuns eram a antropofagia e brigas decorrentes das bebedeiras, bem como adultérios, roubos, faltas ao trabalho, à escola e aos atos religiosos. Cometido e comprovado o delito, o meirinho aplicava a pena correspondente. Os missionários procuravam defender os índios contra eventuais abusos praticados pela autoridade civil.
Nas aldeias havia sempre uma igreja, um colégio, um hospital e casas para os indígenas. Alguns aldeamentos chegaram a abrigar cinco mil habitantes, o que exigia além de terra para as lavouras, toda uma ordem administrativa. Os silvícolas se submetiam a um regime humano de trabalhos, com prazos determinados, a fim de não caírem na tentação da preguiça. Recebiam salários, roupas e alimentos, de acordo com as atividades exercidas.
Inicialmente, o apostolado caracterizou-se por ser quase individual, dirigido a cada índio. Para a conversão dos nativos não se faziam necessárias pregações doutrinárias, como por exemplo na Índia ou no Japão daquele tempo. Muito intuitivos, aos silvícolas bastava ensinar a lei moral e preservar este ensino. A doutrina se imporia com o tempo. Exceção feita dos naturais obstáculos psicológicos de seus costumes selvagens, nossos índios não ofereciam resistência em aceitar a Religião católica. Muitos chegaram a pedir para ser instruídos nela. Os missionários, ao longo de cinco séculos, estudaram a fundo o caráter e a psicologia dos índios. Visando sobretudo a salvação das almas, os missionários desejavam também que os indígenas fossem bem alimentados a fim de gozarem de boa saúde; o oposto da posição assumida pelos feiticeiros ou pajés, que prometiam benefícios materiais, embora deixassem os índios vivendo na ociosidade.
Indolentes, difíceis de se mover, os silvícolas às vezes passavam por dificuldades em razão de nem sequer procurarem alimentos…
Percebiam as coisas prontamente, mas sem profundidade. Tais características exigiam dos missionários suavidade e firmeza, paciência e presença constante. Muitos índios foram bons guerreiros contra os invasores estrangeiros e outros selvagens revoltosos.
No trato com os indígenas, o amor nunca poderia demonstrar fraqueza. Os índios, por índole natural, não eram tendentes à mansidão. A crueldade e costumes sanguinários estavam profundamente arraigados no espírito deles. Prova-o o martírio dos dois irmãos coadjutores jesuítas Pero Correia e João de Souza, mortos pelos carijós em 1555.
Depois desse apostolado individual, os missionários iniciaram a catequese dos nativos, O meio que usaram foi a instrução. O Padre Manoel da Nóbrega escrevia, em 1549, que começaram a visitar as casas dos indígenas, nas aldeias, convidando os meninos a aprender a ler e escrever. Eles iam de boa vontade.
Penetrando na população dos aborígines, os missionários procuravam captar a simpatia dos mais influentes, enquanto os meninos órfãos, trazidos de Lisboa, juntamente com os dos colégios atraíam os meninos índios chamados curumins. Combinavam com os dirigentes das tribos o procedimento que deveriam ter nas visitas e o que pretendiam, ou seja, pregar-lhes a lei de Deus. Após a estabilização das aldeias, os missionários passavam a ali fixar residência.
Assim, através dos filhos, os missionários chegavam até os pais arredios e preguiçosos. Os meninos logo se transformaram em mestres e apóstolos. Em 1550, os meninos portugueses dos colégios juntavam-se aos curumins e entraram pelas aldeias pagãs, pregando, ensinando, atraindo as almas para Deus. Eles e os missionários percorriam as aldeias com uma cruz à frente cantando, e os nativos maravilhados sempre os recebiam bem.
Os filhos dos silvícolas aprendiam a ler e escrever português, cantar e a acolitar as missas. O ensino musical foi sempre intenso, desempenhando um grande papel no ministério com os indígenas.
Os índios interessavam-se por tudo. Corriam para a igreja quando o sino tocava convidando-os para a assistência à Missa. Sentiam atração pelas músicas sacras, seguiam contentes as procissões religiosas. Prestavam muita atenção nos sermões traduzidos pelos intérpretes.
Em todos os tempos da catequese, os nativos sempre apreciaram os missionários. Entrando nas aldeias, os religiosos ensinavam as crianças, eram muito solícitos para com os adultos, socorriam os enfermos, demonstrando assim afeto e lealdade para com todos.
Eram tidos como homens bondosos, que se esforçavam em se exprimir na própria língua indígena. Censuravam qualquer branco que quisesse fazer-lhes mal. E nunca lhes pediam presentes, como o faziam seus feiticeiros.
Quanto aos trajes, foram surgindo aos poucos. Os missionários iam distribuindo vestidos às mulheres e calças aos homens. Ao mesmo tempo, fomentavam a rudimentar indústria da tecelagem. Era preciso criar o hábito rotineiro do vestuário. O meio mais eficaz para atingir esse objetivo foi o de se exigir que estivessem vestidos na igreja. Deveriam reservar o indispensável dos seus ganhos para adquirir a “roupa de ver Deus”, sob pena de não serem admitidos às cerimônias religiosas. Assim, foi mediante a assistência aos atos de culto que este uso entrou paulatinamente nos costumes dos nativos.
A grande dificuldade encontrada pelos missionários — e ela continua até o presente — foi a ação exercida pelos pajés ou feiticeiros das tribos. Eles sempre odiaram os religiosos, considerando-os seus rivais nas práticas da profecia e da medicina. Um pajé dificilmente se convertia à Religião de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tal modalidade de catequese de nossos nativos foi tão bem sucedida desde o Descobrimento que se mantém ela em sua essência ainda nos dias atuais, aplicada por missionários fiéis à tradição gloriosa do trabalho desenvolvido por Anchieta, o Apóstolo do Brasil. Infelizmente, porém, formou-se em nossos dias uma corrente composta de missionários neo-tribalistas, os quais propugnam a manutenção do índio em seu estágio primitivo de cultura. Em próximo artigo, analisaremos essa nova missiologia e os danos que vem causando aos pobres silvícolas e à nação brasileira.
BIBLIOGRAFIA:
Padre Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, Editora Portugal ia, Lisboa, 1943.
Rocha Pombo, História do Brasil, W. M. Jackson, Inc. Editores, Rio de Janeiro, 1942.
Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1959.
Padre Alcionilio Bruzzi Alves da Silva, A Civilização Indígena do Uaupés. Libreria Ateneo Salesiano, Roma, 1977.
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