Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 2 anos — Atualizado em: 12/27/2022, 4:53:15 AM
A milenar liturgia católica recomendava o jejum aos fiéis antes de todas as grandes festas religiosas. E o Brasil inteiro o praticava com muitos apreciáveis costumes.
No período do Advento, prévio ao Natal, o jejum consistia na abstenção de carne vermelha desde o quarto domingo anterior ao dia 25, ou até às 23h59min do dia 24. Na véspera da comemoração do nascimento do Menino Jesus, o jejum era total. Mas os fiéis o compensavam desde o início da noite reunindo-se, rezando e cantando na igreja enquanto aguardavam a Missa de Galo.
A igreja era toda iluminada com lâmpadas de azeite e tochas. Muitos círios iluminavam o Santíssimo Sacramento no altar, enquanto as paredes ficavam revestidas com tecidos e tapetes. O templo era perfumado com alecrim, rosmaninho e murta. Em alguns locais mais frios costumava-se deitar palha no chão para aquecer o ambiente.
O jejum da vigília era praticado como forma de mortificação das más inclinações e um convite à contemplação do grande mistério que seria celebrado. A Igreja mitigou o jejum total da noite de 24 de dezembro e entrou o costume de uma ceia especialmente preparada para ser degustada à meia-noite, depois da Missa do Galo.
Comia-se então quase que exclusivamente peixe — em Portugal, bacalhau, costume que ainda perdura em muitos lares brasileiros. Na França, o bacalhau era tido como o rei dos peixes. Em outros países entraram outras iguarias “penitenciais”, dependendo dos recursos naturais dos respectivos habitantes.
O nome “consoada”
O povo chamava aquela ceia de Natal de “consoada” — nome surgido no século XVII que significa pequena refeição —, a qual se tornou mais abundante após o fim do jejum. Até a revolução “pós-conciliar”, depois da Missa do Galo as famílias voltavam para suas casas, colocavam a imagem do Menino Jesus no Presépio, cantavam e rezavam em seu louvor, faziam a consoada e trocavam presentes.
A calma do mundo pré-industrial presidia a consoada: pratos leves, com a alegria do convívio familiar intenso e abençoado pela liturgia católica. Ainda se estava longe da era das velocidades, em que tudo se faz apressadamente, da civilização da imagem, da comida fast food, do disk-pizza.
A vida comum, aprazível, amável, da doçura de viver, foi atropelada pela aflição do corre-corre que abriu a era das neuroses e psicoses.
Naquela Noite Santa, os vitrais pareciam querer transmitir graças especialmente encantadoras da ordem, em um equilíbrio de cores e numa atmosfera feérica de paz e doçura que iluminavam as almas. Os fiéis levavam consigo para a consoada a lembrança indelével e comunicativa haurida na Missa do Galo pelo nascimento do Menino-Deus.
O nome Missa do Galo usa-se apenas em português e espanhol. Na maior parte do mundo chama-se simplesmente Missa da noite de Natal ou Missa da meia-noite.
Tradição brasileira
No Brasil colonial, a liturgia cristã e a consoada obedeciam ao hábito português, embora com peculiaridades locais. Pois o Natal não era uma reunião íntima com a família fechada, como é hoje. Era, sobretudo, uma celebração aberta a todos, com muitos pratos e doces regionais. Ninguém ficava de fora da comemoração, da senzala à casa grande, dos trabalhadores urbanos aos administradores públicos, todos participavam e se confraternizavam. Havia ainda o costume de indivíduos ou famílias trocarem presentes, aliás com uma generosidade comovedora. Na maioria dos casos, os presentes eram víveres, sendo o chamado “pão de Deus”, coberto com creme e coco ralado, um dos regalos preferidos.
No dia seguinte havia o grande almoço de Natal. O gosto pelo peru veio da América do Norte, enquanto o do foie-gras, das ostras e do salmão vieram do apetitoso cardápio preferido na França. Os hábitos alimentares carregados de significados simbólicos continuaram presentes mesmo após o abandono da liturgia antiga, com destaque para o vinho, que nos remete ao Sangue de Cristo e à Redenção na Terra Santa.
“No Nordeste, muitas famílias servem pernil de bode ao forno, cuscuz com manteiga de garrafa, bolo de rolo com queijo do reino. No Centro-Oeste, sobremesas com frutas do cerrado, o empadão goiano, o frango caipira. No Norte, peixes de água doce ao lado das farofas com castanhas, do arroz de tucumã e da salada de folhas de jambu. No Rio, o bacalhau português; em Minas, os suínos pururucados; em São Paulo, o arroz enriquecido dos bandeirantes; no Espírito Santo, a torta capixaba super enfeitada. E, por fim, no Sul, strudels, carnes assadas em fogos de chão e pães recheados, tanto doces como salgados”, descreveu a especializada Paula Salles.*
Mas algo essencialíssimo nunca faltava aos que procuravam os imponderáveis do Natal, irradiados há dois milênios de um pobre presépio da Gruta de Belém, convidando as famílias a degustar e participar de tradições penetradas pelo sobrenatural que só a Igreja Católica é capaz de transmitir.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 864, dezembro/2022
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