No cerimonial e na seriedade com que a Igreja Católica considera a morte de um Papa, poderemos perceber melhor sua grandeza, santidade e esplendor. É o que passaremos a ver no exemplo utilizado por Plinio Corrêa de Oliveira ao analisar os funerais de Leão XIII através de desenhos da época publicados pela revista francesa Illustration. Nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzz, esse Papa reinou de 1878 a 1903.
Nos comentários e nas ilustrações — que o Prof. Plinio considerou mais representativas da realidade do que as fotografias modernas — observaremos costumes de um mundo muito diferente do atual. São hábitos, modos de pensar e viver da Belle Époque (expressão francesa que significa Bela Época).
Foi um período de euforia, otimismo e prosperidade, de muita produção artística e transformações culturais, iniciado especialmente na Europa entre 1871, final da guerra franco-prussiana, e 1914, ano da eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Pela nobreza dos ambientes e a compostura dos personagens ilustrados, teremos uma boa noção de como a Igreja recomenda proceder em funerais e de como devemos encarar a morte. Devemos também contrastar seus tradicionais costumes com os estilos da vida quotidiana da Belle Époque e estes com a vida em nosso mundo impregnado de vulgaridade e influência hollywoodiana que levou a humanidade a viver sem compostura, numa decadência sem precedentes.
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Os comentários das ilustrações foram feitos por Plinio Corrêa de Oliveira em conferência para sócios e cooperadores da TFP em 21 de novembro de 1980. De nossa parte, cingimo-nos a selecionar os principais trechos da conferência (feita de improviso), a transpô-la para a linguagem escrita, a fazer leves adaptações e inserir título e subtítulos. O texto que segue, extraído de uma gravação em fita magnética, não foi revisto pelo saudoso orador.
Da Redação de Catolicismo
A venerabilidade, a glória e a beleza eterna da Igreja Católica
Por sua própria natureza a vida é um cenário grandioso e um panorama imenso, onde a pessoa contempla uma grande peça que se desenrola. E nesse teatro ou somos espectadores que procuram entender o enredo, ou somos atores que participam dele, mas tudo gira em torno da peça. Essa é a concepção da vida que notamos até o fim da Belle Époque.
Sr. e Sra. Galin em frente ao Jockey Club de Paris (detalhe) Jean Béraud (1849 1936). Coleção particular. |
Vamos analisar desenhos de um número antigo da revista Illustracion com cenas da Belle Époque. Foi um período festivo, alegre, brilhante, da vida social, que terminou com a Primeira Guerra Mundial.

Antes, porém, parece haver necessidade de uma explicação. Aquela época ficou marcada, em comparação com a época atual, na diferença das atitudes dos personagens, dos trajes, da decoração, nos estilos de vida e, portanto, na mentalidade dos personagens. As atitudes, os trajes etc., valem em si mesmo, mas, sobretudo, enquanto expressão de uma mentalidade. Quando tudo isto muda é porque a mentalidade mudou.
Caracterizava a mentalidade anterior a persuasão de que a vida não existe só para o seu sentido prático, ela não existe só para que a pessoa se cuide e prolongue a própria existência, evite as doenças que podem tornar incômoda a existência e ganhe dinheiro para torná-la divertida. A vida não existe só para o prazer, mas ela é o universo, e o existir do homem dentro desse universo o coloca mais ou menos como se ele estivesse num teatro para assistir a um grande enredo.
Todos participam de um metafórico teatro universal
Imaginem uma cena de teatro fabulosamente grande em que a imensa maioria dos que estão presentes de vez em quando entra na cena, representa um papel, mais apagado ou menos, e sai de cena. Depois continua a assistir à peça do lado de fora do palco.
Quer dizer, todos são artistas da enorme cena que assistem, todos fazem parte do enredo. E mesmo os mais apagados dos homens, de vez em quando entram na cena para exercerem seu papel e depois saem de novo e ficam na plateia.
Eles representam algo, ainda que façam parte como atores anônimos de uma multidão que aplaude ou de uma multidão que vaia; de uma multidão que boceja ou de uma multidão indiferente. Qualquer que seja a situação, eles todos em algo condicionam a cena, em certos momentos eles entram na encenação e depois vão para a plateia.
Felizes aqueles a quem Nossa Senhora suscita para de vez em quando entrarem na cena para exercer um papel em defesa da civilização cristã, bradando “tradição, família, propriedade”.
O indivíduo posto nesta situação do hipotético teatro é levado a ter a preocupação com o papel que ele deve exercer, mas como esse papel é passageiro e ele só pode exercer bem esse papel se entender a peça de teatro que está sendo representada, ele é obrigado a prestar atenção na peça e fazer dela o seu principal foco de atenção.
A vida até o fim da Belle Époque — muito mais ainda até a Idade Média — foi assim desde que houve almas verdadeiramente cristãs sobre a face da Terra. Também foi assim para os que receberam a revelação do Antigo Testamento e eram os justos de acordo com a Lei de Deus, e será assim até que deixe de haver homens vivendo na Terra até o fim do mundo.
Por sua própria natureza a vida é um cenário grandioso e um panorama imenso, onde a pessoa contempla uma grande peça que se desenrola, em que a peça é de uma grande clareza quando se presta atenção e se quer entendê-la, mas confusa e com aspectos até de caos quando não se quer entendê-la.
Entretanto, a peça sempre vai se desenvolvendo sob uma forma ou outra. E nesse teatro ou somos espectadores que procuram entender o enredo, ou somos atores que participam dele mas tudo gira em torno da peça. Essa é a concepção da vida que notamos até o fim da Belle Époque.

O indivíduo passa a querer ser o centro de tudo
Terminada a Belle Époque, começa outra concepção da vida. É a do indivíduo que também está no teatro imaginado, que de vez em quando entra na peça para representar um papel, mas já não se preocupa com o conjunto da peça, ele só se preocupa consigo.
Perguntando-se: “Minha cadeira está bem cômoda? Eu não estou com fome? Eu não posso mandar vir um menino que está vendendo bala, bombom, chocolate, para comer alguma coisa? Esse vizinho não está pondo cotovelo no lado do braço da poltrona que é o meu? Eu não estou com sono? Quem sabe se eu me espicho agora e tiro uma soneca? Quem sabe se me levanto e dou um passeio? Como estou eu? O que estou sentindo, o que estou querendo, será que vou viver muito ou será que vou morrer logo? Ai-ai-ai, não quero morrer. Eu estou sentido uma dor, mande vir um remédio para mim…”.
O indivíduo passa a ser o centro do teatro e a peça para ele é uma coisa secundária. Os próprios momentos em que ele entra para participar da representação são momentos fugazes e sem importância para ele. O ponto importante é ele enquanto o centro da plateia onde ele está, e o resto passa para segundo plano.
Donde o surgimento do homo economicus, do homo medicalis; do homem financeiro — ou seja, da era de Bios, deus da vida e da saúde; do homem que só quer viver gostosamente, longamente, a serviço de Bios e Mamon, o deus do dinheiro. Seus “adoradores” só se interessam pela riqueza para fazerem o que desejam.
É um outro aspecto da vida que se inaugura de modo espalhafatoso, acentuado ainda mais depois da Segunda Guerra mundial. Estendeu-se pelo mundo inteiro o estilo American Way of Life — um modo de conceber a vida americana que se espalhou pelo mundo com Hollywood, como se tudo devesse girar em torno de coisas materiais e sensuais. Com a difusão dessa mentalidade, houve uma “americanização”, uma entrada torrencial da influência hollywoodiana na vida.

O Divino Autor, o Criador do enredo da História

A imaginada peça de teatro — pelo seu enredo, por todos seus figurantes e por todo o cenário — tem uma grandeza enorme que nos deveria levar a pensar no seu Autor, que é Deus. O próprio enredo nos fala d’Ele. O próprio cenário é à imagem e semelhança do Autor. Os próprios atores secundários têm todo o seu papel, e até todo o seu ser planejado, intencionado pelo Autor. A peça nos fala de Deus e em cada coisa que se vê no panorama, como se vê nos homens e se vê no desenrolar do enredo, ou seja, no desenrolar da história, algo bem interpretado que nos fala de Deus.
Deus enquanto vitorioso e resplandecente. Mas também Deus enquanto punindo e perseguido, como no caso do Filho de Deus bradando do alto da Cruz Eli, Eli, lamma sabactani [frase em aramaico que significa “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. (Mt 27, 46)]; Também Deus enquanto puniente e as catástrofes estrepitosas por Ele permitidas. Deus enquanto reconstituinte e as auroras das grandes épocas históricas em que Ele foi vincando toda a História, e, em torno do eixo dela, a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
Essa é a visão que a metáfora da peça de teatro nos proporciona. É evidente que fazer abstração da peça é, no fundo, fazer abstração de Deus. Seria um modo de ser de ateísmo prático. O indivíduo vive e sente à maneira de ateu ainda quando reze todas as noites. É um ateísmo efetivo, concreto, mais ou menos subconsciente, mas que vai corroendo o senso sobrenatural, vai corroendo a fé, até o momento em que o indivíduo fica de fato ateu.
A hollywoodização foi nesse sentido a preparação da comunistização nos países ocidentais. Em nossos países, os círculos mais dominados por esse estilo de vida são os círculos onde menos existe reação anticomunista. O anticomunismo é raro porque eles não têm vontade de intervir na peça, eles não são anti-nada, eles são pró eles mesmos. Enquanto nós transbordamos do desejo de intervir na peça para realizar os desígnios do Divino Autor, eles, pelo contrário, procuram tirar o corpo.
Decadência da humanidade pós Primeira Guerra Mundial
Na Belle Époque, como nas épocas anteriores, tomava-se diante dos fatos da História uma atitude que era proporcionada à essência do fato. E quando se passavam fatos muitos graves, as pessoas tomavam atitudes graves diante da respeitabilidade do fato que ocorria.
A sagração de um bispo, a ordenação de um sacerdote, a primeira comunhão de uma criança, a investidura e a coroação de um Papa etc., tudo isto era sumamente grave e requeria esplendor, nobreza, pompa, luxo. Requeria sobretudo compenetração da gravidade e do esplendor do que estava acontecendo. Donde especiais atitudes, posições etc.
A Primeira Guerra Mundial acaba e chega a onda da “americanização”. A grande nação vencedora são os Estados Unidos — na aparência a França e a Inglaterra venceram a Alemanha; no fundo, a América do Norte psy esmagou a Europa, econômica e politicamente.
Então, qual é o resultado? — Tudo decai. A pessoa só está na cena pensando em si. Por exemplo, numa missa de 7º dia, a pessoa é levada a não pensar no Santo Sacrifício da Missa, nem na alma do morto, nem no augusto e trágico da morte, mas é levada a pensar quanto tempo durará a Missa, se o padre não vai atrasar, se ele não vai perder o metrô, o ônibus ou o avião, se ele não vai perder a hora marcada em tal banco, onde ele tem de tratar de um negócio.
Fica pensando que não conseguiu uma cadeira para se sentar, que os pés estão doendo; inclina-se de um lado e de outro porque a Missa está demorando muito; depois dá um bote na fileira dos pêsames para conseguir sair mais depressa etc. Só fica pensando em coisinhas e não no alcance elevado da Missa.
O minguamento do luto e a falta de seriedade

Alguns exemplos. Antes da Primeira Guerra Mundial as viúvas usavam vestidos de luto com um véu preto meio transparente, muitos crepes chegavam até os joelhos.
Nas igrejas, os catafalcos eram altos, mas hoje é um mero pano preto jogado no chão. Nas solenidades da Missa de 7º dia, o padre incensava o catafalco e cantava o Requiem aeternan dona eis, Domine (Repouso eterno concedei-lhe, Senhor), lembrando que a alma do falecido poderia estar penando no purgatório; depois cantava Et lux perpetua luceat eis (E que a luz perpétua o ilumine); terminando com Requiescat in pace (que descanse em paz). Mais tarde, o que não era muito canônico, tocava-se uma marcha fúnebre, muitas vezes a de Chopin.
Tudo isso foi desaparecendo. Hoje quase ninguém usa luto. Leva-se o cadáver para a morgue do cemitério, ou para o crematório. Antigamente era um ponto de honra ter o cadáver velado em casa até a última despedida. À hora de fechar o caixão todos da família osculavam o morto, a viúva vinha soluçando, amparada pelos da família; se era um viúvo, ele vinha de modo solene, lágrimas caindo dos olhos.
Essa solenidade não existe mais. Atualmente embarca-se o cadáver numa espécie de caminhonete e o leva para o cemitério, onde tem coca-cola à venda etc. Por quê? Porque os fatos perderam o seu significado.
Diante da circunstância de que esses fatos perderam seu significado, há coisas que devemos considerar. É que para nós os fatos continuam a ter significado e devemos tomar muito cuidado ao participar dos fatos, como de um funeral, de maneira que se entenda que eles têm significado.
A nossa presença pública deve dar a entender sempre que estamos impregnados de uma fé muito forte e das virtudes cardeais [prudência, justiça, fortaleza e temperança]. Quando uma pessoa trata com um membro da TFP, deve ter essa sensação, de que ele pensa seriamente na vida post-mortem, tudo segundo as normas do bom senso e da razão. Ele deve ser firme, mas agradável no trato com os outros, que devem penar: deve ser ruim brigar com ele, pois tem não apenas força, mas também jeito, senso diplomático.
Ilustração da pompa da Santa Igreja Católica
Vamos passar à reportagem da revista Illustration a respeito da morte, em 1903, do Papa Leão XIII. No comecinho do século XX, quando restavam ainda alguns anos do período de Belle Époque.
As cenas que ilustram a revista francesa preludiam a fotografia. Como esta arte não estava inteiramente desenvolvida, as grandes revistas contratavam desenhistas que, sem estarem presentes nas cenas, conheciam o cenário ou o noticiário dos jornais a respeito. Assim, eles, em desenhos, recompunham as cenas.
As ilustrações produzidas pelos bons desenhistas são verdadeiras peças de sociologia. Eles compunham a cena de maneira a fazer vender a revista. Para isso, tinham que fazer com que o desenho fosse o mais próximo possível daquilo que o leitor imaginava, pois, do contrário, o desenho poderia ser recusado, a revista ou o jornal não seriam comprados.
Era um verdadeiro inquérito silencioso junto à opinião pública quando o desenhista procurava captar a cena como ela era imaginada e acrescentava mais alguma coisa que o indivíduo não tinha imaginado, mas na linha do que ele tinha imaginado.
A coroação de um Papa, sua morte, a visita de um rei a outro rei, a posse de um presidente, eram cenas imaginadas pelo grande público e o desenhista compunha a cena segundo tal público. Assim, a representação era autêntica. Sendo então um verdadeiro inquérito de qual era a mentalidade do público e da realidade como se transcorreu.
Assim sendo, as ilustrações da morte do Papa revelavam como o público considerava a morte e, no caso, como considerava um Papa que morreu.
Os mais jovens assistiram à morte de Papas mais recentes. E convido-os a fazerem comparações para se ver como o ambiente mudou em relação ao tempo de Leão XIII, quando era saliente a pompa da civilização cristã e, ainda muito mais, a pompa da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
A majestade que paira no ambiente com a morte de um Papa
Quando foi constatada a morte de Leão XIII, estavam presentes alguns personagens — médicos, bem como um monsenhor assistente e o médico pessoal do Papa, que então era conhecido como “arquiatra pontifício”; arquiatra é uma palavra grega que quer dizer o arqui-médico, o médico por excelência do Papa. Ele tira o pulso do Pontífice a fim de constatar se ele estava morto [foto].

Analisando-se os personagens em torno do Papa, a ideia da morte surge como vivida pelo desenhista. Notamos um cobertor sobre um colchão razoavelmente suficiente, um tecido de categoria muito fina que chega até os joelhos do Papa e parte de uma poltrona confortável. No fundo da parede, um tecido damasquinado e parte de uma cortina. Tudo fala de abundância sem ser exagerada. Dentro da abundância, o fracasso: pela posição da cabeça do Papa percebe-se que ele não respira mais, fica-se com impressão de um navio que afundou.
O lívido da morte causa uma dupla impressão: a insensibilidade da morte e a dor do último instante. Os braços e o corpo do Vigário de Cristo na Terra estão completamente largados, sobre ele — como ocorre com todos os homens — desfechou-se o castigo efeito do pecado original: a morte.
Ele morreu e Deus acaba de exercer um ato de sua terrível e divina justiça. Deus é vida, mas a morte é imagem da cólera d’Aquele que é vida e sua presença augusta é a fonte desse castigo que, pairando no ambiente, causa temor.
Um médico segura o pulso do Papa. Então, de acordo com as leis do tempo, precisa declarar encerrada a sua missão. O corpo tem que ser embalsamado, colocado num caixão, segue-se o velório e o sepultamento. O médico se mostra frio na sua posição científica e profissional, mas algo no modo de ser dele é solene e sério. Ele se prepara para dizer palavras que encerram um capítulo de história da Igreja: O Papa Leão XIII morreu!
Os outros dois médicos têm atitudes diversas: um mais moço, de bigode preto, está numa atitude ereta, olhando longe, pensando em coisas graves, evidentemente pensa na morte e procura marcar presença de modo imponderável. Este é o bom gosto em todas as atitudes: o imponderável de uma certa tristeza pelo grave da cena, e quiçá, pela relação dele com o Papa.
O outro, de cabelos brancos, está encostado à cama. Usa um par de pince-nez — uns óculos antigos para leitura ou ver melhor alguma coisa. Ele está ao mesmo tempo pensativo e ligeiramente entristecido, como quem diz: “Que grande coisa é uma vida que cessa, um pontificado que cessa! O que é a morte! Seja um ateu ou não, a palavra Deus lhe vem ao espírito e fica pensativo.
O Monsenhor, certamente com traje de cor violeta; uma bonita batina com muitos botões revestidos e com uma capa de bela seda — uma capa nobre que parece ocultar o esplendor da batina mais própria aos dias de festa. É um homem mais ou menos da idade do personagem de bigode preto. Ele vai se retirando dos aposentos como alguém que estava assistindo o Papa e cuja função cessou. Vai levando numa salva de prata um copo presumivelmente de cristal; começando a dar uma pequena ordenação no quarto do Pontífice, para que se possam iniciar as cerimônias fúnebres.
Parece que o Monsenhor, percebendo que o médico iria emitir a palavra decisiva, parou para ouvi-lo confirmar que realmente não havia mais esperança de vida.

O anúncio solene da morte de um Pontífice

Nessa ilustração há muito pensamento do desenhista de uma importante revista. Ele como que desenhou a ideia de que a vida é efêmera e a morte é episódio frequente. Uma grande cena diante da qual se para, reflete-se nas grandes ocasiões.
Em última análise, ele desenha a como que a onipotência pontifícia, o supremo poder do Papa. Leão XIII era tido como um gênio, mas o fulgor da genialidade em certo momento se apaga, ele não é mais nada, é um cadáver. Em pouco tempo o corpo médico sairá dos aposentos e comunicará aos cardeais que esperavam o desfecho, o fim do Pontificado de Leão XIII.
Constatada a morte pela ciência, era o momento de a Igreja, seguindo as normas do Ordo Exsequiarum Romani Pontifici (“Ordo dos Sepultamentos Pontifícios Romanos”), constatar a morte do seu Chefe na Terra. Naquela época, o Cardeal camerlengo — aquele que substitui interinamente o Papa falecido até a eleição do sucessor — com um martelinho de prata se acercava da cama juntamente com os outros cardeais presentes e discretamente batia três vezes sobre a fronte do Pontífice e perguntava: Santíssimo Padre, vives? E repetia a pergunta por mais duas vezes. Diante da ausência da resposta, o camerlengo comunicava oficialmente que o Papa havia morrido — no caso, que Leão XIII morreu.
Então o camerlengo quebra o Anel do Pescador (que o Papa usa para lembrar o primeiro Papa, São Pedro, incumbido por Jesus para ser “pescador de almas”. Também destrói o selo papal (o lacre usado para selar os documentos papais); ordena os cerimoniais para o sepultamento e os nove dias de luto — os chamados “Novelandi”.
A notícia era imediatamente levada aos sineiros da Basílica de São Pedro, que já estavam a postos. Eles começavam a dobrar os toques de finados. Em poucos minutos, os sinos das mais de 800 igrejas de Roma começavam também a dobrar a finados.
O povo ouvia os sinos e nas ruas se reunia e começava a rezar pelo Pontífice; depois entrava em casa e pegava crepes, tecidos de luto para pôr nas roupas, e começava a encher a Basílica e a Praça de São Pedro e as igrejas romanas. Os funerais do Papa estavam iniciando.
Os cardeais começam a fazer orações oficiais pela alma do Papa morto, que vão se desdobrando pelo mundo inteiro; em todas as igrejas se rezarão missas e dobrarão sinos. Essas orações continuam até o sepultamento do Pontífice falecido.
Eram bonitos os costumes daqueles tempos; não têm nada a ver com hollywoodização de hoje. Quando a pessoa recebe a notícia da morte do Papa, não dá importância e pensa no programa que terá à noite, no cinema, na sessão de teatro, na praia do final de semana. Com a entrada dos modos Hollywood, esses aspectos belos e solenes que vemos nestas ilustrações foram sendo eliminados; neles Deus se manifestava mais presente.

Em cortejo solene, o Santíssimo é trasladado aos aposentos pontifícios
Esta outra ilustração é anterior à morte do Papa [foto acima]. Nela vemos que o Santíssimo Sacramento é levado para o Papa moribundo. Numa das galerias do Vaticano passa um cortejo, o sacerdote com a veste litúrgica própria para portar o Santíssimo sob uma umbrela — uma espécie de guarda-sol que antigamente se usava em todas as igrejas, por exemplo, quando havia bênção do Santíssimo Sacramento, para transladá-Lo da capela do Santíssimo até o altar-mor.
O sacerdote que conduz o Santíssimo até aos aposentos Pontifícios vai com o rosto próximo do Santíssimo e rezando; recolhido, ele não olha para os lados, pois está conduzindo Nosso Senhor Jesus Cristo verdadeiramente presente sob as espécies eucarísticas, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade! Por isso, um outro sacerdote segue o cortejo tocando um sino de mão.
Notamos alguns guardas de honra: os Guardas Suíços, com suas alabardas, com os trajes bem característicos que ainda hoje são usados. Um Guarda Nobre Pontifício — uma guarda composta por membros de famílias nobres da Itália — segue no cortejo levando seu bonito elmo na mão, descoberto porque o Santíssimo está presente.
No primeiro plano, à direita, dois frades franciscanos, com suas cabeças tonsuradas e hábitos bem característicos, inclinados rezam. É muito bonito o contraste entre o esplendor do local e a simplicidade dos trajes franciscanos, a humildade com que eles genuflectem, o espírito de prece que é expresso pelas mãos, pela atitude, a solenidade, o recolhimento perante o Santíssimo Sacramento. Esse contraste entre a riqueza e a pobreza, entre nobre altaneria da Fé e a suma humildade da Fé constitui uma harmonia especial.
Os demais presentes, atrás no cortejo, são lacaios, camareiros e senhores da Corte Pontifícia. Todos compenetrados na presença divina e de que, do alto do Céu, Nossa Senhora e todos os Anjos e Santos estão adorando Jesus sendo levado ao Papa que está morrendo; vai haver o último colóquio entre o Vigário de Cristo e Cristo Nosso Senhor!
Tudo muito bem representado pelo desenhista, até mesmo o piso muito lustroso, a tal ponto que se diria que os presentes estão andando sobre água. É o mármore super polido da Basílica de São Pedro, de uma qualidade esplêndida, tão frequente na Itália.
Uma cena verdadeiramente magnífica, sem comparação com as coisas como se passam hoje!

O venerável da Praça de São Pedro e o pulchrum eterno da Igreja
Vamos passar a outra ilustração, que apresenta a Basílica de São Pedro numa noite de luar [foto acima]. Ela se ergue na sua majestade, jatos de água correm das fontes, o obelisco se levanta tendo ao alto uma cruz e na base dele gravado o lema dos monges Cartuxos: Stat crux dum volvitur orbis (“A Cruz permanece estável, enquanto o mundo gira ao seu redor”), pois ela é o eixo do mundo!
Frente à Basílica, a Praça de São Pedro começa a encher-se de gente que vai e vem de um lado para outro. São pessoas à espera de notícias sobre a saúde do Papa, rezam por sua melhora ou estão à espera da notícia do desenlace final, que todo o mundo está temendo para qualquer momento. Elas têm personalidades diferentes, formam rodinhas comentando a situação do Vigário de Cristo, falam baixo em sinal do respeito que o momento exige.
Dos dois lados, vemos as colunatas de Bernini e, atrás delas, o Palácio Vaticano. É por detrás de uma de suas janelas que o desenlace está se desenrolando. Seriam os últimos momentos de um pontificado, de uma vida e de um capítulo da História? Todos estão se perguntando e confabulam a respeito.
Entre o povo, vemos várias batinas. Padres, como eram naquela época, compenetrados da missão sacerdotal. Um deles é um homem alto, corpulento, sério, com um grande chapéu, barba branca, que ajuda a notar a venerabilidade na sua longa vida, acompanhada de uma espécie de maturidade que se prolonga; alma provecta de antiguidade e o corpo decidido e forte. O sacerdote se retira imerso em seus pensamentos.
Esse desenho faz-nos compreender melhor, mais do que muitas fotografias, o que há de venerável na Praça de São Pedro. Compreendemos o pulchrum eterno da Igreja Católica, que o progressismo atual procura velar o quanto pode.

“Assim passa a glória do mundo”
Nesta cena [foto acima], o desenhista retrata que o Papa morreu. Mesmo colocado numa posição um pouco mais ereta, a cabeça está caída para trás, dá a impressão do fracasso, da morte, do castigo — Ex inanitio, sua alma saiu, só o corpo ficou…
Junto ao cadáver de Leão XIII estão cardeais que começam a se despedir. Um deles oscula a mão do Papa, outro — talvez seja o cardeal que, com o nome de Bento XV, sucedeu a São Pio X, Papa que foi o sucessor de Leão XIII.
Mais atrás, um cardeal mais velho fita o infinito. Outro olha o Pontífice morto com uma espécie de ansiedade, como quem diz: “É mesmo, então meu velho companheiro de episcopado, meu velho companheiro de colégio cardinalício, meu Papa durante tantos anos, tu te vais, é assim a morte? Ela não está longe de mim. Ó morte! Fito-a em ti o meu dia de amanhã. Fito em ti o umbral da eternidade, o passado que fica e o futuro que vem. Ó morte! Ó Deus!”
Outro cardeal sentou-se numa poltrona, ele está literalmente affaissé, desmoronado, muito pensativo. No quê ele pensa? — Talvez nas palavras clássicas: Sicut transit glória mundi (Assim passa a glória do mundo), como que dizendo “Tudo se foi, todo o passado se encerrou, todos os anseios, todas as realizações, todas as aflições, todas as decepções, tudo está encerrado, nada permanece, nada dura, tudo é efêmero, ó amargura, ó Deus, que afinal sereis a consolação dos justos”.
Certo desalinho intencional de seus cabelos como que indica o sismógrafo de sua aflição. Ele está em atitude própria a um homem da Belle Époque quando meditando sozinho em seu quarto, largado, à vontade, pensando.
Nas atitudes dignas desses cardeais e até no cadáver de Leão XIII, digno na sua posição de morto, notamos a compostura, tudo na linha da pompa que havia na Belle Époque. Nada comparável às atitudes do clero progressista de nossos tempos!


Insisto que estas ilustrações têm mais expressão do que fotografias e dão a essência da realidade, sem o clic-clic das máquinas fotográficas. Mas, na loucura do mundo atual, não há jornal que apresente desenhos desse gênero; o público parece preferir a fotografia que pega o fato, quente e instantâneo.
Com essas ilustrações, externando a compostura dos personagens, nós temos uma viva noção de como era a Igreja Católica, de como era considerada a morte, a vida e a eternidade; temos a noção de como é Deus. A Igreja sempre em sua essência foi assim, mas a crise e o infortúnio que se abateram sobre Ela causaram desfigurações.
Entretanto, devemos ter uma respeitosa pena, olhar a Igreja nos dias de hoje como os filhos de Noé viram o pai ébrio; eles não perderam o respeito.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 887, novembro/2024