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9 min — há 2 anos — Atualizado em: 12/7/2022, 4:49:19 PM
Na Festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira principal do Brasil, o Prof. Plinio faz uma aproximação com a Festa da Imaculada Conceição. A Devoção de Escravos de Amor, pregada por São Luiz Grignion de Montfort.
(…)
O fato de esta imagem ter aparecido no século XVIII, quando o Brasil ainda era Colônia, tem um significado muito grande para nós: durante séculos, desde o início da Igreja até o pontificado de Pio IX, foi discutido entre os teólogos se se poderia afirmar, como dogma de fé, que Nossa Senhora fora concebida sem pecado original.
Havia muitos teólogos que achavam e sustentavam que isto se deduzia da Escritura e, sobretudo, se deduzia da Tradição da Igreja. Havia, entretanto, teólogos que achavam o contrário, que Nossa Senhora não fora isenta do pecado original, Ela tinha sido, portanto, concebida no pecado original.
Na Igreja, os espíritos mais mariais, os espíritos mais tocados pela devoção a Nossa Senhora, sempre sustentaram que Ela não tinha sido concebida no pecado original. Ao longo dos séculos foi se consolidando a corrente a favor da Imaculada Conceição — objeto de muitas disputas internas na Igreja — a tal ponto que cento e cinqüenta ou duzentos anos antes de Pio IX e da definição do dogma, já a questão estava tão clareada, que todo o mundo que era de bom espírito sustentava a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Enquanto todo o mundo que sustentava que Ela tinha sido concebida no pecado original era gente, em geral, de mau espírito e que não era santa.
Quer dizer, tinham se diferenciado completamente os dois filões dentro da Igreja, e ser a favor da Imaculada Conceição era como que ser ultramontano (2) em nossos dias.
Ser favorável à Imaculada Conceição era um sinal, um distintivo de ultramontanismo daquele tempo, e o Brasil foi colocado sob o patrocínio desta devoção, então ultramontana, exatamente a partir daquele tempo. Isto indica certa vocação ultramontana do Brasil, que nós não podemos deixar de notar, e de notar com reconhecimento a propósito desta festa.
* A devoção a Nossa Senhora como escravo de amor e sua difusão no Brasil. Vida de Frei Galvão
Uma coisa curiosa que eu soube outro dia é que também no Brasil a devoção a Nossa Senhora a título de escravo dela, como ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort, entrou aqui muito mais cedo do que supúnhamos.
Quando eu era pequeno, nunca ouvi falar da escravidão a Nossa Senhora. Só ouvi falar desta escravidão mais moço, e muito mais tarde quando comprei o Tratado da Verdadeira Devoção de São Luís, em francês, vindo da França. Depois conheci algumas pessoas que falavam da escravidão a Nossa Senhora porque tinham lido o Tratado, em francês. Eu tive, assim, uma impressão vaga, difusa, de que no Brasil nunca ninguém tinha conhecido a verdadeira devoção a Nossa Senhora e que Ela não tinha tido no Brasil escravos antes do Grupo (3), ou pelo menos, antes da penetração do livro de São Luís Grignion de Montfort no Brasil, que foi um tanto anterior ao Grupo.
Lendo outro dia a vida de Frei Galvão, franciscano morto em odor de santidade (4), — vida, aliás, muito bonita, muito cheia de pormenores interessantes, etc. — e fundador do Convento da Luz onde está sepultado, dei com a fotocópia de um ato em que ele se constituía escravo de Nossa Senhora, em que trechos inteiros desse ato eram tirados do Tratado da Verdadeira Devoção (5).
Vê-se que ele adaptou um tanto a consagração de São Luís Grignion, mas no essencial é inteiramente aquilo. E há partes enormes, há palavras tiradas de São Luís Grignion de Montfort. É uma consagração muito longa, talvez mais longa que a de São Luís Maria Grignion de Montfort, e que enche na caligrafia muito miúda dele, creio que os dois lados de uma página de papel amarelada, que está exposta, aliás, no museu de Arte Sacra, contíguo ao atual Convento da Luz.
Portanto, tive a alegria de saber que Nossa Senhora teve escravos muito anteriormente a nós e que, neste país onde a propensão sobrenatural para a devoção a Nossa Senhora é uma das bênçãos que existem, talvez tenha tido, desde o início, escravos seus vivendo aqui, e preparando o dia em que o Brasil inteiro seria uma grande nação escrava de sua Rainha, Nossa Senhora.
* Diferença entre o dogma da Imaculada Conceição e a virgindade de Nossa Senhora antes, durante e depois do parto
Estas considerações feitas de passagem a respeito da festa de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, nos levam entretanto a aprofundar um pouco mais o dogma da Imaculada Conceição, uma vez que amanhã se comemora uma das festas, da Imaculada Conceição.
Não sei se todos os senhores têm bem a idéia atualmente do que é a Imaculada Conceição. O público confunde a Imaculada Conceição com outro predicado nobilíssimo de Nossa Senhora, mas que é distinto deste. O público confunde a Imaculada Conceição com a virgindade de Nossa Senhora antes, durante e depois do parto. São coisas diferentes: é dogma de Fé que Nossa Senhora foi virgem antes, durante e depois do parto. A Imaculada Conceição é uma coisa diversa, como veremos.
Tendo Adão e Eva pecado, e sendo eles, na presença de Deus, os pais do gênero humano, contendo portanto todo o gênero humano em si, como por exemplo a semente contém a árvore, aconteceu que os efeitos do pecado recaíram sobre sua descendência, e os castigos que Adão e Eva sofreram, pesaram sobre todos os descendentes que tiveram depois do pecado.
É mais ou menos como, quando o pai ou a mãe contraem uma doença muito ruim e o filho herda a doença. Ele pode não ter culpa que tenha [devido] aos pais esta doença, mas o filho acaba nascendo com esta doença. Assim, nós nascemos com os efeitos do pecado original.
(…)
Sr. …: Há uma frase que diz: “Não podia uma Mãe eleita à culpa estar sujeita”, isto é se ela foi eleita não poderia estar sujeita ao pecado original.)
* “Potuit, voluit, ergo fecit”
Foi, no fundo, o argumento do Papa Pio IX a respeito da questão. Ele diz o seguinte: que se Deus podia torná-La isenta do pecado, Ele certamente queria, logo, fez: Potuit, voluit, ergo fecit.
Perfeito! São destas coisas da Teologia… e a Teologia é uma coisa belíssima: condensar em formas cristalinas e de uma concisão que leva o pensamento à última perfeição de si mesmo, tudo isto dito só em três palavras: Potuit, voluit, ergo fecit. Pronto, não se discute mais. Nem grande oratória, nem grande poesia, nem nada. É bonito depois pôr isto em poesia, mas na hora da Teologia é assim: três palavras, três verbos.
Fonte: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_701012_NSra_Aparecida_e_a_Imac_Conceicao.htm
NOTAS:
Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Maio-1970: dois jovens rezam por você, “Folha de S. Paulo”, 26-4-70; E Nossa Senhora sorrirá ao Brasil, “Folha de S. Paulo”, 14-6-70. Cfr. também “Catolicismo”, nº 235, julho de 1970; nº 234, junho de 1970.
(2) O movimento ultramontano do séc. XIX, aqui referido pelo Autor, defendia firmemente as posições do Papado contra a corrente liberal, a qual procurava não só inovar em matéria de liberdade religiosa como também se insurgia contra as orientações tradicionais da Igreja Católica. O termo Ultramontano tem ainda um significado mais amplo. Para explicá-lo, apresentamos a seguir excertos mais importantes do verbete ultramontanismo, que figura na Enciclopedia Cattolica, Tomo XII, col.724, Cidade do Vaticano, 1954:
“Palavra de significado genérico e impreciso, criada e usada além dos Alpes (França, Alemanha, Inglaterra, Países Baixos) para designar, mais do que uma verdadeira corrente de pensamento, a adesão às orientações e à posição da Igreja Romana em suas relações teológicas e jurisdicionais, ou ainda em seus interesses políticos.
“Eram, portanto, denominados ultramontanos nos mencionados países, os escritores, homens políticos, personagens eclesiásticos católicos que seguiam tal linha de conduta e naturalmente todos os italianos fiéis aos ensinamentos da Santa Sé.
“Começou-se a chamar ultramontanos os leigos ou religiosos que sustentavam na Alemanha o partido do Papa Gregório VII durante a luta pelas investiduras [séc. XI]. No século XVIII, foram chamados com a mesma denominação, na França, pelos jansenistas e regalistas, os juristas e os teólogos que combateram suas doutrinas…. A palavra continuou a ser usada durante o século XIX por todos os liberais e acatólicos que no campo religioso seguiram teorias novas e mantiveram um relacionamento prático vexatório em seus contactos com o catolicismo”.
(3) O Prof. Plinio refere-se à “Escravidão de Amor a Nossa Senhora”, cf. doutrina e método de São Luis Maria Grignion de Montfort. Mais detalhes sobre o conceito podem ser lidos no artigo Obedecer para ser livre, publicado na “Folha de São Paulo” em 20 de setembro de 1980, ou ainda na coletânea de escritos do Prof. Plinio sobre São Luis Grignion na seção “Especial” deste site.
Sobre a questão da “escravidão”, no “Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora”, quando São Luis Maria Grignion de Montfort trata da “escravidão de amor a Nossa Senhora”, usa como analogia a situação do escravo diante de seu senhor. Uma nota de pé de página da referida obra explica a expressão, e cremos que tem todo cabimento aqui transcrevê-la, para esclarecer o sentido em que o Prof. Plinio usa o termo:
“A lei natural, a lei mosaica e as leis modernas não reconhecem tal direito, a não ser por um mandato especial do soberano Senhor da vida e da morte. O bem-aventurado se coloca aqui simplesmente do ponto de vista do fato, conforme as leis civis dos países em que vigorava a escravidão (Cf. Secret de Marie, p. 34). Abstraindo da moralidade do ato, seu fito é mostrar, por um exemplo, a total dependência de que fala” ( Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem por São Luis Maria Grignion de Montfort; Capítulo II; Artigo II:”Pertencemos a Jesus Cristo e a Maria na qualidade de escravos”. Editora VOZES Ltda – Petrópolis – RJ; VI edição, pág. 76 ).
(4) Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, OFM, mais conhecido como Frei Galvão (Guaratinguetá, 1739 — São Paulo, 23 de dezembro de 1822), primeiro santo nascido no Brasil. Foi canonizado pelo Papa Bento XVI durante sua visita ao Brasil (São Paulo) em 11 de maio de 2007.
(5) Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, por São Luís Maria Grignion de Montfort; 19ª edição – Editora Vozes – Petrópolis, 1992.
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