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Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Revolução Francesa – 230 anos depois

Por Renato Murta de Vasconcelos

12 minhá 5 anos


Tomada do Palácio das Tulherias – Jean Duplessis-Bertaux (1818). Palácio de Versailles.

O ódio a todas as desigualdades levou uma minoria revolucionária ao terror sanguinário da Revolução Francesa. O mesmo processo revolucionário prossegue hoje em todo o mundo, e o conhecimento dessa revolução paradigmática nos ajuda a combatê-lo com eficácia.

Depois da revolução protestante (1517), uma segunda grande explosão do processo revolucionário,1preparada com longa antecedência, desencadeou a partir de 1789 na França uma série de transformações políticas, sociais e religiosas que inauguraram a era contemporânea. No conjunto das suas vertentes moderadas e radicais, difundiu ideias republicanas pelo mundo inteiro, derrubou monarquias milenares na Europa e abriu o caminho para a Revolução Comunista de 1917.

Os elementos mais radicais da Revolução Francesa estavam concentrados na facção jacobina. Segundo a utopia que os guiava, havia sobre os franceses dois jugos insuportáveis: o da superstição, representada pela Religião Católica; e o da tirania, constituída pelo governo monárquico. Com fervor “humanitário”, levantaram-se os “amigos do povo” para dissipar as trevas da “superstição” eclesiástica e quebrar os grilhões da “tirania” real. A intenção aparente seria, no final do processo, devolver o poder ao povo, tornando-o seu único detentor. Se algum ingênuo imagina que era essa a intenção, o mínimo que esse mesmo ingênuo pode constatar é que o objetivo real era a evidente tirania que se implantou em todo o mundo.

A Revolução Francesa, túmida do espírito igualitário que não admite qualquer forma de desigualdade, e encharcada de sensualidade que recusa qualquer freio às paixões, se levantou contra o Ancien Régime (Antigo Regime), uma ordem social hierárquica e austera em muitos de seus aspectos. Deixando atrás de si uma montanha de ruínas e um mar de sangue,2 os revolucionários moderados e radicais derrubaram instituições e costumes milenares, que haviam feito da antiga França o país de todas as perfeições, objeto da admiração do mundo inteiro.

Gravura ao lado: Catedral de Estrasburgo convertida em “Templo da razão” durante a Revolução Francesa (Revolutions-Almanach de 1795. Göttingen 1794, p. 327).

Minoria revolucionária impôs a ideologia anticristã

No Ancien Régime brilhavam ainda, e com muito fulgor, os melhores traços da cultura e do espírito francês: um esplendor na vida social, que bem se exprimia pela tríplice locução verbal “savoir dire, savoir plaire, savoir faire” (saber dizer, saber agradar, saber fazer). Bem vivos e dinâmicos eram também os princípios básicos da civilização cristã — a tradição, a família e a propriedade — dando consistência e elevação ao corpo social. Mas a inveja revolucionária via nessa consistência e nessa elevação uma forma de exploração das classes modestas. Para libertá-las, a solução seria derrubar o altar e o trono: Ni Dieu, ni maître (Nem Deus, nem senhor), segundo a formulação que servirá de base às agitações de maio de 1968 da Sorbonne.

A democracia instaurada na sequência da Revolução Francesa — o governo do povo pelo povo — contaminou praticamente todas as nações. Mas o resultado evidente é que as transformou em tremendas tiranias das minorias (auto-qualificadas como esclarecidas, avançadas, progressistas) sobre a maioria (pejorativamente rotulada de obtusa, retrógrada, conservadora). E não precisamos ir longe para colecionar exemplos. Já foi assim na própria fonte dessa revolução, que Augustin Cochin3descreve como um movimento realizado por cerca de 200 mil agentes para mudar radicalmente o modo de vida de 25 milhões de franceses. Os revolucionários constituíam 0,8% da população francesa, mas impuseram sua ideologia anticristã à imensa maioria de seus compatriotas.

Inauguração dos Estados Gerais – Auguste Couder  (1789–1873). Musée national du château et des Trianons, Versailles.
Inauguração dos Estados Gerais – Auguste Couder (1789–1873). Musée national du château et des Trianons, Versailles.

O rei reina, mas não governa

Após décadas de preparação tendencial e ideológica, a Revolução Francesa entrou em 1789 na sua fase mais conhecida: a dos fatos. Vários fatores — um deles, a participação na guerra de independência dos Estados Unidos — haviam contribuído para que o Estado francês se encontrasse deficitário. A Assembleia dos Notáveis do Reino, convocada em 1787, mostrara-se incapaz de oferecer uma proposta adequada para solucionar a crise financeira. O rei Luís XVI convocou então os Estados Gerais, compostos de representantes do clero, da nobreza e do povo. A última vez em que estiveram reunidos fora em 1622, no reinado de Luís XIII. Tinham caráter meramente consultivo, e o Rei nutria a esperança de receber sugestões idôneas que concorressem para sanear a bancarrota do Estado.

Inaugurados nos primeiros dias de maio de 1789, os Estados Gerais adjudicaram para si um poder que não possuíam, transformando-se logo num corpo único: a Assembleia Nacional; e semanas depois, em Assembleia Nacional Constituinte, numa clara usurpação do poder real. Luís XVI não tinha a personalidade de Luís XIV nem a energia de seu avô Luís XV, e chancelou a redação de uma Constituição para o Reino, ao invés de dissolver a Assembleia. Ficava posto de lado o objetivo primordial da convocação dos Estados Gerais, e caminhava-se para uma mudança na forma da monarquia francesa: de absoluta para constitucional, onde “o rei reina, mas não governa”. Era um primeiro passo rumo à República.

Queda da Bastilha e prisão do governador M. de Launay, 14 de Julho de 1789 – Anônimo. Museu de História da França, Versailles.
Queda da Bastilha e prisão do governador M. de Launay, 14 de Julho de 1789 – Anônimo. Museu de História da França, Versailles.

Tomada da Bastilha, um marco do horror

Começaram então em Paris os distúrbios e agitações promovidos por hordas de arruaceiros.4 Em 14 de julho, há exatos 230 anos, ocorreu a tomada da Bastilha, transformada em símbolo da antiga ordem que devia desaparecer. Nas semanas subsequentes, hordas de bandidos percorreram o interior da França, incendiaram castelos, espalharam medo e terror por toda a parte.

No dia 5 de outubro, uma turbamulta composta em sua maioria por mulheres saiu de Paris rumo a Versailles, aonde chegou ao cair da noite, enlameada, feroz, armada. Na madrugada seguinte, uma porta aberta na grade do castelo lhes deu acesso a Versailles. Guardas foram barbaramente assassinados, e a própria Rainha por pouco não foi executada. Num cortejo macabro, cabeças de soldados foram espetadas em lanças, e a família real foi arrastada para Paris e alojada no Palácio das Tulherias.

Beneficiados pela efervescência geral, os deputados mais radicais tomaram a direção na Assembleia. Primeiramente os monarquistas tradicionais foram suplantados pelos monarquistas constitucionais; estes, por sua vez, foram superados pelos republicanos moderados quando da promulgação da Constituição. Pari passu foi mudando a fisionomia da estrutura social: os privilégios do clero e da nobreza foram supressos; os bens da Igreja foram nacionalizados; uma Constituição Civil, cismática e herética, foi imposta ao clero.

Gravura ao lado: Chamada das últimas vítimas do terror na prisão Saint Lazare – Charles L. Müller (1815–1892). Museu da Revolução Francesa, Vizille (França).

Clima de terror e radicalização rumo à esquerda

A Assembleia Legislativa sucedeu à Constituinte em 1791. Nela os republicanos radicais — os girondinos, assim chamados porque provinham em sua maioria da região da Gironda, cuja cidade principal era Bordeaux — passaram a dar o tom e exigir a supressão da monarquia.

O ataque ao Palácio das Tulherias no dia 20 de junho de 1792 preparou o grande assalto de 10 de agosto. Por ordem do Rei, desejoso de evitar derramamento de sangue, os guardas suíços não reagiram ao ataque de milhares de bandidos, e foram massacrados juntamente com centenas de nobres fiéis.

Indefesa, a família real refugiou-se durante três dias no recinto da Assembleia, de onde foi levada para o Palácio do Templo, pertencente ao Conde de Artois. Luís XVI, Maria Antonieta, os dois filhos — o Delfim (sete anos)5 e Mme. Royale (14 anos)6 — e Mme. Elisabeth (sobre a qual tratamos na nossa edição anterior) não foram encarcerados no palácio, como esperavam, mas de início na pequena torre, depois na grande torre adjunta ao palácio.

Nos dias 2 e 3 de setembro, magotes de jacobinos, com a complacência de Danton, ministro da Justiça, atacaram as prisões e massacraram centenas de nobres encarcerados desde o dia 10 de agosto. A matança voltou-se também contra membros do clero. Só no Convento do Carmo foram mortos dois bispos e mais de 100 sacerdotes. A Princesa de Lamballe, grande amiga de Maria Antonieta, foi assassinada a golpes de sabres e lanças. Despedaçada cruelmente, seu coração foi arrancado do peito e comido, ainda palpitante, por um dos assassinos. Depois espetaram sua cabeça na ponta de um chuço e a levaram, em meio a um berreiro e a uma farândola infernal, até à janela da prisão do Templo, para que fosse vista pela Rainha.

O clima de terror dominava Paris, e justamente no dia da eleição para a Convenção Nacional um elemento psicológico tremendo favoreceu a entrada de grande número de jacobinos radicais na nova câmara. A Convenção Nacional, sucessora da Assembleia Legislativa, abriu suas sessões no dia 21 de setembro, aboliu a monarquia e proclamou a república. Foi dirigida nos primeiros meses pelos girondinos, que assumiram seus assentos à direita (na Legislativa, estavam no lado esquerdo). Em meados do ano seguinte, os jacobinos derrubaram e eliminaram a facção girondina, aboletaram-se no poder e inauguraram o assim chamado período do terror. Era o processo de radicalização rumo à esquerda, por meio do qual os radicais de ontem se tornaram os moderados.

Gravura ao lado: O populacho aprisiona o rei nas Tulherias em 20 de junho de 1792

Condenação da família real em julgamento ilegal

Deposto o Rei, o que fazer dele? A ala radical jacobina não pretendia enviá-lo ao exílio, mas sim matá-lo com a cumplicidade do centrão formado pelos girondinos. Já no dia 11 de dezembro, a Convenção dispôs que Luís XVI fosse separado de sua família. O desfecho do processo — um verdadeiro escárnio da justiça — é por demais conhecido. Na madrugada de 18 de janeiro, 361 dos 720 deputados (a metade mais 1) votaram pela condenação à morte, sem apelo nem sursis. Detalhe horripilante dessa tragédia: o voto decisivo pela morte do Rei foi do Duque de Orleans, seu primo. Bastava ele omitir-se, e o Rei estaria salvo.7 Dois dias depois, ao rufar ensurdecedor dos tambores, a cabeça do Rei rolou no cadafalso, cercado por 15 mil soldados.

O populacho aprisiona o rei nas Tulherias em 20 de junho de 1792
O populacho aprisiona o rei nas Tulherias em 20 de junho de 1792

Na prisão do Templo permaneceram juntos, durante alguns meses, Maria Antonieta, seus dois filhos e Mme. Elisabeth. Em fins de setembro, levaram Maria Antonieta para a prisão da Conciergerie, que era por assim dizer a antecâmara da guilhotina. Após um julgamento infame e infamante,8 Maria Antonieta foi condenada à morte e guilhotinada no dia 16 de outubro de 1793.

Confinados na torre do Templo, restavam ainda o jovem rei Luís XVII, sua irmã Mme. Royale e Mme. Elisabeth. Em meio a todas as incertezas, esta foi para os filhos do Rei uma segunda mãe, executada em 10 de maio do ano seguinte. Dia por dia, contavam-se vinte anos da morte de seu avô Luís XV.

O martírio de Luís XVI, Maria Antonieta e Mme. Elisabeth era uma verdadeira “queima dos navios” para tornar a Revolução Francesa irreversível, mas atraiu sobre a cabeça de seus responsáveis imediatos o castigo divino: a máquina revolucionária começou a devorar seus filhos. Mal decorreram três semanas da execução de Maria Antonieta, subiu ao cadafalso no dia 6 de novembro de 1793 o regicida Filipe Égalité; em fins de marco de 1794 foi a vez de Hébert, panfletista obsceno e porta-voz dos sans-culottes. Danton seguiu-lhe os passos no dia 5 de abril. E três meses depois, em 10 de Thermidor (28 de julho), perderam a cabeça na guilhotina Robespierre, Saint-Just, Dumas e mais uma vintena de seguidores.

A queda de Robespierre sinalizou o término do regime do Terror, pois a opinião pública francesa estava cansada de tantos excessos. Era um retrocesso necessário para a revolução progredir. Outras fases se sucederam: Diretório, Consulado, Império. A obra revolucionária prosseguiu inexoravelmente sob outras formas, e continua avançando. Mas esta já é matéria para outro artigo.

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Notas:

  1. Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 1982, pp. 19-20.
  2. Joseph de Maistre, em seu livro Considérations sur la France, J. B. Pelagaud, Lyon, 1880, calcula que a Revolução Francesa ceifou quatro milhões de vidas humanas, incluindo nesta cifra as vítimas das guerras napoleônicas, que exportaram para toda a Europa os princípios revolucionários de 1789. Só na campanha da Rússia morreram quase um milhão de soldados da Grande Armée.
  3. Augustin Cochin, Les sociétés de pensée et la Démocratie: Études d´Histoire Révolutionnaire, Plon-Nourrit et Cie., 1921.
  4. Esses arruaceiros, segundo Goncourt, eram cerca de seis mil indivíduos da pior espécie, não apenas de Paris, mas provenientes do interior da França e do estrangeiro. Haverá entre eles holandeses, prussianos, espanhóis e até americanos.
  5. Louis-Charles de France (1785-1795) foi o segundo Delfim. Morreu prisioneiro na Torre do Templo, em condições deploráveis. O primeiro, Louis-Joseph, morreu em junho de 1789.
  6. Mme. Royale, assim era chamada Marie Thérèse Charlotte de Bourbon (1778-1851), filha primogênita de Luís XVI e Maria Antonieta. Sobreviveu à prisão do Templo, casou-se com seu primo o Duque d´Angoulême e não teve descendência.
  7. Robespierre murmurou espantado, ao ouvir o voto do regicida: “Que infeliz! Era o único que poderia abster-se, e não ousou fazê-lo!” (G. Lenotre, Les grandes heures de la Révolution Française, Perrin, Paris, 1962, p. 278).
  8. Infame sob todos os pontos de vista: da ilegalidade do processo, da competência de seus juízes, da inexistência de razões e provas suficientes para a condenação. Acusaram-na, à falta de melhor, de haver pervertido sexualmente seu filho, o Delfim, criança de tenra idade.
  9. FONTE: Revista Catolicismo, Nº 822, Junho/2019.

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Renato Murta de Vasconcelos

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