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Plinio Corrêa de Oliveira

Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Sublimidade da fisionomia moral de Nosso Senhor Jesus Cristo

Por Revista Catolicismo

22 minhá 8 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:47:19 PM


 

Múltiplos e maravilhosos atributos de nosso Divino Salvador

Ocorreu-me fazer uma exposição a respeito de um tema infinito, pois concernente à pessoa adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se tivéssemos a honra e o prazer de vê-Lo face a face, que impressão Ele nos causaria? Seria a impressão que nos causam as imagens que conhecemos d’Ele? Ou algo além disso, que nenhum pincel e nenhuma escultura conseguiram reproduzir?

Uma meditação preliminar poderia ser a respeito dos traços da pessoa de Jesus Cristo — como se deve, sem sentimentalismo, imaginar os traços da pessoa d’Ele, como o rosto, a expressão do olhar, a voz, o porte, a fisionomia e o corpo. Assim, poder-se-ia ter uma ideia mais clara a seu respeito.

As criaturas como meio de nos elevar ao Criador

Cristo Pantocrator, Mosaico que se encontra na Igreja Chora, em Istambul, Turquia

Para fazermos uma meditação de como seria a pessoa adorável de Nosso Senhor, poderemos acompanhar os vários mistérios do Rosário. Isto com um fundamento inteiramente racional, para assim se obter solidez e não ficarmos com uma sensação de ter vislumbrado apenas pequenas cintilações.

São João afirmou: “Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (I Jo 4,20). Está subjacente na frase o princípio de que os homens nos servem como escala para amarmos a Deus. E que, como o homem foi criado à Sua imagem e semelhança, podemos fazer meditações sobre os homens que nos elevam até o amor do Criador.

Com esse método de análise se pode, em linha geral, chegar a compreender algo da personalidade adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo. Depois se poderá conferir isso no Evangelho, para verificar se, de fato, há fundamento. Trata-se de uma meditação de ordem filosófica, mas também histórica, segundo os Evangelhos.

Método para se conhecer o feitio mental de um homem

Para se traçar a fisionomia moral e a psicologia de um homem, podemos, entre outros critérios, considerá-lo em sua capacidade intelectual, no seu valor moral e, por fim, em sua atuação. Assim, conceberemos uma ideia sobre determinado homem. Jesus Cristo não é meramente um homem; Ele é Homem-Deus, mas verdadeiramente e plenamente homem. Ele tem toda a natureza humana com seu corpo e sangue, como também sua alma humana.

Imaginando a fisionomia e considerando a capacidade, podemos dizer o seguinte: a capacidade intelectual de um homem pode ser conhecida em seus matizes, em sua profundidade, em seu valor, em suas características pessoais, quando fazemos não só o exame da pessoa, mas também de sua profissão. Em geral, os homens escolhem uma profissão de acordo com seu feitio mental.

Com efeito, a profissão modela o feitio mental deles. E se realiza, portanto, entre profissional e profissão, uma espécie de conúbio, de conjugação, mediante o qual o homem de grande categoria na sua profissão acaba sendo um tipo característico dela.

Exemplos: um grande diplomata. Ele acaba sendo um diplomata característico, possui todo o necessário pelo qual um diplomata se diferencia de todos os outros. Um grande guerreiro acaba sendo guerreiro característico, que tem em sua personalidade tudo aquilo que o diferencia dos demais. Um grande sacerdote, um grande bispo, um grande Papa, acaba sendo sacerdote, bispo, Papa característico, que se diferencia de todos os outros pares.

Por isso, através da profissão, podemos calcular mais ou menos qual é o feitio mental de um indivíduo.

Variedade de aspectos no modo de ser do Redentor da humanidade

Domingos de Ramos – Duccio di Buoninsegna, séc. XIII. Museu del´Opera del Duomo, Siena (Itália).

Quando analisamos a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, notamos que as circunstâncias dessa vida Lhe permitiriam exercer de modo supereminente todas as profissões lícitas que um homem pudesse exercer. Não há atividade lícita alguma que Ele não pudesse ter exercido.

Jesus Cristo, por exemplo, como Rei, a mais alta atividade na ordem temporal. Ele, de fato, era Príncipe da Casa de Davi. Tinha, portanto, toda a nobreza, toda a superioridade, toda a grandeza do principado. Em sua entrada em Jerusalém no Domingos de Ramos, Ele foi aclamado verdadeiramente como Rei de Jerusalém. O povo bradava dando vivas: “Hosana ao filho de Davi!”. Descendente, portanto, dos antigos reis.

Se bem Ele tenha entrado em Jerusalém montado num burrico, que era a manifestação da sua mansidão, sua majestade não perdeu nada com isto. Pelo contrário, o Evangelho narra que o povo O aclamava com entusiasmo, numa verdadeira consagração. O povo sentia a grandeza régia d’Ele.

Nosso Senhor foi o sacerdote por excelência. Todo o sacerdócio que existiu na Antiga Lei era uma prefigura do sacerdócio d’Ele. De outro lado, todo o sacerdócio que o sucedeu é uma participação do sacerdócio d’Ele. O pontífice por excelência. Aquele que foi pontífice e vítima ao mesmo tempo — porque Ele foi vítima, oferecendo-se a Si próprio em sacrifício — foi o instituidor da Santa Missa. E, portanto, o celebrante e vítima ao mesmo tempo, o que posteriormente foi consumado no altar da Cruz.

Deveríamos imaginar um rei com todas as qualidades arquetípicas de rei, o mais majestoso e o mais nobre dos reis que existissem. Ainda assim teríamos pálida ideia da majestade de Jesus Cristo. Deveríamos imaginar um sacerdote, um pontífice, um papa o mais plenamente papal que pudéssemos conceber. Mesmo assim teríamos pálida ideia de quem foi Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ele foi verdadeiramente batalhador e guerreiro. Sua vida foi de luta. Não só lutou contra os demônios, expulsando-os continuamente, mas combateu também contra o poder das trevas nesta Terra, enfrentando de modo magnífico a conjuração secreta que se tramava contra Ele. Inclusive no momento em que O buscavam para prender, os soldados queriam saber quem era Jesus de Nazaré e Ele respondeu: “Ego sum” (Sou eu). Nesse momento, todos os soldados caíram por terra.

É a afirmação magnífica do guerreiro, que, simplesmente ao enunciar seu nome, derruba todos os adversários. Ele depois se entregou, declarando que se entregava porque assim o desejava. Pois se Ele quisesse, teria muitas legiões de anjos à sua disposição. Elas desceriam imediatamente e liquidariam seus adversários. Para se compor o feitio moral de Nosso Senhor, imagine-se o mais perfeito dos guerreiros de todos os tempos e ter-se-á, assim, uma pálida ideia daquilo que Ele foi.

 Desde as mais altas atividades até a de trabalhador manual

O demônio tenta Nosso Senhor – Duccio di Buoninsegna, séc. XIII. Frick Collection (Nova York).

Enquanto diplomata, o Divino Redentor, durante Sua vida terrena, foi perfeito. Ele tratou a conjuração do Sinédrio com uma inteligência extraordinária; ora com cuidado, se esgueirando, dizendo palavras que evitavam o confronto; ora enfrentando com argumentos de uma precisão diplomática perfeita. Quando, por exemplo, quiseram embaraçá-Lo, perguntando a respeito do dinheiro, se era lícito ou não pagar imposto a César. Ele, percebendo a malícia, disse: “Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto! [Apresentaram-lhe um denário]. Perguntou Jesus: De quem é esta imagem e esta inscrição? — De César, responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. (Mt 22, 18-22).

Ele evitou assim se pronunciar sobre questão a respeito da qual não desejava se manifestar. Mas tapou a boca daqueles que estavam querendo atrapalhá-Lo.

Nosso Senhor Jesus Cristo como médico: quem foi médico como Ele? Como advogado: a bondade e a misericórdia com que Ele advogou a causa dos pecadores. O Evangelho revela que Ele soube alegar as atenuantes, soube encontrar os pontos necessários para a defesa; soube depois perdoar e conceder toda indulgência.

Ninguém advogou como Ele a causa dos réus, dos pecadores, dos pobres e de todos aqueles que precisavam de um advogado. Enquanto trabalhador manual: pode-se imaginá-Lo na oficina de Nazaré como carpinteiro, realmente trabalhador manual. O trabalhador autêntico sente-se realizado em Nosso Senhor. Ponto por ponto, em todas as atividades humanas, encontramos de algum modo atividades exercitas por Ele.

O feitio de inteligência e de espírito de Nosso Senhor era tal que acumulava ao mesmo tempo — e de modo como nunca ninguém alcançou — todas as formas e graus de inteligência correspondentes a todas as formas e graus de profissões honestas que possam existir. Acumulava tudo isso com uma perfeição difícil de imaginar, porque há habitualmente no homem uma limitação por onde as perfeições se excluem umas às outras, mas que n’Ele nenhuma se excluía.

Todos os dons de todos os povos da Terra no Divino Salvador

Podem-se fazer considerações sobre todos os povos da Terra. Considere-se o francês com sua precisão, clareza e espírito ágil; o alemão com seu vigor, profundidade e senso do sublime; o italiano com seu dom teológico, subtileza e critério diplomático; o espanhol com a variedade de dons que possui para a arte, a literatura, a filosofia, a teologia e com o seu espírito guerreiro; os nossos caros portugueses, com todos os talentos que conhecemos e que herdamos.

Considerem povo por povo. Os árabes, os japoneses, os chineses, e chegar-se-á à seguinte conclusão: cada povo possui uns tantos dons e, porque tem tais dons, não pode ter os outros. Não é possível, por exemplo, ter a perfeição do espírito fino e leve do francês, e a perfeição do espírito vigoroso e combativo do alemão. São coisas que se excluem.

Mas em Nosso Senhor Jesus Cristo os dons não se excluem. Ele, como a cabeça da humanidade, tinha em Si todos os dons de todos os povos da Terra. Tudo se conciliando harmonicamente. Ele possuía a suprema grandeza do espírito, mas o charme francês levado a um ponto inimaginável; a força alemã em grau inimaginável. Considerem até a subtileza, a intuição do brasileiro: Ele as possuía também a um ponto inimaginável.

Quem conversasse com Nosso Senhor perceberia que, apenas do ponto de vista humano, Ele tinha algo que deixaria a pessoa completamente deslumbrada, sem saber o que dizer à vista da superioridade. O que, depois, lendo o Evangelho, se explicaria melhor.

Fazendo essa meditação, e lendo depois o Evangelho, entender-se-ia com mais proveito o maravilhamento de todo o povo quando o Divino Redentor passava entre as pessoas. Aquele sulco que Ele deixava atrás de Si, por exemplo, naquela atitude da multidão, quando Ele foi entrando pelo deserto, acompanhando-O e sem levar comida. Todos seguiam-no maravilhados. Só em determinado momento as pessoas se lembraram que tinham que se alimentar.

Maravilhamento nos seguidores do Filho de Deus humanado

Era tal a profusão de dons com que Nosso Senhor atraía completamente aquela multidão de almas, que as pessoas ficavam sem saber o que dizer. Seguiam-no quase perdendo o fôlego de admiração, porque Ele agradava inteiramente a todos; e, de um modo tão pleno e perfeito, que excedia a expectativa de todos.

Entretanto, não devemos considerar que Ele agisse apenas de modo terreno. Como Jesus Cristo era Homem-Deus, havia vínculo entre a natureza humana e a natureza divina. Por cima da perfeição intelectual inimaginável ainda fluía o aspecto da união hipostática com a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Portanto, um escachoar de dons sobrenaturais correspondentes, perfeitamente deslumbrantes e inteiramente insondáveis.

Assim, as pessoas tinham a sensação misteriosa de algo que as excedia completamente. E iam percebendo a divindade. Durante a vida de Jesus foram transcorrendo os fatos, até o momento em que as pessoas começaram a se dar conta de que Ele era o Filho de Deus.

Pairava uma dúvida naqueles que tratavam com Jesus Cristo. Quem seria Ele? Compreendiam que um simples homem Ele não podia ser. Com essa dúvida, Ele pergunta aos discípulos: “E vós que dizeis que Eu sou?”, como quem procura dirimir um zum-zum admirativo de conjecturas que se fazia, mas que ninguém era capaz de explicar bem.

Ele, que era a suma clareza, a suma beleza, concedia às pessoas até o atrativo do sumo mistério. Para o homem, é necessário nesta vida, para que haja atração, o mistério. Mistério que Ele possuía também num grau altíssimo. Então as pessoas se perguntavam: “Mas quem é Ele? Não é possível num homem tanta grandeza! Assim um homem não pode ser, Ele quebra todos os padrões!” Até o momento em que Ele indaga: “E vós que dizeis que Eu sou?”

São Pedro levantou-se e respondeu “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Percebemos que brotou pelos lábios de São Pedro um ato de fé.

Jesus então disse: “Bem-aventurado és, Simão Pedro, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue te revelou isso, mas meu Pai que está nos Céus”. E acrescentou: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 17-18).

Expressão perfeitíssima de todas as virtudes possíveis

Nosso Senhor com São Pedro e Santo André durante a pesca milagrosa

Considerem outro aspecto em Nosso Senhor Jesus Cristo: o lado moral. Cada um de nós tem uma “luz primordial” — uma virtude especial que marca de maneira tal que, quando nos santificamos, esse traço moral se explicita mais claramente e se exprime, quando alguém corresponde inteiramente à graça; então algo de sobrenatural se manifesta.

Dom Chautard aborda essa questão no livro A alma de todo o apostolado, quando se refere ao Cura d’Ars, São João Maria Batista Vianney. Alguém perguntou a um advogado parisiense, que tinha estado na cidade francesa de Ars: “O que o senhor viu em Ars”? Ele respondeu: “Eu vi Deus num homem”. Ou seja, o Cura d’Ars era tão santo que olhando para ele se percebia Deus, mais ou menos como a santa hóstia pode estar num ostensório. O ostensório não é a hóstia, mas a hóstia pode ser vista dentro do ostensório. Assim também, em São João Maria Vianney poder-se-ia ver Deus.

Na manifestação da “luz primordial” de alguém se pode perceber Deus. Nosso Divino Salvador era a expressão mais do que perfeita de todas as luzes primordiais que houve, há e haverá até o fim do mundo. De maneira que todo santo, ou toda alma fiel, não é senão uma pequena cintilação da perfeição de Jesus Cristo.

Quando se vê uma alma que nos agrada, que está progredindo espiritualmente, pode-se pensar: “Ela é um reflexo de Nosso Senhor, e, por isso, eu a estou admirando”. Mas sabendo que n’Ele tudo é perfeitíssimo, porque todas as formas possíveis de virtude Ele as possuía, e de um modo tal que nenhuma imagem pode dar ideia.

Na criação, reflexos do Divino Criador de todas as coisas

Para exprimir um pouco a insuficiência completa desses raciocínios e se ter uma ideia melhor da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, um exemplo para se comparar.

No passado, havia na Inglaterra minas de carvão muito profundas, que formavam diversos andares e nas quais o ar penetrava por tubulações. Dentro delas havia animais de carga que raramente viam a luz do sol. Mas quando esses animais eram periodicamente levados para a superfície do solo, davam manifestações de enorme contentamento. Eles pulavam, jogavam-se no chão, relinchavam. Manifestavam a satisfação por sentirem-se banhados pelo sol.

Imagine-se um homem que tivesse nascido numa mina subterrânea e nunca tivesse visto o sol. Mas teria visto fotografias do sol. Mostrassem-lhe um fogareiro dizendo: “O calor do sol é parecido com o calor desse fogareiro”. Descrevessem-lhe como é o sol. É claro que tal homem formaria uma pequena ideia do sol. Mas quando ele, em certo dia, pudesse chegar à superfície da terra e visse o sol, poderia dizer: “Essas coisas que me apresentaram são mais enganadoras do que verdadeiras, porque o sol é tão superior que fiquei apenas com uma pequena ideia dele. O sol excede tudo completamente”.

Se esse homem imaginário possuísse uma alma autenticamente católica, observando o sol ele poderia se pôr de joelhos e adorar a Deus como criador do sol. Teria uma ideia do sol numa plenitude que nunca havia tido antes.

Assim, essas considerações sobre Nosso Senhor Jesus Cristo nos ajudam a formar certa ideia de quem Ele é. São como fotografias do sol para uma pessoa que vive nas profundezas de minas de carvão. Tais considerações servem como que de espelho que refletem um esboço imperfeito de quem é verdadeiramente Nosso Senhor.

Outra imagem: um santo castíssimo, de uma pureza deslumbrante, não seria nada em comparação com a pureza de Jesus Cristo. Ou um santo veracíssimo, com uma fisionomia de uma limpidez extraordinária, que espelhasse uma sinceridade e uma honestidade como nunca se viu na Terra, não seria nada em face da fisionomia d’Aquele que disse de Si mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Ele é a própria honestidade, a própria retidão, a própria sinceridade.

Um santo que tivesse sido muito enérgico não daria ideia perfeita do que foi a energia de Nosso Senhor. Mas, ao mesmo tempo, um santo suavíssimo não pode dar ideia do que tenha sido a suavidade d’Ele. Tudo são ideias incompletas, são esboços de quem Ele foi verdadeiramente.

Devemos meditar a respeito do Divino Redentor considerando cada um desses aspectos, construindo continuamente a imagem d’Ele, sabendo que nunca será inteiramente atingida, mas que nesse enlevo devemos caminhar durante a vida.

No sofrimento, Jesus Cristo se manifestou mais plenamente

Há um traço de Nosso Senhor Jesus Cristo em que apareceu toda a grandeza d’Ele, como um fruto que se parte e exala o seu melhor aroma, dá seu melhor sabor e mostra melhor sua beleza: Ele enquanto sofredor. A dor é a circunstância da vida em que a miséria humana mais aparece. Esmagado pela dor, o homem geme, foge, chora, protesta, aniquila-se, revolta-se. Habitualmente, a dor causa no homem verdadeiro pavor.

Por outro lado, o homem que enfrenta a dor nas suas várias modalidades adquire uma extraordinária formosura de alma. Não há verdadeira formosura de alma num homem que nunca sofreu. Às vezes vejo certas fisionomias “em branco” em matéria de sofrimento e fico com pena, porque os dias de vida do homem se contam pelos dias que ele soube sofrer santamente. A plenitude da vida do homem reside no sacrifício.

Mas há várias modalidades de sofrimento. Elas tocam cordas diversas na alma humana e despertam várias formas de beleza. Por exemplo, o sofrimento do guerreiro; o sofrimento do homem que assiste um doente; o sofrimento do próprio doente; o sofrimento do diplomata dedicado; o sofrimento do pai ou da mãe que vê seu filho partir para o campo de batalha; o sofrimento do amigo injustamente traído por outro amigo. Há tantas formas santas de sofrimento, cada uma delas configura a alma humana com uma beleza própria.

Nosso Senhor Jesus Cristo não teve um sofrimento. Ele foi o Sofredor, Ele foi o Varão das dores. Considerando a vida d’Ele, percebemos que sofreu todas as formas de dor que pode um homem sofrer, o que deu ocasião para manifestar belezas insondáveis — as celestes belezas da dor! Ele foi triunfante do modo mais belo que se possa imaginar. Ele foi o mais glorificado, mas também o mais desprezado. O mais amado e o mais invejado. Ele reuniu em Si contrastes harmônicos inimagináveis.

Detalhe do altar do Sepultamento de Jesus, Igreja da Caridade, em Sevilha (Espanha)

Como não ter receio de se apresentar diante de Nosso Senhor?

Com essas considerações é possível ir formando a fisionomia moral de Jesus Cristo. Em cada traço da alma católica, da vida dos santos, pode-se imaginar como teria sido em Nosso Senhor. Depois convém verificar no Evangelho como de fato foi. Lendo a narração evangélica com amor, pensando nesses aspectos, faremos uma boa meditação.

Em nossos dias estabeleceu-se o princípio execrável segundo o qual quando existe uma pessoa muito elevada, muito galardoada, com muita grandeza, deve-se ter medo de ser desprezado por ela. Donde o receio de se apresentar diante de Jesus Cristo.

São Pedro, diante d´Ele, disse: “Afastai-Vos de mim, Senhor, porque eu sou um homem pecador”. Como quem diz: “Entre Vós e mim não há congruência, não há continuidade, e não é possível espécie alguma de relação. Vós estais numa desproporção comigo a tal ponto, que diante de Vós o meu papel é sumir, é não existir”.

Isto significa não compreender exatamente Nosso Senhor. Porque como Ele possui em Si todos os graus e formas possíveis de perfeição, ama necessariamente todos os graus e formas possíveis de virtudes existentes. Ele odeia o pecado, mas tudo aquilo que não é pecado, por pequeno e modesto que seja, é uma cintilação e uma expressão d’Ele, tem harmonia com Ele. Tal cintilação O encanta e n’Ele repercute em ternura e afeto.

É da ordem humana das coisas que amemos o grande porque é grande, e amemos o pequeno porque é pequeno. Exemplo: encantamo-nos vendo uma águia voando com toda aquela beleza, mas vendo um beija-flor, sorrimos, como que exclamando: “Que joia, que maravilha!”. Ninguém imagina um “beija-florzão” gigantesco, assim como não se imagina uma águia pequenina.

Jesus Cristo odeia severamente o pecado, com total intransigência. Tendo todas as perfeições, Ele exclui todas as formas de imperfeições, mas ama o bem, mesmo nos menores graus. Ele criou também as almas com poucas qualidades, criou também os menos inteligentes. Assim, Ele se compraz em considerar uma pequena inteligência, pois ela participa da inteligência incriada!

Apresentar-se com suma confiança diante do Divino Criador

Cristo Rei

Se Ele ama todos os graus e formas de inteligência e de virtude, ama também os resíduos, ama os restos conspurcados, pisados no meio do vício, mais ou menos como uma flor que medrou no meio de uma porção de ervas daninhas.

Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Cabeça da Igreja, não ama seus membros? Há no Antigo Testamento uma afirmação que me impressionou muito: “Não desprezes a tua própria carne”. Ele haveria de desprezar uma alma que Ele próprio criou? Assim compreendemos que em presença de Jesus Cristo até o pecador, não considerado enquanto pecador, mas enquanto nele existindo resíduos de virtude, é digno do amor d’Ele.

Compreendemos por que tantos e tantos pecadores arrependidos se aproximavam d’Ele com confiança. Maria Madalena e o Bom Ladrão são exemplos disso. Em vez de ficarem aterrorizados diante d’Ele, encantaram-se.

O homem é ordenadíssimo a Deus, mas precisa do auxílio d’Ele para suportar a sua grandeza. Mais ou menos como o sol: fomos feitos para viver sob o sol, mas não conseguimos fixá-lo diretamente por longo tempo. Por isso Nosso Senhor velou suas qualidades durante sua vida terrena, e só aos poucos Se foi revelando aos homens.

Compreendamos com quanta confiança devemos nos dirigir a Jesus Cristo, certo de que Ele olha para nós e nos ama. Ele que apreciou a fé de São Pedro, apreciará qualquer um que afirme com fé: “Vós sois o Filho de Deus vivo!” Assim, com toda tranquilidade e confiança, podemos nos colocar na presença de nosso Divino Salvador.

Quando meditamos os diversos passos do Rosário, nos Mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos, devemos nos colocar com confiança na presença d’Ele. Desse modo, a meditação dos fatos de sua vida se ilumina, e O amaremos e compreenderemos melhor.

Sublime relação da Santíssima Virgem com Nosso Senhor

La Virgen Blanca de Toledo

São Bernardo dizia que a relação entre Nossa Senhora e seu Divino Filho é como da lua em relação ao sol. A lua é para nossos olhos o esplendor da luz do sol, ela reflete o sol. A Virgem Santíssima é o reflexo perfeitíssimo de Jesus Cristo. Nossa Senhora também não deixou transparecer toda a sua beleza em sua vida terrena. Ela foi se manifestando aos poucos, para consolar os homens após a morte de Nosso Senhor.

Eu submeto o que exponho ao juízo da Igreja, mas creio que Ele é tão superabundantemente rico em belezas, que seus contemporâneos não viram tudo. E que grande parte dessa beleza a graça foi depois se revelando sucessivamente aos santos nas várias eras da História da Igreja. Os santos dos tempos dos mártires, dos tempos dos confessores, dos tempos dos Doutores, e depois os da Idade Média e assim por diante, cada época foi acrescentando algo a mais à figura do Redentor Divino.

Desse modo, quando se chegar ao Reino do Imaculado Coração de Maria — como previsto por São Luís Maria Grignion de Montfort e confirmado em Fátima —, a figura de Nosso Senhor vai brilhar em toda a sua plenitude.

Quando o último santo na Terra tiver visto o último esplendor em Nosso Senhor e o tiver reproduzido em sua alma tanto quanto alcança a natureza humana, a História do mundo terá terminado. Essa lenta manifestação, adoração e reprodução da beleza moral da santidade de Jesus Cristo é a própria História da humanidade! Terá chegado o momento do Juízo Final, a missão d’Ele estará completamente concluída e a História estará encerrada.

Considerando assim a figura do Salvador da humanidade, a meditação de sua vida, contemplando os mistérios do Rosário, adquire uma verdadeira luz. Então, desde o primeiro Mistério, a “Agonia no Horto das Oliveiras” até o último, a “Coroação de Nossa Senhora no Céu”, passo a passo vai se manifestando a beleza da fisionomia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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