Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
A abominação da desolação habitará no Templo, faltarão as vítimas, cessará o sacrifício e a desolação há de durar até à consumação dos séculos.
41 min — há 8 meses — Atualizado em: 3/30/2024, 12:21:01 PM
Símbolo supremo de amor e sacrifício
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 878, Março/2023
Na edição remissiva à Semana Santa do ano passado tratamos da graça de Pentecostes. A descida do Espírito Santo sobre a Virgem Santíssima e os Apóstolos enquanto rezavam no Cenáculo. Essa imensa graça os transformou extraordinariamente. Muito acanhados e amedrontados nos dias da Paixão de Jesus Cristo, converteram-se em entusiasmados e corajosos seguidores de Nosso Senhor, passaram a pregar sem nenhum temor o Evangelho a todos os povos, realizaram grandes e abundantes milagres, e milhares de conversões — não apenas em Jerusalém, mas em outras cidades e em outras nações.
Em continuação, a presente matéria transcreve os últimos e esplêndidos trechos do livro do padre redentorista francês Augustin Berthe, Jesus Cristo, Vida, Paixão e Triunfo,* como sugestão aos nossos leitores para neles meditar nos dias da Semana Santa deste ano.
Das brilhantes narrações feitas pelo autor, deduzimos claramente que foi do preciosíssimo sangue de nosso Divino Redentor que brotou a civilização cristã. Sem seu lancinante sacrifício no Calvário teria sido impossível a ruína do mundo pagão; impossível a dilatação da Santa Igreja; impossível que a beleza da Cristandade resplandecesse em todos os povos; impossível o triunfo da Cruz!
Da Redação de Catolicismo
* * *
Apesar das proibições reiteradas do Sinédrio, continuaram os apóstolos a pregar a Ressurreição de Jesus, o que trouxe consigo uma perseguição sangrenta que durou três anos.
O diácono Estêvão, poderoso em obras e palavras, tendo confundido todos os doutores da Lei, foi acusado de blasfemo e apedrejado pelos malfeitores. Mas, em vez de deter os progressos da Igreja, o sangue daquele primeiro mártir foi uma semente fecunda de cristãos. Enquanto os apóstolos defendiam em Jerusalém o rebanho de Cristo, muitos discípulos, espraiando-se pelas províncias, formaram novas comunidades na Judéia, na Samaria, na Galileia e até em Cesareia e Damasco.
Conversão de São Paulo – Vicente Carducho (1576 – 1638). Museu de Belas Artes de Valência, Espanha
À vista de tal resultado, já não conheceu limites a cólera dos perseguidores. Um fariseu, de nome Saulo, homem de grande inteligência e indomável energia, tomou a peito destruir a Igreja de Deus. Dirigia-se um dia para Damasco a fim de algemar e levar para Jerusalém os discípulos do Crucificado. Mas eis que, ao avizinhar-se da cidade, se vê de repente envolvido por uma luz celeste e cai fulminado no chão. E logo ouve uma voz que lhe diz:
— “Saulo, Saulo, por que Me persegues?”
— “Quem sois Vós, Senhor?”, perguntou ele.
— “Eu sou Jesus a Quem tu persegues”, continuou a voz.
— “Senhor, que quereis que eu faça?” (Act 9, 3-6).
E Saulo tornou-se o apóstolo Paulo, o convertedor das nações. Jesus desconcertava assim os fariseus, tomando-lhes os melhores recrutas para deles fazer os seus mais valentes soldados.
Após três anos de perseguição, respirou a Igreja um momento, devido a terem desaparecido os deicidas mais célebres. O sumo-sacerdote Caifás, despojado do pontificado e, cheio de desespero, suicidou-se. Anás, seu sogro, desembaraçou-se também dos seus remorsos e da sua desonra por meio de um covarde suicídio. Pilatos, destituído pelo Imperador e exilado para Viena de França, suicidou-se também. Estes três principais atores no drama do Calvário, morreram como o traidor, de quem disse o Senhor:
Mais lhe valera não ter nascido.
Pedro aproveitou-se dos dias de paz para visitar o seu rebanho. No livro dos Atos dos Apóstolos vemo-lo pregando e fazendo prodígios em Lyda, Saron, Jope e Cesárea, onde batiza o centurião Cornélio com toda a sua família. Depois, resolvido a levar o Evangelho às nações, deixa Jerusalém e dirige-se para Antioquia, metrópole do Oriente, onde fixou a sua sede durante sete anos. Esta cidade de 500 mil almas, torna-se o centro de uma Igreja florescente e foi em Antioquia que os discípulos de Cristo tomaram o nome de Cristãos (Act 9, 31-35).
O Reino de Jesus tinha feito, em dois anos, imensos progressos. Da Palestina tinha passado à Síria e da Síria, devido às pregações de Pedro, atingira o Ponto, a Bitínia, a Capadócia, a Galácia e outras províncias da Ásia Menor. Quiseram os chefes dos judeus, a todo o custo, deter a expansão do cristianismo. No ano 42 estalou uma nova perseguição. O sobrinho de Herodes, Agripa, logo que se viu rei da Judéia, perseguiu os cristãos. Muitos foram encarcerados.
A Libertação de São Pedro da Prisão – Mattia Preti, século XVII. Gemäldegalerie der Akademie der Bildenden Künste, Viena
A Tiago Maior, irmão de João, cortaram a cabeça. Pedro, que voltou de Antioquia para fazer frente à tempestade, foi preso. O rei, tendo-o mandado prender no primeiro dia dos ázimos, anunciou que ele seria degolado diante de todo o povo, logo depois da festa da Páscoa. Jesus, porém, enviou do Céu um anjo que despertou Pedro na prisão e lhe abriu as portas e o conduziu para fora de Jerusalém. No dia seguinte, Agripa só encontrou as cadeias do apóstolo. Fugiu para Cesárea para lá ocultar a sua vergonha. Porém, Jesus seguiu-o. O perseguidor, ferido por uma horrível doença, expirou após alguns dias.
Esta segunda perseguição teve por efeito estender o Reino de Deus pelo mundo inteiro. Naquele mesmo ano de 42, estando já a Igreja solidamente estabelecida em Jerusalém e na Palestina, em Antioquia e nas regiões adjacentes, resolveram os apóstolos dispersar-se e levar o Evangelho às diversas nações da Terra.
Pedro enviou Matias à Cólquida, Judas Tadeu à Mesopotâmia, Simão à Líbia, Mateus à Etiópia, Bartolomeu à Armênia, Tomé à Índia, Filipe à Frígia, João a Éfeso. Paulo, o apóstolo das nações, devia evangelizar a Ásia Menor, a Macedónia e a Grécia. Quanto a Pedro, tomou o caminho de Roma, a cidade dos Césares, da qual queria Jesus fazer a cidade dos Pontífices. Tiago Menor, chamado o Justo, por causa da sua grande santidade, governou, na qualidade de Bispo de Jerusalém, as cristandades da Palestina.
Ao partirem para a conquista do mundo, levavam os apóstolos consigo o Credo, símbolo da sua fé, o Evangelho, resumo do seu Mestre, e a Cruz, emblema da Redenção. Isto bastava para ensinar: Jesus, que os acompanhava, encarregava-se da vitória.
Em todos os caminhos encontraram inimigos, especialmente entre os deicidas, desejosos de exterminá-los; todavia, conseguiram estabelecer por toda a parte, quase sempre à custa do próprio sangue, cristandades florescentes. Em Roma, Pedro foi fixar residência no Trastevere. Lá fez numerosos discípulos entre os seus compatriotas judeus e entre os romanos, apesar de os fariseus empregarem todos os meios para levantar o povo contra ele. Foi até obrigado, para não chamar a atenção dos romanos, a instalar-se na outra margem do Tibre, no palácio do senador Prudente, que era um dos primeiros convertidos. Ali é que sentado numa cadeira de carvalho, que ficou conhecida como a Cadeira de Pedro, falava de Jesus à assembleia dos cristãos que ia engrossando de dia para dia. Dali é que ele enviou o seu fiel discípulo Marcos a fundar o patriarcado de Alexandria, e outros bispos a evangelizar as Gálias.
Com mais violência ainda se atiraram os ímpios contra o apóstolo Paulo. Na Ásia Menor, na Macedônia e na Grécia, onde durante longos anos difundiu, vitoriosamente, o cristianismo, teve sempre de defrontar-se com motins furiosos. Perseguiam-no de cidade em cidade, denunciavam-no às autoridades e expulsavam-no das sinagogas.
Foi por vezes açoitado, apedrejado e deixado por morto, estendido no chão. E quando, depois de ter feito assinaladas conquistas para o seu divino Mestre, voltou a Jerusalém, os chefes do povo que o chamavam traidor e trânsfuga, apoderaram-se dele, açoitaram-no de novo, esbofetearam-no em plena sessão do Sinédrio e, por certo, o teriam matado, se Paulo não tivesse feito valer o seu direito de cidadão romano e apelado a César. Levado para Roma a fim de se justificar dos crimes que os fariseus lhe imputavam, lá encontrou o apóstolo Pedro e continuaram ambos o curso das suas conquistas, à espera do martírio.
O Sinédrio, irritado em ver que as conversões se multiplicavam, condenou Tiago menor, bispo de Jerusalém, à morte, como sedutor do povo. Foi apedrejado pelos escribas e fariseus a quem predissera a ruína próxima. E, de fato, iam cumprir-se as profecias de Jesus. Desde há 30 anos não cessavam os apóstolos de chamar Israel à penitência. Em toda a parte, primeiro dirigiam-se ao povo da antiga aliança antes de evangelizar os gentios.
Paulo desejava ser anátema por amor dos seus irmãos segundo a natureza, e eles, salvas honrosas exceções, respondiam-lhe às exortações com blasfêmias e violências. “Mataram Jesus e os seus profetas”, lamentava-se o apóstolo; “não se cansam de nos perseguir; ofendem a Deus e constituem-se os inimigos da humanidade; impedem-nos de falar às nações, por medo de que elas se salvem, com o que enchem a medida dos seus pecados. A cólera de Deus contra eles chega ao seu auge”.
No ano 79 as primeiras erupções do Vesúvio destruíram em parte Herculano e Pompéia e lançaram o pânico entre os romanos.
Com efeito, Jesus tinha já o braço levantado contra a ingrata e cruel Jerusalém. Os fiéis iam verificando, não sem horror, a aparição dos sinais que, segundo a profecia do Salvador, deviam preceder o grande cataclismo. “Antes de tudo — dissera Ele aos Apóstolos — sabei que os fariseus vos hão de perseguir e açoitar e condenar à morte. Haverá falsos profetas e falsos Messias que se hão de esforçar por vos seduzir”; os Simões, os Menandros, os Ebiões e os Serintos, não cessavam de espalhar os seus erros. “O Evangelho será pregado em toda a Terra”; e, coisa incrível, Paulo podia escrever aos habitantes de Colossos: “O Evangelho foi pregado a todas as criaturas que há debaixo do Céu”.
Ora, desde alguns anos, na Palestina, na Itália e no Oriente, a fome e a peste estavam a dizimar as populações. Tremores de terra convulsionavam a Ásia, a Acaia e a Macedônia; as primeiras erupções do Vesúvio destruíram em parte Herculano e Pompéia e lançaram o pânico entre os romanos. O mundo romano entrava em convulsão em consequência das guerras civis, suscitadas pelos pretendentes ao Império.
De resto, o próprio Deus multiplicou os avisos à ingrata Jerusalém. Durante um ano inteiro, conforme referem os historiadores Flávio Josefo e Tácito”[1], um cometa em forma de espada ficou suspenso sobre a cidade. Outros sinais foram vistos pelo povo.
A maioria dos habitantes nada compreendeu daqueles avisos celestes. No ano 66, os judeus insurgiram-se contra os romanos, derrotaram as cortes acampadas em Jerusalém e deitaram o fogo à Torre Antônia que servia de cidadela à guarnição. Animando-se com aquele sucesso feliz, não tardaram os patriotas das províncias a levantar-se e declarar-se livres. Ao ver que a Judéia entrava em luta com o Império, que hordas de fanáticos se instalavam no recinto do Templo e que as orgias e crimes manchavam a cidade de Deus, os cristãos recordaram-se dos avisos do Mestre: “Quando virdes a abominação da desolação no lugar santo, fugi quanto antes”. Sem perda de tempo, deixaram Jerusalém e a Judéia, e refugiaram-se nos montes além-jordânicos e encontraram um abrigo na cidade de Pela e lugares adjacentes. Assim, de Sodoma fugiu Lot e a sua família, antes da chuva de fogo que a havia de incendiar.
E era tempo, pois no começo de 67, Vespasiano, à frente das suas legiões, apoderou-se das fortalezas da Galileia e passou os revoltosos ao fio da espada. Assenhoreando-se em alguns meses de todo o país, foi acampar diante de Jerusalém onde se tinham concentrado os patriotas que escaparam das províncias. Mercê das guerras civis em que ardeu o Império Romano durante dois anos, Vespasiano foi obrigado a adiar o cerco da cidade, mas em vez de se aproveitar desta dilação, os revoltosos que lá dentro mandavam, disputaram, à mão armada, a supremacia do poder. Como urgissem com Vespasiano para que saísse da inação, este respondeu: “Deixai-os lá, que se despedacem entre si. Deus é maior general do que eu: há de no-los entregar sem combate”.[2]
No ano 70, Vespasiano, proclamado Imperador, dirigiu-se para Roma e deixou ao seu filho Tito o prosseguimento das operações contra Jerusalém.
Aqueles dois anos de calma relativa quase tinham feito esquecer o perigo exterior. Pela Páscoa afluíram os peregrinos à cidade, de modo que um milhão e duzentos mil judeus ali se encontravam encerrados, quando, de repente, Tito instado a acabar com a revolta deles, apareceu no alto do Monte das Oliveiras com as suas legiões e máquinas de guerra. Os cercados defenderam-se como leões, mas não puderam impedir que os romanos penetrassem dentro de Bezeta e Acra e que depois, em três dias, levantassem trincheiras que encerravam os judeus nos bairros elevados do Templo e do Monte Sião. Realizava-se a profecia de Jesus: “Dias virão em que os teus inimigos te hão de cercar com trincheiras e te hão de encerrar e apertar de todos os lados”.
Aos horrores da guerra foram juntar-se os horrores da fome. Apesar das imensas provisões da cidade, faltaram, por fim, os víveres. Uma pequena medida de trigo vendia-se por preços fabulosos. Os chefes, insensíveis à miséria do povo, visitavam todas as casas para se apoderar dos víveres e distribuí-los aos seus soldados. Por isso, ninguém preparava refeição alguma. Quando, a peso de ouro, conseguia um homem alguns grãos de trigo, devorava-os logo, escondido nalgum canto. Aos pobres, arrancavam-lhes das mãos alguns cachos que, durante a noite, tinham saído a colher com perigo da própria vida.
Frequentes vezes, agarrados pelos romanos, aqueles pobres esfomeados eram crucificados como espiões, de modo que, à volta de todo o campamento, se elevava uma floresta de cruzes que lembravam aos deicidas a cruz do Filho de Deus.[3]
Os homens arrancavam uns aos outros, furiosos, qualquer coisa que se parecesse com alimento. Certa mulher, por nome Maria, que se refugiara em Jerusalém com o seu filhinho, viu arrebatarem-lhe os soldados o dinheiro, as joias e até umas poucas ervas ou palhas que juntara para enganar a fome. Enlouquecida pela ira e pelo desespero, degolou o filho, assou-o, comeu uma parte e ocultou a outra. Atraídos pelo cheiro de carne queimada, os bandidos ameaçaram-na de morte se lhes não entregasse as sobras da sua refeição. “Ei-las aqui — disse ela — olhai que são os restos do meu filho”. Apesar da sua fome e raiva, aqueles monstros fugiram espantados.[4]
Destruição de Jerusalém por Tito, no ano 70 – David Roberts (1796–1864). Coleção Particular.
A mortandade foi espantosa durante toda a duração do cerco. O historiador Josefo soube por um fugitivo que foram pagos, à custa do erário da cidade, até 700 mil funerais. Em dois meses e meio, só por uma porta, tiraram 116 mil cadáveres. Por fim, atiravam-nos das alturas de Sião e dos pórticos do Templo pelas encostas do vale abaixo. Ao ver aqueles montes de mortos em putrefação, Tito levantou as mãos ao Céu, tomando a Deus por testemunha de que não era responsável por tais desgraças.
Contudo, cessou, pela primeira vez, o sacrifício da manhã e da tarde. É que não se encontrava já um cordeiro para sacrificar. E, desaparecendo o holocausto figurativo, já o Templo não tinha razão de ser. O exército romano conseguiu penetrar no vasto recinto do edifício sagrado, que os zelotas, acurralados de átrio em átrio, defenderam com a energia de desesperados. Os romanos, furiosos com aquela resistência que lhes custava milhares de homens, avançaram por cima dos cadáveres, resolutos a incendiar o Templo; mas a esse projeto opôs-se Tito, a quem a destruição daquele monumento incomparável parecia um ato de barbárie sacrílega.
De repente, apesar das ordens do general, um legionário, de pé sobre os ombros dos camaradas, arremessa um facho inflamado para o interior dos aposentos que rodeavam o santuário. O fogo comunicou-se em breve ao teto de cedro, os judeus gritavam com desespero e Tito manda apagar o fogo; os soldados, porém, já não lhe obedecem. Amontoam, à porta principal, enxofre, betume e todas as outras matérias inflamáveis que podem achar à mão. E, enquanto desaba o Templo, degolam eles, sem piedade, os milhares de refugiados nos átrios.[5]
Assenhoreando-se em breve do Monte Sião, onde se tinham refugiado os últimos rebeldes, mandou Tito arrasar o que restava do Templo e da cidade, exceto as três torres de Herodes, que ficaram de pé, isoladas no meio daquele deserto, como para atestar que houvera ali uma cidade que se chamava Jerusalém. “Parecia — diz o historiador Josefo — que aquela terra nunca fora habitada”. E estava cumprida a profecia de Jesus: “Tu não serás mais que um deserto e do teu Templo não ficará pedra sobre pedra”.[6]
Durante o cerco pereceram um milhão e cem mil homens. Caíram cem mil prisioneiros nas mãos do vencedor. A maior parte foi vendida como escravos. Tinham vendido Jesus por trinta dinheiros. Os romanos venderam trinta judeus por um dinheiro. Tito escolheu 700 dos mais jovens e vigorosos, entre os quais, João e Simão, chefes da revolta, para lhe ornarem o cortejo na sua entrada triunfal em Roma. Lá os viram, naquele cortejo, levarem numa charola os restos do Templo, a mesa dos pães da proposição, o candelabro de sete braços, o livro da Lei, atrás da estátua da Vitória. Tito subiu ao Capitólio, enquanto os carrascos estrangulavam João no cárcere Mamertino e crucificavam Simão depois de o terem açoitado.
O Imperador mandou cunhar medalhas comemorativas daquele grande acontecimento. No verso, vê-se uma mulher desfeita em pranto e com manto de luto, sentada à sombra de uma palmeira com a cabeça apoiada na mão: é a Judeia cativa, diz a inscrição. E a triste Jerusalém, doravante sem rei, sem sacerdote, sem sacrifício, sem altar.
Tal foi a pavorosa sorte de Jerusalém. “Caia o seu sangue sobre nós e sobre os nossos filhos!” clamava o povo durante a Paixão. Deus ouviu-os e vingou o Sangue do seu Filho. Não se enganava Tito, quando, ao contemplar as muralhas e torres de Jerusalém vencida, exclamou: “Lutamos com a ajuda particular de Deus, e Deus foi Quem arrancou destas fortalezas os judeus: por que máquinas e que mãos de homens, por fortes que fossem, bastariam para tanto?”[7]
Confirmava-se assim a profecia de Daniel: “Depois de sessenta e nove semanas, será morto o Cristo, e o povo que O tiver renegado já não será o seu povo. Virá uma nação com o seu príncipe destruir a cidade e o santuário e sucederá a desolação, desolação sem fim. A abominação da desolação habitará no Templo, faltarão as vítimas, cessará o sacrifício e a desolação há de durar até à consumação dos séculos.
Última oração dos mártires cristãos – Jean-Léon Gérôme (1824–1904). Walters Art Museum, Baltimore, EEUU
Roma reinava então no universo, mas o paganismo reinava em Roma. Júpiter, Mercúrio, Apolo, Vênus e uma infinidade de deuses e deusas tinham ali os seus templos, altares, sacrifícios e festas. Nos jogos solenes, eram degolados, por vezes, dez mil gladiadores perante os aplausos frenéticos de enormes plateias sedentas de sangue.
E, para defender aquela religião cruenta e opressora, ostentava Roma orgulhosa os seus legisladores, filósofos, poetas, sacerdotes, mágicos, arúspices e as suas invencíveis legiões, tendo à frente o imperador, senhor do mundo, pontífice e deus. E foi este o Império que Jesus teve de vencer para reinar no universo.
Não podiam os pagãos ver penetrar Jesus naquele Império sem Lhe declarar guerra. Os idólatras julgavam que se devia tolerar todos os deuses, menos o Deus dos cristãos que pretendia só para si o direito exclusivo à adoração dos mortais. Diziam que aquele Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos, era inimigo dos deuses e dos homens e merecia todas as perseguições; que os seus adeptos, verdadeiros ateus, fugiam dos templos para se reunir em antros misteriosos, onde se entregavam a espantosas orgias e práticas execrandas, chegando a degolar crianças para comer a sua carne e beber o seu sangue.
Estas infames acusações, e, sobretudo, esta monstruosa interpretação da comunhão eucarística, espalharam-se pelo povo. Os cristãos foram considerados como a escória do gênero humano e disto se aproveitou o demônio para desencadear contra eles uma perseguição que havia de durar três séculos.
Naquele mundo escravizado reinava então o imperador Nero. Depois de ter manchado as mãos no sangue do pai, da mãe, da esposa e dos seus dois preceptores, Séneca e Burrus, certo dia decidiu deitar fogo à cidade de Roma, para assistir a um espetáculo grandioso. E, enquanto as chamas devoravam a capital do Império e o povo gritava em desespero, Nero, vestido de ator de teatro, contemplava do alto de uma torre aquele oceano de fogo e cantava versos sobre o incêndio da cidade de Tróia.
Este crime inaudito esteve a ponto de perdê-lo, pois foi acusado de ser o autor do incêndio. A fim de acalmar a revolta popular, fingiu estar à procura dos culpados.
Consultou adivinhos, ofereceu sacrifícios aos deuses e, finalmente, notificou ao povo que os incendiários eram os cristãos que, sendo inimigos dos deuses e dos homens, tinham posto fogo à cidade para se vingar do desprezo com que eram tratados. Nero, porém, tomava a seu cargo infligir-lhes o castigo que mereciam.
Foram todos os cristãos condenados à morte, em Roma e nas províncias: “Prenderam — diz Tácito — os primeiros que se declararam discípulos de Cristo. O inquérito deu a conhecer uma imensa multidão. A sua morte tornou-se um divertimento público. Vestiam-nos com peles de animais e atiravam-lhes cães furiosos para que os esquartejassem. Crucificavam-nos e cobriam-lhes os corpos com pez e resina ou cera para os transformar em candeeiros que alumiassem a noite. Nero deu espetáculos deste gênero nos jardins do Vaticano. E, ao clarão daquelas tochas vivas, organizava corridas de circo”.
Em todo o Império receberam os governadores ordem para matar os cristãos e proibir a religião de Cristo. O magistrado lia o decreto de extermínio: “Não é permitido aos cristãos existirem”. Se o intimado respondia: “Sou cristão”, o magistrado entregava-o aos carrascos, que o submetiam a cruéis suplícios.
Durante quatro anos, correu o sangue dos mártires, sangue de plebeus, sangue de patrícios, sangue de apóstolos. No ano 67, Pedro, Vigário de Cristo, foi crucificado como o seu Mestre. E Paulo, apóstolo das nações, foi decapitado. Mas, um ano depois, Nero, condenado pelos seus súbditos em revolta a ser açoitado com varas até à morte, fugiu de Roma como um covarde e tentou suicidar-se com um punhal. Como hesitasse, um escravo enterrou-lhe o ferro no peito. Assim desapareceu o primeiro perseguidor da Igreja. A lei de extermínio subsistiu como lei do Império, mas os sucessores de Nero, Vespasiano e Tito, só por exceção a aplicaram.
Esperavam, pois, os discípulos de Jesus, ver o fim dos seus males, quando no ano 81, a morte prematura de Tito entregou o poder ao seu irmão Domiciano, êmulo de Nero. Recomeçou a perseguição dos cristãos. Pereceram então os mártires de Lutécia (hoje Paris), Dionísio, Rústico e Eleutério com milhares de vítimas. O apóstolo João, levado de Éfeso a Roma, foi metido numa caldeira de azeite a ferver, de onde saiu são e salvo. André, irmão de Simão Pedro, compareceu diante do procônsul da Acaia, que o intimou a sacrificar aos deuses, sob pena de ser crucificado. André avançou para a cruz com passo firme. “Salve — exclamou ele — ó doce cruz, que o Corpo de Jesus revestiu de glória! Ó boa cruz, por tanto tempo desejada, tão ardentemente amada, por ti Jesus me resgatou, por ti receba Jesus o seu servo!”
Esta perseguição durou 15 anos, até ao dia em que os súbditos se desembaraçaram do tirano. Alguns oficiais do palácio, vendo-se ameaçados de morte, lançaram-se a ele todos à uma e crivaram-no de punhaladas. Corria o ano de 96 do primeiro século da era cristã.
E a Igreja? A Igreja, afogada no próprio sangue, apareceu então — ó milagre de Cristo! — mais numerosa e mais forte que antes de Nero e Domiciano. Para responder à lei do extermínio, tinha Jesus criado uma raça inexterminável que se multiplicava sob os golpes dos carrascos. A fé, o amor e a invencível constância das vítimas despertaram um entusiasmo novo, o entusiasmo do martírio. Crianças, anciãos e soldados, imploravam o batismo antes de oferecer o seu sangue a Jesus Cristo. Milhares de sacerdotes e bispos pregavam o Evangelho por toda a Terra, produzindo dez vezes mais cristãos do que os procônsules podiam destruir. De tal modo que, no princípio do século II, forçados a reconhecer a vitória de Cristo, perguntavam perplexos como se poderia aplicar a lei que proibia os cristãos de existirem.
Com efeito, no ano 112, Plínio o Jovem, nomeado por Trajano, governador da Bitínia, ao ver o cristianismo firmemente implantado na Ásia Menor e os templos dos deuses quase desertos, informou o imperador daquele estado de coisas e perguntou-lhe se devia aplicar àquela multidão de cristãos de todas as idades, sexo e condição, a lei do extermínio sempre em vigor. Trajano, receando por uma parte despovoar o Império e querendo por outra exercer absoluto poder sobre os discípulos de Cristo, respondeu “que se não devia andar a inquirir quem era cristão, mas que, se fossem denunciados e recusassem sacrificar aos deuses, se lhes devia aplicar a lei”. Este édito imperial, que esteve em vigor durante todo o século II, fez mais mártires do que os éditos de Nero e Domiciano.
Os cristãos, dali em diante à mercê de delatores, viram-se perseguidos pelos sacerdotes pagãos, filósofos e fariseus que, por ocasião da menor calamidade, não cessavam de denunciar os adeptos de Cristo como causa de todos os males. Ainda mais, o perdão concedido aos renegados constituía um prêmio à apostasia, o que podia trazer consigo muitas deserções.
Mas Jesus vigiava o seu rebanho. “O mundo há de meter-vos numa prensa — dissera Ele — mas tende confiança, Eu venci o mundo”.
Durante o governo de Trajano, o terceiro perseguidor dos cristãos (98-117), foram martirizados, entre milhares de desconhecidos, o Papa São Clemente, o Bispo de Jerusalém São Simeão, os Santos Nereu e Aquileu e até membros da Família Imperial, como Flávia Domitila, que foi queimada com as suas duas damas. Nem sequer foi poupado o patriarca do Episcopado, Inácio, o santo bispo de Antioquia. Carregado de cadeias, foi Inácio conduzido a Roma para ser atirado às feras. Os bispos e fiéis tentaram tudo para o livrar do suplício. Ele, porém, suplicava que não lhe tirassem a coroa. “Nem as chamas, nem a cruz, nem os dentes do leão me metem medo — dizia — contanto que eu chegue até Jesus Cristo”. Do meio do anfiteatro, ao ouvir rugir as feras que o iam devorar, exclamava: “Eu sou trigo de Cristo, quero ser moído pelos dentes dos leões, a fim de me tornar um pão agradável a Nosso Senhor”. E, à semelhança daquele santo velho, legiões de heróis enfrentavam todos os suplícios por amor de Jesus Cristo.
“Tende confiança, Eu venci o mundo” – Cristo Pantocrator na abside da Catedral da cidade siciliana de Cefalù (Itália). Mosaico em estilo bizantino, 1170
A Trajano sucedeu o imperador Adriano (117-136), grande amigo dos deuses e grande construtor de templos. Foi um dos mais cruéis perseguidores dos cristãos. Uma revolta dos judeus ofereceu-lhe ocasião para assolar, por segunda vez, a Judéia e profanar todos os lugares santificados pelo Divino Salvador. Uma estátua de Vênus foi colocada no Calvário e o ídolo de Júpiter foi levantado no Santo Sepulcro. Certo dia, ao consultar os deuses, responderam eles que os oráculos permaneceriam mudos enquanto a cristã Sinforosa com os seus sete filhos, recusasse sacrificar aos deuses do Império. Logo mandou o tirano que degolassem aqueles novos macabeus.
Adriano morreu pouco depois. O seu sucessor Antonino (136-161) tinha bom senso para não acreditar nos deuses e humanidade bastante para poupar o sangue dos seus súbditos. Mas a lei continuava sempre lei e as execuções, provocadas pelos delatores, prosseguiam. O cético Marco Aurélio (161-180) só acreditava nos mágicos e nos arúspices. Este homem, que blasonava de filósofo, consultou os oráculos no momento de uma invasão de bárbaros. Responderam-lhe que devia, para tornar propícios os deuses, matar todos os discípulos de Cristo. Logo deu ordem aos procônsules para matar todos os cristãos que recusassem oferecer incenso aos ídolos.
Nessa ocasião, caíram grande número deles em todas as províncias. Pereceram então Santa Felicidade com os seus sete filhos; São Justino, o Apologista; São Policarpo, ilustre bispo de Esmirna; e os mártires de Lyon (França), Potino, Atalo, Blandina e milhares de outros.
Mas o Reino de Cristo continuava sempre a se estender. Durante aquele século II, quatro imperadores, armados com todas as forças humanas, tinham empregado cada qual 20 anos em afogar os cristãos em sangue e a Igreja crescia em proporções incríveis na Europa, na Ásia e na África. Na Ásia Menor, os discípulos de Cristo formavam a maioria e por vezes a quase totalidade da população. A Igreja tinha os seus concílios, as suas propriedades, as suas escolas e os seus missionários que levavam o Evangelho muito para além das fronteiras do Império Romano.
Tertuliano podia, sem receio de ser desmentido, lançar aos perseguidores esta apóstrofe: “Somos de ontem e enchemos as vossas cidades, as vossas casas, as vossas fortalezas, os vossos municípios, os vossos conselhos, os campos, os palácios, o Senado, o Fórum. Só vos deixamos livres os vossos templos. Se nos separássemos de vós, ficaríeis sós e sobre o vosso império pairaria um silêncio de morte”.
Esta multiplicação miraculosa dos cristãos pôs os imperadores do século III na alternativa de os deixar em liberdade ou despovoar o Império. Uns cessaram de os perseguir, mas seis dentre eles, Severo, Maximino, Décio, Valeriano, Aureliano e Diocleciano, juraram fazer triunfar os deuses, ainda que, para isso, tivessem de levantar ao pé dos altares montanhas de cadáveres.
Em 202, Severo fez tantas vítimas e inventou tão horríveis suplícios que os cristãos julgaram ter chegado aos dias do anticristo. Em Lyon (França), pereceram com o bispo São Irineu 19 mil cristãos. Em 225, o pastor Maximino, feito imperador, atirou-se aos discípulos de Cristo com tanto ódio, diz um historiador, como se fosse uma fera enjaulada. Atacou em especial os guardas do rebanho. Durante os três anos do seu reinado, mandou matar dois Papas e muitos bispos. Só Deus sabe o número de mártires que, por então, ensanguentaram Roma e as províncias. Em 240, o imperador Décio obrigou os cristãos, sem distinção de dignidade, idade ou sexo, a sacrificarem nos templos, sob pena de serem torturados até morrer. Expunham-se diante do padecente cadeiras em brasa e unhas de ferro. Ameaçavam-no com fogueiras e feras e davam-lhe a escolher entre a apostasia ou aqueles três diferentes gêneros de suplícios.
Na segunda metade do século III, Valeriano (253-262) continuou com as mortandades. Contam-se entre as suas vítimas dois Papas, o diácono Lourenço e o ilustre bispo Cipriano. Em África, punham os cristãos em filas e passavam logo os soldados a cortar-lhes a cabeça. Aureliano, filho de uma sacerdotisa do sol (270-275), julgou-se obrigado a afogar em sangue os que adoravam não o seu deus-sol, mas Aquele que alumia todos os homens que vêm a este mundo.
Dez anos depois, quando Diocleciano subiu ao Império, poder-se-ia crer que aquelas carnificinas, cinco vezes repetidas, só teriam deixado na terra alguns raros discípulos de Cristo, que por acaso houvessem escapado à espada dos carrascos. Ora, por aquela época, o palácio do imperador, a guarda pretoriana, as legiões, a administração, a magistratura e o Senado, regurgitavam de cristãos. A imperatriz Prisca e a sua filha Valéria tinham recebido o batismo. Os historiadores avaliam em 100 milhões o número de fiéis disseminados por todo o Império quando chegou Diocleciano ao poder.
O Imperador tolerou-os durante os primeiros 18 anos do seu governo e é provável que os tivesse tolerado sempre, se Maximiano, seu sócio no poder, não lhe tivesse arrancado o édito que devia fazer desaparecer não só os cristãos, mas até os últimos vestígios do cristianismo. O édito de 302 prescrevia a todos os procônsules que demolissem as igrejas, queimassem os livros de religião e supliciassem todos os cristãos que recusassem adorar os ídolos.
A execução começou em Nicomédia, à vista do próprio imperador. Os pretorianos arrasaram a catedral; os oficiais e servos de Diocleciano foram degolados no palácio.
Os juízes, com tribunal nos templos, entregaram aos carrascos o bispo, os sacerdotes e os seus parentes e servos. Decapitaram os nobres e afogaram ou queimaram em massa a gente do povo. Mas os discípulos de Jesus, longe de sacrificar aos deuses, preferiam o martírio. Assim continuaram a degolar, durante dez anos, os que não conseguiam ocultar-se ou fugir. Os dois tiranos nem sequer poupavam os seus soldados em tempo de guerra. Como a legião tebana recusasse tomar parte num sacrifício pagão, Maximiano fê-la dizimar. E já, no seu louco orgulho, levantavam os imperadores duas colunas de mármore a Diocleciano-Júpiter e a Maximiano-Hércules, “por ter destruído o nome cristão”, quando o verdadeiro Deus deitou por terra aquele Júpiter e aquele Hércules. Diocleciano, ferido no cérebro, abdicou e deixou-se morrer à fome. Maximiano suicidou-se na forca. O seu filho Maxêncio continuou a perseguição, mas por pouco tempo.
Constantino tem a visão da Santa Cruz que lhe promete a vitória – Raphael Sanzio (1483–1520). Sala de Constantino, Palácio Pontifício, Vaticano.
Um homem providencial, Constantino, proclamado imperador pelas legiões da Gália, passou os Alpes para ir combater o tirano. Ao chegar junto do Tibre, rogou ao Deus verdadeiro (que ele ainda não conhecia), que lhe desse a vitória. E um prodígio deslumbrante, cujos pormenores ele próprio contou, respondeu à sua oração.
Inclinava-se já o sol para o poente, quando avistou por cima do astro rei, uma cruz luminosa e sobre ela esta inscrição: “In hoc Signo vinces — esta Cruz dar-te-á a vitória”. Os seus soldados foram, como ele, testemunhas da aparição. Na seguinte noite, estando ele a pensar neste estranho acontecimento, apareceu-lhe Jesus com o mesmo sinal e mandou-lhe que o gravasse nas bandeiras das legiões como um penhor certo de vitória. Constantino obedeceu. O lábaro — estandarte da cruz — dominou as águias romanas e os soldados, confiando no Deus que visivelmente os protegia, derrotaram Maxêncio e o seu exército no primeiro encontro. Encurralado contra o Tibre, o tirano afogou-se nele com os seus batalhões. E Constantino entrou em Roma e consigo fez entrar Cristo, no meio das aclamações do povo e do exército.
Feito cristão, o imperador proclamou, em solene édito, a liberdade da Igreja, levantou os templos destruídos, restituiu aos cristãos os bens confiscados pelos perseguidores e cobriu Roma com magníficas basílicas em honra de Cristo Salvador, dos seus apóstolos e dos seus mártires. Além disso, a fim de deixar a realeza suprema ao Deus da Cruz, cedeu-lhe a capital do mundo e foi levantar, para sede do Império, uma nova capital à qual chamou Constantinopla. A Roma dos falsos deuses tornou-se, assim, a Roma de Cristo. O trono de Simão Pedro substituiu o trono dos Césares; o estandarte da Cruz flutuou no alto do Capitólio e 100 milhões de cristãos nascidos no sangue de 11 milhões de mártires, repetiram, para glória de Jesus, vencedor do mundo, aquela profecia da Cesareia: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra Ela” (Mt 16, 18).
Mas o Inferno ainda não se dera por vencido. Um sobrinho de Constantino, Juliano, renegou publicamente a fé cristã. Exaltou os deuses e enriqueceu-lhes os templos, enquanto perseguia “o galileu, o filho do carpinteiro”. Os cristãos viram-se novamente excluídos de todos os cargos, excluídos das escolas e despojados dos seus bens. Começavam já as execuções sanguinárias, quando Juliano aprendeu à sua custa como é terrível pelejar contra o Deus vivo.
Depois de ter escrito contra a divindade de Jesus Cristo, Juliano anunciou um dia que ia provar a sua tese com um fato retumbante: a reconstrução do Templo de Jerusalém. O mundo verá assim claramente, dizia ele, que ao anunciar a ruína do Sinédrio e do seu Templo, Jesus não passava de um falso profeta. Milhares de operários preparam blocos de pedra e mármore e desfazem-se os alicerces do antigo edifício para assentar os fundamentos do novo.
No ano 363, reuniu-se no Moriá uma multidão para assistir ao lançamento da primeira pedra. E já os operários punham mãos à obra, quando, de repente, treme a terra, estilhaços de pedra voam pelos ares e caem sobre os assistentes. As casas vizinhas desabam com fragor e os espectadores fogem por entre mortos e feridos. Os operários voltam no dia seguinte, mas uns estranhos globos de fogo reduzem a cinzas homens e instrumentos. Na noite seguinte, desenhou-se nos ares uma grande cruz de fogo.
Após esta formidável derrota, foi Juliano à guerra contra os persas, prometendo que, depois da vitória, havia de exterminar os cristãos. No mais forte da refrega, uma flecha lançada por mão desconhecida atravessou o coração de Juliano. Atirando contra o céu o sangue que lhe saía da ferida, gritou com ódio insensato: “Venceste, Galileu!”.
Furioso com aquela nova derrota; o demônio suscitou contra Jesus a perseguição dos arianos. Ário, sacerdote de uma das igrejas de Alexandria, exaltava Cristo como a primeira e mais perfeita das criaturas, mas negava-lhe a natureza divina. Esta doutrina, que destruía o cristianismo pela base, era apresentada com tanta subtileza, que seduziu grande número de espíritos.
Deus fez surgir então uma plêiade de grandes santos: Atanásio, Hilário, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, Crisóstomo, Basílio e outros levantaram-se para defender a fé cristã. Contudo, não puderam impedir que o arianismo seduzisse imperadores, bispos e fiéis. De tal modo que no século IV o Império pareceu, por um momento, mais ariano do que cristão.
Encontro de São Leão X e Átila quando este quis invadir Roma – Raphael Sanzio (1483–1520). Sala de Eliodoro, Palácio Pontifício, Vaticano.
Deus tinha, porém, outros desígnios. Para além das fronteiras romanas, nos vastos planaltos que se estendem do Reno ao Volga, e do Volga aos planaltos da Ásia, viviam inumeráveis tribos conhecidas pelo nome de bárbaros. Aquelas hordas primitivas e ferozes deitavam olhos invejosos para os belos países do Ocidente, delícias dos romanos. De repente, pelos fins do século IV esses povos agitam-se como se o próprio Deus os pusesse em movimento. E milhões de homens avançam, como torrente saída do leito, por todos os caminhos do Ocidente. Os hunos impeliam os godos, os godos impeliam os germanos e todos juntos inundaram o Império, cobrindo-o, durante um século, de sangue e ruínas.
Deus conduzia para Roma aqueles executores da sua justiça. Depois de ter devastado a Itália, Alarico, rei dos godos, avança para a Cidade Eterna. Um santo solitário roga-lhe que a poupe. “Eu não vou por minha vontade — respondeu o bárbaro — mas é que ouço continuamente aos meus ouvidos uma voz a bradar: Avança, avança, vai saquear Roma”. No ano 410 entrou na cidade dos Césares e entregou-a às chamas e à pilhagem. Templos dos deuses, estátuas dos imperadores e palácios faustosos desapareceram no incêndio.
Alarico só poupou as basílicas cristãs e os fiéis que nelas se refugiaram. E, assim, se cumpria a profecia do Apocalipse: “Caiu a grande Babilônia, ébria com o sangue dos santos e dos mártires!”
E a invasão continuou durante um século, a assolar todo o Império. Átila, rei dos hunos, lançou sobre a Gália 700 mil bárbaros. O furacão de ferro e fogo semeou ruínas na sua passagem. Depois de destruir 70 cidades, Átila encontrou-se às portas de Troyes, com o bispo São Lopo.
— “Quem és tu?”, perguntou o bispo.
— “Eu sou o flagelo de Deus!”, respondeu o bárbaro.
— “Flagelo de Deus, enviado para nos castigar — prosseguiu o bispo — faz só o que Deus te permitir”.
Átila recuou diante de São Lopo. No ano seguinte, avançava sobre Roma para a saquear de novo, quando o Papa São Leão, revestido dos paramentos pontifícios se apresentou diante dele e o obrigou a mudar de caminho. E como os hunos perguntassem ao feroz monarca por que razão cedera diante do Pontífice, disse:
Não foi ele quem me fez renunciar ao saque de Roma; mas, enquanto ele me falava, uma figura de dignidade sobre-humana estava em pé ao seu lado. Dos seus olhos saíam raios e tinha na mão uma espada nua. O seu olhar terrível e o seu gesto ameaçador forçaram-me a ceder às súplicas do Pontífice.
O Império Romano desabava de todos os lados perante as investidas dos bárbaros. Impotentes para defender as suas províncias, os imperadores tinham visto os invasores estabelecerem-se na Gália, em Espanha e até em África. Em 476, outro chefe de tribo, Odoacro, apoderou-se de Ravena, depôs o último imperador, tomou o título de rei da Itália e acabou assim com o Império dos Augustos e dos Neros.
Sobre as ruínas do mundo pagão, vai agora Jesus edificar o seu próprio Império. De todos aqueles elementos em fusão, vencidos e vencedores, romanos e bárbaros, nascerá a sociedade cristã, a mais bela de todas depois da sociedade do Céu. A Igreja ficara de pé no meio de tantas ruínas e, pela voz dos seus Papas, bispos, missionários e monges, fará daqueles pobres bárbaros verdadeiros filhos de Deus.
A primeira a cair aos pés de Jesus, será a nação dos francos. O seu rei Clóvis hesitava em reconhecer o Deus que a sua esposa Clotilde adorava. Mas um milagre acabou por lhe tocar o coração. No combate de Tolbiac iam as suas tropas ser esmagadas pelos batalhões inimigos: “Deus de Clotilde — bradou o rei — dai-me a vitória e eu juro fazer-me cristão”. No mesmo instante, os seus soldados tomavam a ofensiva e derrotavam os inimigos. Clóvis guardou a sua palavra. No dia de Natal do ano 496, recebeu o batismo juntamente com três mil dos seus guerreiros. A França foi assim a filha primogênita da Igreja.
Durante os três séculos que se seguiram, estendeu Jesus o seu Reino à Irlanda, à Inglaterra, à Península Ibérica, à Alemanha e à Itália. No ano 800, Carlos Magno, o bárbaro cristianizado, tinha sob o seu cetro uma grande parte da Europa, que ele governava, dizia, não como soberano, mas como simples delegado do Rei Jesus, o único Rei e Senhor.
Os Cruzados tomam Jerusalém – Émil Signol, séc. XIX. Palácio de Versalhes, França.
No dia de Natal do ano 800, Carlos Magno, rodeado da sua corte e de muitos bispos, orava em Roma na Basílica de Latrão. De repente, apresenta-se o Papa Leão III diante do grande chefe da Cristandade e coloca-lhe na cabeça a coroa imperial. Uma longa aclamação ressoou pela enorme basílica: “Viva Carlos Augusto, pacífico imperador dos romanos, coroado pelo próprio Deus!” O império cristão tomava o lugar do império pagão. Jesus, Rei dos reis e Senhor dos senhores, reinava sobre o mundo por Ele vencido.
Na véspera da Crucifixão, antes de entrar no Jardim das Oliveiras, dissera Jesus aos apóstolos: “Tende confiança, Eu venci o mundo” (Jo 17, 33). Decorridos oito séculos — oito séculos de perseguições atrozes — tinha realmente vencido o mundo.
Reinava num imenso império que se chamava Cristandade. Os reis prostravam-se diante do Monarca supremo. As suas leis baseavam-se no Evangelho. Os povos viviam da sua vida, esforçando-se por lhe reproduzir as divinas virtudes. A partir de Constantino, durante 1000 anos, a Europa cobriu-se de igrejas e de mosteiros onde ecoavam perpetuamente os louvores de Cristo Salvador.
Sob a inspiração de São Bento, Santa Escolástica, São Bruno, São Domingos, São Francisco e Santa Clara, multiplicam-se as ordens religiosas, verdadeiros viveiros de santos e de mártires, votados de corpo e alma à glória de Deus. E todos os vassalos de Cristo, reis, cavaleiros, sacerdotes, religiosos e simples fiéis, sábios ou ignorantes, cheios de fé e de amor, apesar das suas paixões, recitavam a mesma prece e trabalhavam para o mesmo fim. “Venha a nós o vosso Reino! — diziam eles — seja glorificado o vosso Nome no mundo inteiro e faça-se a vossa vontade, ó Mestre divino, assim na Terra como no Céu!”
Quando os muçulmanos se lançaram contra os fiéis de Cristo, ameaçando destruir os Santos Lugares, a cidade de Roma e a própria Igreja de Deus, encontraram por toda a parte, em França, em Espanha, em Portugal, em África e no Oriente, os cavaleiros da Cruz que, durante longos anos, ao grito de “Deus o quer!”, derramaram o seu sangue para defender o rebanho de Cristo e acabaram por derrotar em Lepanto o crescente maometano.
Ao mesmo tempo, seguindo o rumo traçado pelo heroico Infante de Sagres, legiões de zelosos missionários, atravessavam oceanos desconhecidos para juntar ao Reino de Cristo os novos continentes descobertos. E já saudavam a aurora do grande dia em que, segundo a profecia do Salvador, haverá um só rebanho e um só pastor.
Porém, esqueciam-se os cristãos daquela outra profecia do Salvador que, antes do seu completo triunfo sobre os seus inimigos e da sua segunda vinda à Terra, as nações cristãs, também haviam de passar por uma crise mais terrível que a perseguição dos imperadores romanos.
Com efeito, sucessivas revoluções a partir do Renascimento e da Reforma [a Revolução Protestante], prosseguiram com incrível tenacidade a descristianização da sociedade e dos indivíduos.
Com a Revolução Francesa e a Revolução Comunista houve quem quisesse destruir até os próprios fundamentos da civilização cristã e implantar na Terra um regime completamente igualitário, amoral e ateu.
Não tinha dito o Mestre na antevéspera da sua morte?
O mundo passará por uma tribulação tal, qual jamais se viu nem verá nunca outra semelhante. Deus lhe abreviará a duração por amor dos seus eleitos, porque naquele tempo se levantarão falsos cristos e falsos profetas, os quais se hão de assinalar com tais prestígios, que, se fora possível, induziriam a erro até os próprios eleitos.
E comentando São Paulo aos primeiros cristãos aquela palavra do Salvador, anunciava “que um mistério de iniquidade se formava na Igreja de Deus” (II Tess 2,7), isto é, heresias, cismas e seitas que conspirariam contra o Evangelho e a Cruz de Jesus.
Ele vê “surgirem, pelos fins dos tempos, inovadores, inimigos da doutrina sã, que voltariam as costas à verdade para aderir a todo tipo de erros” (II Tess 2, 3-4).
E então, dizia o apóstolo, viria a apostasia das nações, então aparecerá o homem de pecado, “o filho de perdição, o grande adversário que se levantará sobre tudo o que se chama Deus, até se sentar no Templo para se fazer adorar como único Deus” (II Tess 2, 3-4).
Juízo Final – Leandro dal Ponte, chamado Leandro Bassano (1557-1622). Museu de Arte de Birmingham, Alabama (EEUU)
Será esta a desforra do demônio e o último combate contra o seu vencedor, mas também a sua derrota suprema. “Com um sopro da sua boca, Jesus exterminará o anticristo” (II Tess 2, 7) e todos os sequazes daquele ímpio, testemunhas da sua queda, reconhecerão, enfim, o Homem-Deus e o proclamarão Rei dos reis e Senhor dos senhores.
São João assistiu, numa visão, à vitória do Triunfador. “Vi o Céu aberto — diz ele — e logo apareceu o Fiel, o Verídico, Aquele que julga e combate com justiça. Dos olhos dardejavam-lhe chamas; tinha na cabeça grande número de diademas e o seu vestido tinto no próprio Sangue. Chamava-se Verbo de Deus. Da boca saía-lhe uma espada de dois gumes com que fere as nações. E na orla dos seus vestidos liam-se estas palavras: ‘Rei dos reis e Senhor dos senhores’. E vi então a besta, o anticristo e os reis da terra com os seus exércitos concentrados para combater o Verbo de Deus. E foi apanhada a besta e com ela o falso profeta que na sua presença tinha feito prodígios de sedução que levaram os apóstatas a receberem a besta e a adorá-la. Ambos foram precipitados vivos no tanque de enxofre e fogo; os seus exércitos cairão sob a espada do vencedor” (Apoc 19, 11-21), enquanto os exércitos angélicos entoavam este hino de triunfo: “O reino do mundo tornou-se o Reino de nosso Senhor e do seu Cristo” (Apoc 11, 15).
Era a proclamação solene da Realeza de Cristo sobre todos os povos da Terra. Despertados com tais trovões e alumiados pelo Espírito Santo, reconhecerão os povos o poder soberano do Filho único de Deus. Ao ver como Jesus, com um sopro da sua boca, aniquilou aquele anticristo, aquele rei das nações, ao qual tinham tomado por seu messias, os judeus estremecerão ao lembrar-se do seu deicídio, entregar-se-ão de alma e coração ao Deus que crucificaram e tornar-se-ão os mais ardorosos propagadores do seu Reino. “Se a sua queda — diz São Paulo — foi ocasião de se converterem os gentios, que não fará o seu chamamento? Será como uma nova vida, uma ressurreição dentre os mortos” (Rom 11, 11-12).
Judeus e gentios, unidos na mesma fé e no mesmo amor, levarão o Evangelho a todos os povos que o Sol alumia. E todos cairão de joelhos ao pé da Cruz, adorarão Aquele que deu o seu Sangue pela salvação do mundo e, conforme a profecia do Mestre, haverá um só rebanho e um só pastor.
* Texto extraído do livro Jesus Cristo, Vida, Paixão e Triunfo, Augustin Berthe, Livraria Civilização Editora, Porto, 2000, pp. 358-380. [Os subtítulos foram inseridos pela redação].
Revista Catolicismo
262 artigosCatolicismo é uma revista mensal de cultura que, desde sua fundação, há mais de meio século, defende os valores da Civilização Cristã no Brasil. A publicação apresenta a seus leitores temas de caráter cultural, em seus mais diversos aspectos, e de atualidade, sob o prisma da doutrina católica. Teve ela inicio em janeiro de 1951, por inspiração do insigne líder católico Plinio Corrêa de Oliveira. Assine já a revista e também ajude as atividades do IPCO! Acesse: ipco.org.br/revistacatolicismo
Seja o primeiro a comentar!
Seja o primeiro a comentar!