No momento, você está visualizando “Bendizei ao Senhor todos os seus anjos, valentes heróis que cumpris suas ordens, sempre dóceis à sua palavra” (Sl. 102, 20)

Em nosso mundo tão materializado, os homens não creem mais senão naquilo que podem perceber pelos sentidos. Falar-lhes de Anjos é o mesmo que falar de fadas ou duendes. Entretanto, nunca a devoção aos Santos Anjos foi tão necessária como atualmente, quando o que resta de civilização cristã agoniza, e os atos de satanismo, velados ou declarados, têm todo direito de cidadania.

Nunca se viu uma onda de crimes tão horripilantes, de ataques terroristas que ignoram o valor da vida humana, de matança de inocentes pelas próprias mães no aborto, de imoralidade tão desbragada, que já se vive o amor livre. Até o pecado contra a natureza, que brada aos céus e clama a Deus por vingança, está sendo legitimado. Para não falar das modas, cujo alto grau de imoralidade as separa um só passo do nudismo completo.

Contudo, é preciso ressaltar que, a par do materialismo e do ateísmo reinantes em tantas almas e ambientes em nossos dias, nota-se também uma salutar reação, cada vez mais intensa e generalizada, a essas chagas da civilização contemporânea. O sentimento religioso e a crença em Deus e num destino eterno ganham sempre mais terreno, de modo especial no seio da juventude.

Outro sintoma desse renascer dos valores espirituais é o interesse pelo tema dos Anjos, o aumento da devoção aos puros espíritos, dos pedidos invocando sua intercessão, embora tal revivescência infelizmente se manifeste por vezes mesclada com superstições ou manifestações de ocultismo.

Devido à revelação primitiva, generalizou-se a crença nos Anjos

A palavra anjo deriva do grego, ángelos; em latim angelus, com o significado de mensageiro. A crença nos anjos não é exclusiva da Igreja Católica ou das religiões cristãs e judaica. Com efeito, como resquício da revelação primitiva, permaneceu em quase todas as religiões conhecidas a crença em seres intermediários entre os deuses e os homens, isto é, em anjos e demônios.

Assim, ela está presente nas religiões chinesa, bramânica, hindu, muçulmana, iraniana, babilônica, assíria, egípcia, celta, germânica, asteca, incaica e outras. Várias delas vinculavam também um anjo aos homens desde o seu nascimento. Para a Verdadeira Religião, a crença nos anjos é um dogma de fé. Ela o afirma no Credo, ao proclamar que Deus é criador de todas as coisas visíveis e invisíveis (“visibilium et invisibilium”) como são os anjos.

Muito mais perfeitos que os homens, inteligência inerrante

São Miguel Arcanjo – Portão da Prefeitura de Bruxelas. Foto: Frederico Viotti.

Os Anjos são seres puramente espirituais, dotados de inteligência, vontade e livre arbítrio, elevados por Deus à ordem sobrenatural. Isto é, eles foram chamados pela graça a participar na vida de Deus através da visão beatífica. Portanto, muitíssimo mais perfeitos que os homens, sua inteligência é inerrante e sua vontade imensamente poderosa.

Como não têm dependência nenhuma da matéria, seu conhecimento é muitíssimo mais perfeito que o do homem. Para eles, ver já é conhecer e compreender uma coisa em toda sua profundidade, em sua substância, e sem possibilidade de erro.

O homem poderia chegar a conceber a existência de Anjos

O mundo em que vivemos não se sustentaria se não fosse governado e mantido pelos Anjos, incumbidos por Deus da direção e manutenção do universo, das nações, instituições e pessoas que nele existem. Pois há fatos que a mente humana não pode explicar porque superam de muito a sua capacidade intelectiva. Como, por exemplo, o curso regular dos astros sem que haja entrechoques, das marés, ventos, chuvas etc.

Procurando uma resposta a isto, o homem poderia, pela simples razão, conceber a existência de uma natureza superior à sua, de puros espíritos responsáveis por essa manutenção. Ademais, uma análise detida do universo criado lhe mostra que, se não houvesse Anjos, faltaria um gênero de criaturas no mundo além das puramente materiais e das mistas (compostas de matéria e espírito como o é o homem).

Ora, isso é absolutamente necessário à perfeição do mundo, do contrário haveria uma falha. O que não se pode admitir, pois os Anjos são a obra-mestra de um Deus infinitamente poderoso e perfeito. Logo, esses puros espíritos precisam de existir para a própria perfeição do mundo criado.

A existência desses seres inteiramente espirituais (anjos e demônios) seria um problema insolúvel para o homem, se não houvesse uma revelação divina a respeito. E é somente por meio das Sagradas Escrituras e da Tradição que podemos ter certeza dessa realidade.

 Assim, ensina-nos a teologia católica, apoiada na Sagrada Escritura, que “em sua amorosa solicitude para com os homens, o Altíssimo colocou cada uma das coisas criadas, individual ou coletivamente, sob os cuidados de um espírito angélico, incomparavelmente mais perfeito do que os homens”. Esses seres celestes, invisíveis, imortais, “dotados de uma inteligência agudíssima e de uma possante vontade livre” dominam logo abaixo de Deus “sobre todas as demais criaturas racionais e irracionais, forças da natureza, elementos”[1].

Os Anjos, não tendo nenhuma dependência da matéria, seu conhecimento é muitíssimo mais perfeito que o do homem, pois para eles, ver é conhecer. E o ‘conhecer’ angélico é conhecer a coisa em sua substância, sem possibilidade de erro. Por isso a prova a que foram submetidos teve consequências mais imediatas e severas que a do homem. O querer, para eles, é um querer absoluto, sem volta atrás. Aquilo que quiseram, quiseram para todo o sempre. Daí também a eternidade do Inferno e do Céu.

Anjos em forma humana para nossa percepção

Algumas vezes, os Anjos, quando são enviados por Deus à Terra para alguma missão junto aos homens, assumem uma forma humana, a fim de se acomodarem à nossa natureza e atingirem assim nossos sentidos. Por isso, de ordinário, tomam a figura humana na sua expressão mais bela e mais pura: a criança com sua graça e candor; o jovem resplandecendo de força, de nobreza e de beleza. O mais das vezes aparecem com asas, como se lê nas Escrituras e atestam as legendas cristãs, para significar a sublimidade de sua contemplação e a prontidão com que executam as ordens de Deus.

Foi em geral desse modo que apareceram a muitos santos, como a Santa Gema Galgani, que tinha a presença de seu Anjo da Guarda visível para ela.

Entretanto, esses espíritos celestes, como ensinam São Tomás e todos os escolásticos, não informam esses corpos do modo como a alma informa os corpos vivos: eles os movem, mas não os animam. Eles estão nesse corpo forjado como um operário está na máquina que manobra, mas dando a impressão de que está vivo, e imitando os movimentos do homem. Como o operário fora do horário de trabalho não tem nenhuma ligação com a máquina que opera, assim o anjo, fora das missões a que foi destinado, não tem mais nenhuma relação com o boneco que formou.

Anjo da Guarda nos acompanha até nosso fim

         Logo ao nascer, o homem recebe de Deus um desses angélicos protetores. Esse Anjo o acompanhará durante a vida e, se tiver vivido segundo a Lei de Deus, depois que seu protegido for purificado no fogo do Purgatório e estiver pronto para ver a Deus face a face, o conduzirá ao Paraíso. Ou, caso contrário, se ele tiver sido surdo às suas inspirações e bons impulsos e se condenado para todo o sempre, abandoná-lo-á às portas do Inferno.

Com muita poesia, o Salmo 90 exprime toda a solicitude de Deus para conosco por meio do Anjo da Guarda: “O mal não virá sobre ti, e o flagelo não se aproximará da tua tenda. Porque mandou (Deus) os seus anjos em teu favor, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra (Sl 90, 10-12).

A crença na existência e atuação dos Anjos da Guarda está firmemente estabelecida na tradição cristã. Apesar de jamais ter sido definida como dogma de fé (é dogma de fé a crença nos anjos em geral, não especificamente nos Anjos da Guarda), não pode ser negada, pois se trata de uma doutrina universalmente aceita e sempre ensinada pela Igreja,[i] sendo tema de sua pregação ordinária, que impregnou profundamente o sensus fidelium, ou seja, a sensibilidade cristã, o instinto sobrenatural dos fiéis, ao longo dos séculos.

A necessidade de termos esta celeste proteção angélica nasce do fato de termos uma alma imortal, que um dia será companheira dos Anjos, ocupando um lugar ao seu lado em um dos tronos vazios deixados pela queda dos anjos rebeldes. Decorre também em virtude de nossa própria humana fraqueza.

Entusiasmado ante essa sublime realidade, o insuperável Doutor e Padre da Igreja, Santo Agostinho, exclama: “Oh caridade do Deus onipotente! Havia-nos dado o que se contém debaixo do céu; e, como se fosse pouco, dá-nos também o que está sobre o céu, fazendo com que seus anjos nos guardem e nos acompanhem neste caminho cheio de escabrosidade e precipícios[2].

No que é seguido pelo célebre pregador francês, Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704), Bispo de Meaux, que também exclama: “Ó cristãos! Crede não serdes associados senão com homens. Não pensais senão em satisfazê-los, como se os anjos não vos tocassem. Desenganai-vos. Há um povo invisível que vos é unido pela caridade. ‘Vós vos aproximastes da montanha de Sion, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste, e da multidão de muitos milhares de anjos’ (Heb 12,22). Um de sua companhia bem-aventurada está ligado especialmente à vossa conduta. E todos tomam parte em vossos interesses mais que vossos pais mais ternos, mais que vossos amigos mais confiantes”[3].

Função principal de nosso Anjo da Guarda

Juízo Final (detalhe: os Anjos acompanham para o Céu aqueles que se salvaram) – Fra Angelico (1395–1455). Gemäldegalerie, Berlim.

“A função principal do Anjo da Guarda é iluminar-nos em relação à verdade e à boa doutrina. Mas sua proteção tem também muitos outros efeitos, tais como reprimir os demônios e impedir que nos sejam causados danos espirituais ou corporais”. Eles “rezam por nós e oferecem nossas preces a Deus, tornando-as mais eficazes pela sua intercessão (Apoc. 8, 3; Tob 12, 12), nos sugere bons pensamentos, incitando-nos a fazer o bem (At 8, 26; 10, 3ss). Do mesmo modo, quando nos infligem penas medicinais para nos corrigir (2 Sam 24, 16): e — mais importante que tudo o mais — quando nos assistem na hora da morte, fortalecendo-nos contra os supremos assaltos do demônio”4.

E quem ousaria negar uma verdade ensinada pelo próprio Salvador? Aos seus discípulos, advertindo-os contra os escândalos em relação às crianças, diz: “Vede que não desprezeis a um só destes pequeninos, pois eu vos declaro que os seus anjos veem continuamente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10). Essas palavras deixam claro que mesmo as crianças pequenas têm seus Anjos Custódios, como também que estes anjos mantêm a visão beatífica de Deus ao descer à Terra para atender e proteger a seus custodiados.

Anunciação (detalhe) – Fra Angelico (1395–1455). Museu do Prado, Madri.

Maria: pela graça, superior a toda a milícia angélica

Um autor jesuíta (que escreve sob o pseudônimo de A.M.D.G.)5 faz notar muito bem que a própria Mãe de Deus foi submetida, como os anjos, a uma escolha espiritual radical. Ao convite do Arcanjo Gabriel, Ela poderia responder como os anjos maus, Non serviam — Não servirei! Ou, ao contrário, com um Sim. Abrasada do amor de Deus, Ela respondeu com um Fiat amoroso e total.

Por outro lado, São Tomás de Aquino, em seu comentário da Ave-Maria faz notar que, antes da Anunciação, não se tinha jamais ouvido dizer que um anjo se tivesse inclinado diante de uma criatura humana. São Gabriel, entretanto, o fez diante da Santíssima Virgem. Por quê? Se ele o fez ao saudá-La, é porque Maria, embora mera criatura, era-lhe superior por sua plenitude de graça, familiaridade com Deus, mas sobretudo por sua dignidade de futura Mãe de Deus. Fora Ela destinada a reinar no Céu, acima dos anjos e santos.

Portanto, é a Ela enquanto Regina Angelorum que devemos pedir que ilumine o nosso Anjo da Guarda sobre o que for mais necessário à nossa salvação e santificação. 


[1] Plinio Maria Solimeo, “Os Santos Anjos, Nossos Celestes Protetores”, Coleção Catolicismo n. 2,

Petrus/Artpress Editora (1997), p. 5.

[2] Dr. Luis Calpena y Avila, La Luz de la Fe en El Siglo XX, Felipe Gonzalez Rojas, Editor, Madrid, Imprenta, Litografía y Casa Editorial, 1880, t. III, p. 11.

[3] Jacques-Bénigne Bossuet, Sermão para a festa dos Anjos da Guarda, apud A.M.D.G., Les Anges de Dieu, amis des hommes.Disponível na Internet em http://www.spiritualite-chretienne.com/anges/ange-gardien/ref-09.html

[4] Plinio Maria Solimeo, op.cit.pp. 34-35.

[5] A.M.D.G., Les Anges de Dieu Amis des homes, Chapitre VIII: “Des Anges Gardiens”, Disponível na Internet em http://www.spiritualite-chretienne.com/anges/ange-gardien/ref-09.html

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