Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
10 min — há 9 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:48:43 PM
Após as mais desencontradas notícias a respeito do Sinodo da Família de 2015, o evento terminou com um documento ambíguo, que permite uma interpretação que contraria a doutrina católica abrindo as portas para a Comunhão aos divorciados e civilmente “re-casados (na realidade, adúlteros). O discurso final do Papa Francisco aumentou ainda mais a confusão ao afirmar que o Sinodo evitou “cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse”.
Estranha afirmação: então não se deve repetir as verdades da Fé por ser “fácil” fazê-lo e por terem já sido ditas? E como interpretar tal alegação à luz da incisiva exortação de São Paulo a Timóteo: “prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir” (2 Tim. 4:2)?
Tanto mais quanto estamos na situação em que o mesmo Apóstolo previa, ao exortar seu discípulo: “Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas.” (Idem 4:3-4).
Sim, a nossa época, mais do que nenhuma, exige a “repetição fácil” das doutrinas já ensinadas pela Igreja sobre o estado de pecado em que vivem os divorciados “re-casados” (objetivo estado de adultério) e os sodomitas pertinazes. É nessa repetição da doutrina constante que consiste a tradição da Igreja; e é assim que os sucessores de Pedro e dos Apóstolos: cumprem o mandato divino: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.” (Marc. 16:15).
Cardeal Kasper: “uma profunda teologia feita de joelhos”
O Papa Francisco, em seu discurso, não somente deixou de estabelecer a verdade face à confusão do documento sinodal, mas teceu duras críticas àqueles, entre os Padres Sinodais, que possuem “corações fechados,” que “se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja” sentando-se “na cátedra de Moisés” para julgar com “com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas.” Não é difícil ver que essas críticas se dirigem aos que, no Sínodo, defenderam a doutrina tradicional da Igreja em relação aos adúlteros.
Com efeito, o Papa tem manifestado inúmeras vezes sua admiração pelas teses dos inovadores, tanto em suas entrevistas como, mais especialmente, pelos repetidos elogios e apoio dado ao Cardeal Walter Kasper, líder inconteste dessa corrente, cuja doutrina Francisco chegou a qualificar como uma “profunda teologia … fazer teologia de joelhos.”[1]
Preocupante programa de reforma da Igreja
Se o que aconteceu no Sínodo é sumamente preocupante, talvez o sejam ainda mais o programa apresentado pelo Papa Francisco para uma total reforma da Igreja.
Discursando na cerimônia de comemoração do quinquagésimo aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos em 7 de Outubro de 2015, Francisco propôs-se implementar o processo de transformação da Igreja Católica numa “Igreja Sinodal”.
Examinando com atenção o referido discurso, vê-se que essa “sinodalização” da Igreja conduz a um abandono da estrutura hierárquica e monárquica da Igreja[2] e à adoção de formas igualitárias, nas quais o poder efetivo residiria na “base”, nos simples fiéis.
“Uma Igreja da escuta”
Segundo Francisco, “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta.” Isto é, em lugar da “Ecclesia docens” (a Igreja que ensina), teríamos uma “Ecclesia audiens (uma Igreja que “escuta”).
Como seria essa “Igreja da escuta”? O Papa Francisco diz que seria uma Igreja onde todos escutariam a todos: “Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas»” (Ap 2, 7).
Assim, a “Igreja da escuta” seria uma Igreja dirigida diretamente pelo Espírito Santo, à maneira pretendida pelas Igrejas Pentecostais, por meio de uma contínua locução do Paráclito, que apontaria os rumos e ensinaria as doutrinas diretamente a todo o “povo de Deus.”
A “Igreja sinodal” uma “pirâmide invertida”
Ora, se o Espírito dirige diretamente a Igreja e todos ─ desde o Papa aos simples fiéis ─ “ouvem” o que Ele diz e o comunicam uns aos outros — num diálogo permanente –, as doutrinas que se deve professar e os rumos que deve seguir a Igreja, cai por terra a noção tradicional da Igreja como sociedade perfeita, estruturada de maneira hierárquica e monárquica por instituição divina. Ela passaria a ser uma sociedade igualitária, uma sociedade de iguais.
Se todos são iguais, segundo a lógica democrática, o poder está na maioria, vem da base, do povo. E essa parece ser a concepção do Papa Francisco, o qual não hesita em dizer que “nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base,” lembrando os erros condenados do Febronionismo e do Sinodo Jansenista de Pistóia.[3]
A Igreja sinodal nasce da “base”
Falando sobre os organismos dos sínodos diocesanos ─ que ele afirma ser o “primeiro nível de exercício da sinodalidade” o Papa Francisco mostra o poder criativo da “base” da piramide: “Só na medida em que estes organismos permanecerem ligados a «base» e partirem do povo, dos problemas do dia-a-dia, é que pode começar a tomar forma uma Igreja sinodal.”
A “escuta” ao Espírito Santo, embora igualitária teria, entretanto, três níveis: em primeiro lugar, a escuta do povo de Deus; depois, a dos bispos; por fim, a do Papa. Esta última “escuta” seria mais intensa uma vez que, segundo o discurso de Francisco, a “escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como ‘Pastor e Doutor de todos os cristãos.’”, ao qual cabe “Pastor e Doutor de todos os cristãos.”
Não fica claro, entretanto, se essa função docente do Papa ele a receberia diretamente de Nosso Senhor ou se ela emanaria do processo coletivo de “escuta.” Se na piramide invertida o poder encontra-se na base, a segunda hipótese parece ser a mais provável.
Por outro lado, o termo “escuta” do Espírito Santo é muito ambíguo, pois sugere que Ele continua a “falar” como no tempo dos Apóstolos, ou seja que a Revelação oficial não estaria terminada e que os dogmas evoluiriam continuamente. Ambas as proposições constituem erros condenados por São Pio X na heresia Modernista.[4]
A Cabeça da Igreja não é Pedro mas o Colégio Apostólico?
Surpreende a afirmação do Papa Francisco de que “Jesus constituiu a Igreja, colocando no seu vértice o Colégio Apostólico, no qual o apóstolo Pedro é a “rocha.” e que o Papel de São Pedro é apenas o de “confirmar os irmãos,” como uma espécie de primus inter pares (primeira entre iguais).
As palavras de Nosso Senhor, transmitidas por São Mateus (16:18), não deixam, no entanto, dúvidas quanto a ser São Pedro individualmente, e não o Colégio Apostólico, a cabeça ou o vértice da Igreja: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.”
Toda a tradição da Igreja interpretou essas palavras no sentido de que Jesus confiou diretamente a São Pedro o cargo de Pastor Supremo da sua Igreja.[5]
Logo em seguida afirma o Papa:
Mas nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base. Por isso, aqueles que exercem a autoridade chamam-se «ministros», porque, segundo o significado original da palavra, são os menores no meio de todos.
Equilíbrio entre desapego interior e apreço pela pompa exterior do cargo
Francisco não distingue com clareza o aspecto interior, relativo à vida espritual do detentor autoridade na Igreja, do aspecto exterior, jurídico-institucional, que se refere ao exercício do múnus recebido de Cristo.
Dessa forma, a exortação de Nosso Senhor a Seus discípulos para que eles, ao contrário das autoridades pagãs, sejam mansos e humildes, como Ele mesmo (Mt 20:25-27), é aplicada num sentido jurídico-institucional, sugerindo que as autoridades eclesiásticas devem despojar-se de seu poder institucional, assim como das honras próprias ao cargo, para estabelecer um sistema igualitário na Igreja.
Não é essa a tradição da Igreja, nem foi como os inúmeros Papas santos conceberam o exercício da autoridade. Assim, São Pio X, que foi um exemplo acabado de humildade, mantinha o equilíbrio entre o desapego interior e o apreço pela pompa exterior que cercava o exercício de sua augusta função.
A humildade não se opõe à magnanimidade
Não existe contradição entre a verdadeira humildade e a magnanimidade, própria ao hierarca católico. Sobre a verdadeira humildade, assim explica o Pe. Pierre Adnès, no Dictionnaire de Spiritualité:
A humildade, diz o teólogo francês, “não torna o homem cego diante das qualidades, forças e poderes que estão nele. Ele sabe reconhecê-las, apreciá-las em seu justo valor e servir-se delas. Deste ponto de vista, pelo menos, a humildade não se opões à magnanimidade.” O humilde, continua ele, faz frutificar os dons recebidos mas relacionando-os sempre a Deus, fonte de todos os dons; quanto a si mesmo, “ele se considera como um servidor inútil.” [6]
“Implicações ecumênicas” da “Igreja Sinodal”
“O compromisso de edificar uma Igreja sinodal” diz Francisco, “está cheio de implicações ecumênicas”.
Uma dessas implicações está em considerar o Papa apenas como um primus inter pares, à maneira da concepção dos cismáticos orientais. Assim diz Francisco que na “Igreja sinodal”, o Papa é um “baptizado entre baptizados” e, “dentro do Colégio Episcopal, como bispo entre os bispos,” com a missão “guiar a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas.” Por isso, acentua Francisco, é preciso “pensar ‘numa conversão do papado’.”[7] Ele cita seu predecessor João Paulo II, o qual afirmou que era preciso encontrar um novo meio de exercer o Primado, “se abra a uma situação nova”.[8]
Lembremos, para concluir, a Profissão de Fé que o Segundo Concílio de Lião (1274) impôs a Michael Palaeologus:
Esta mesma Igreja Romana tem o sumo e pleno primado e princiapdo sobre toda a Igreja Católica que verdadeira e humildemente reconhece ter recebido com a pleniturde da potestade, das mãos do mesmo Senhor na pessoa do bem-aventurado Pedro, príncipe ou cabeça dos Apóstolos, cujo sucessor é o Romano Pontífice.[9]
Rezemos a Nossa Senhora, que em Fátima previu o castigo, caso o mundo não se convertesse, mas previu também o triunfo de seu Imaculado Coração, para que apresse essa vitória.
[1] Ainda recentemente, em sua visita à Igreja Luterana de Roma, respondendo a uma mulher protestante que queria receber a Comunhão na Igreja Católica, Francisco afirmou: “À pergunta sobre partilhar a Ceia do Senhor não é fácil para mim responder-lhe, sobretudo diante de um teólogo como o cardeal Kasper! Tenho medo!” http://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2015/11/15/0888/01982.html.
[2] Sobre o caráter monáquico da Igreja, ver, por exemplo, São Pio X, Carta Ex quo, Denzinger n. 2147a; Charles Journet, The Church of the Word Incarnate, Sheed & Ward, 1955, 422-423; Billot, Tractatus de Ecclesia Christi, 1927, v. I, 524ss.
[3] Cf. Denzinger 1500-1512.
[4] São Pio X, Decreto Lamentabili, n. 21, Denzinger, 2021; Idem, Motu Proprio Sacrorum Antistitum, “Juramento contra os erros do Modernismo”, Denzinger n. 245.
[5] Cf. Denzinger, Índice sistemático, III a.
[6] Pierre Adnès, Humilité, Dictionnaire de Spiritualité, s.v.
[7] Evangelio gaudium, 32.
[8] Ut unum sint, 25 de Maio de 1995, 95.
[9] Denzinger n. 466.
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