
O debate sobre o aborto no Brasil voltou a ocupar o centro das atenções após a recente manifestação do ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Tal posicionamento provocou surpresa em diversos ministros, especialmente porque, embora suas convicções pessoais fossem conhecidas, esperava-se que não interferisse diretamente nas ações em trâmite no tribunal. A decisão judicial revelou o protagonismo crescente do ativismo judicial em questões de fundo moral, muitas vezes contornando o debate legislativo e social.
O tema do aborto transcende a esfera jurídica e política: trata-se de um embate civilizacional entre a cultura da vida, fundamentada na moral natural e na tradição cristã, e a cultura da morte, denunciada por João Paulo II na encíclica Evangelium Vitae¹. A questão não é meramente ideológica, mas prática, afetando diretamente a vida de milhões de seres humanos inocentes e vulneráveis, e deixando profundas marcas na sociedade que normaliza a eliminação de vidas em formação.
A decisão de Barroso e o ativismo judicial
A posição do ministro Barroso ilustra a tendência contemporânea de deslocar do Parlamento para o Judiciário decisões que envolvem valores éticos e morais. Ao emitir seu voto monocrático, o ministro buscou estabelecer uma norma de caráter social e legislativo, sem a legitimidade que apenas o processo democrático poderia conferir. A decisão, além de técnica, tem forte carga simbólica, ao indicar que a descriminalização do aborto seria uma política de Estado, independentemente da vontade popular.
Essa iniciativa judicial encontra forte resistência entre os defensores da vida, que alertam para a gravidade de substituir a deliberação social e o debate legislativo por decretos judiciais que interferem diretamente na consciência e na moral da sociedade. Trata-se de um fenômeno que muitos teólogos e juristas consideram um desrespeito à ordem natural e à autonomia moral dos cidadãos.
A ação legislativa municipal

No âmbito legislativo, há forte reação contrária ao aborto, refletida em iniciativas como o PL 69/2025, aprovado pelo plenário da Câmara Municipal de São Paulo. O projeto, de autoria da vereadora Sonaira Fernandes (PL), com coautoria de Rubinho Nunes (União) e Ely Teruel (MDB), institui a “semana de conscientização sobre a síndrome pós-aborto”. Aprovado com 29 votos favoráveis e 9 contrários, o projeto ainda precisa passar por nova votação e sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O objetivo da iniciativa é conscientizar a população sobre as consequências psicológicas enfrentadas por mulheres após a realização de abortos. As ações devem ser realizadas na semana do dia 8 de outubro, data em que se comemora o “Dia Nacional pelo Direito à Vida”.
Movimentos feministas e organizações como “Católicas pelo Direito de Decidir” criticaram o projeto, alegando interferência religiosa em políticas públicas. No entanto, a defesa da vida não é somente uma questão religiosa, mas também um princípio ético e jurídico universal. A proteção do nascituro e da gestante vulnerável constitui dever do Estado, e políticas públicas que promovam a vida refletem o compromisso com os direitos fundamentais.
Movimentos contrários ao PL
Entre os grupos contrários ao PL estão o Coletivo Feminista e a ONG Católicas pelo Direito de Decidir. A respeito dessa associação, a CNBB emitiu nota esclarecendo que:
“Trata-se de uma entidade feminista, constituída no Brasil em 1993, que atua em articulação com parceiros nacionais e internacionais. Defende publicamente o aborto e distorce o ensinamento católico sobre a vida do nascituro; não é uma organização católica e não fala pela Igreja Católica.”
Doutrina católica e sanções canônicas
A Igreja Católica ensina que “desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos seus direitos de pessoa, entre os quais está o direito inviolável à vida” ². Nesse contexto, qualquer apoio, promoção ou execução do aborto é considerado moralmente ilícito. O Código de Direito Canônico prevê que “quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”³, atingindo não apenas quem realiza o ato, mas também os cúmplices conscientes, incluindo agentes políticos que promovem a prática.
O reconhecimento das sanções canônicas evidencia que o aborto não é apenas uma questão de legislação civil, mas também de responsabilidade moral e espiritual. A pena extrema da excomunhão tem caráter medicinal: visa despertar arrependimento, conversão e reparação, diante de um pecado que clama ao Céu por justiça.
A matança dos inocentes e o pecado que clama ao Céu
O aborto é considerado pelos teólogos um crime que repete simbolicamente a matança dos inocentes, narrada nos Evangelhos como a ação de Herodes contra crianças indefesas. Desde os tempos bíblicos, o sangue inocente clama a Deus desde a terra (Gn 4,10). O aborto, portanto, é mais do que um conflito político ou jurídico: é uma ferida moral profunda que afeta toda a sociedade. João Paulo II descreve esta situação como uma cultura da morte, que corrói os alicerces da civilização e da moralidade natural.

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira advertia que “quando uma civilização perde o respeito pela vida e pela inocência, ela prepara o seu próprio castigo”. A normalização do aborto representa um afastamento consciente da ordem natural e divina, e suas consequências espirituais e sociais não podem ser subestimadas.
Consequências psicológicas e sociais
Psicólogos especializados relatam que o aborto pode causar uma série de consequências emocionais. De acordo com a psicóloga Ana Cláudia Brandão, entre os efeitos mais comuns estão danos à autoestima, alterações no sono e apetite, pesadelos, desequilíbrios familiares, perda de sentido de vida e até tentativas de suicídio.
Estudos científicos corroboram essas observações. Uma revisão publicada no British Journal of Psychiatry (2011), com base em 22 estudos, concluiu que mulheres que fizeram aborto têm 81% mais risco de desenvolver doenças mentais, 34% maior probabilidade de ansiedade, 37% de depressão, 110% mais chance de desenvolver alcoolismo e 115% de tentarem suicídio.
Um estudo recente do Imperial College London, publicado no American Journal of Obstetrics & Gynecology, relacionou o aborto ao transtorno de estresse pós-traumático (TSPT), condição associada a experiências extremas como guerras ou acidentes graves. No Brasil, pesquisa da doutoranda Mariana Gondim Mariutti mostrou que mais da metade das mulheres que passam por aborto apresentam algum grau de depressão e baixa autoestima.
O tratamento das consequências do aborto envolve apoio familiar, acompanhamento médico e psicoterapia, segundo a psicóloga Vivian Maria Felice Moreno.
O desafio da sociedade contemporânea é proteger os inocentes
O debate sobre o aborto no Brasil é moral, espiritual, social e jurídico. A decisão do STF, as iniciativas legislativas e as reações sociais refletem um conflito entre dois princípios inconciliáveis: a Lei de Deus e o relativismo moderno. O Brasil, historicamente fundado sobre o sinal da Cruz – Terra de Santa Cruz – enfrenta a escolha entre a vida e a morte, entre a bênção e a maldição. Como adverte a Escritura: “Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e tua descendência” (Dt 30,19). O desafio da sociedade contemporânea é proteger os inocentes, respeitar a dignidade humana e restaurar a moralidade perdida.
¹ Evangelium Vitae, n. 12.
² Catecismo da Igreja Católica, n. 2270.
³ Código de Direito Canônico, cân. 1398.
