Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
13 min — há 3 anos — Atualizado em: 11/4/2021, 5:23:15 PM
Ana Ivanovna Abrikósova [foto], nascida em 1883, provinha de importante família de empresários da Rússia. Entre outras coisas, seu avô era o provedor oficial de bombons da Corte czarista. O infortúnio entrou em sua vida logo no seu nascimento, pois sua mãe faleceu ao dar-lhe à luz, e seu pai a seguiu apenas dez dias depois, minado pela tuberculose.
Contudo ela e seus quatro irmãos encontraram um novo lar na casa senhorial e acolhedora de seu tio Nikolai, que já tinha cinco filhos.
Família muito dotada, um dos irmãos de Ana, Dimitri, foi diplomata no tempo do czar, e em suas memórias afirma que, apesar de serem órfãos, tiveram uma infância feliz e cheia de carinho. Outro dos irmãos, Alexei, se tornou um médico famoso no mundo inteiro por ter sido o embalsamador do corpo de sanguinário comunista Lenin, tendo recebido vários prêmios na Rússia. Alexei, filho do outro irmão Nikolai, recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2003. Por sua vez Ana obteve em 1899 a medalha de ouro nos seus estudos no primeiro Liceu Feminino de Moscou.
Um fato que ela conta de seu tempo nesse Liceu mostra bem a que ponto a mentalidade revolucionária já penetrara até nos bancos escolares.
Ana afirma que: “Todos os dias, quando eu entrava na sala, as meninas dividiam a passagem e ficavam de lado para não roçar comigo quando eu passava, porque elas me odiavam como sendo alguém da classe privilegiada”.
Ela estudou depois durante três anos no colégio feminino Girton College, em Cambridge, do qual saiu antes de terminar os estudos para se casar em 1903 com Vladimir Vladimirovich Abrikósov, também membro da rica burguesia russa. Como muitos membros dessa aristocracia na época, o casal dedicou alguns anos em viajar pela Europa.
Nesse tempo, nem Ana nem o marido tinham religião, e se consideravam “livres pensadores”. Não negavam a existência de Deus, mas Ele estava fora do seu panorama de cogitações, pelo que mantinham relações com muitos intelectuais agnósticos e ateus.
Na Igreja Greco-Católica na Rússia
Visitando os belos monumentos da Cristandade em suas viagens pela Itália, França e Suíça, Ana teve muito contacto com os esplendores da fé católica. Como era leitora assídua, caiu-lhe em mãos o “Diálogo”, de Santa Catarina de Siena, e as obras de Henri Lacordaire. Suas leituras a levaram a se aproximar lentamente de Deus e da Igreja Católica.
De acordo com o historiador e escritor Padre Cyril Korolevsky:
“Durante a viagem, Ana estudou muito. Leu vários livros católicos. Ela gostou particularmente do Diálogo de Santa Catarina de Sena, e começou a duvidar cada vez mais da Igreja Ortodoxa Russa. Finalmente, ela se aproximou do pároco da grande e aristocrática Igreja da Madeleine [foto] em Paris, Abbé Maurice Rivière, que mais tarde se tornou bispo de Périgueux. Ele a instruiu e a recebeu na Igreja Católica em 20 de dezembro de 1908 […].
Surpreendentemente, especialmente naquela época, ele a informou que, embora ela tivesse sido recebida na Igreja com o Ritual Latino, canonicamente pertencia sempre à Igreja Greco-Católica. […] Aos poucos, ela conquistou o marido para suas convicções religiosas. Em 21 de dezembro de 1909, Vladimir também foi recebido na Igreja Católica.
Ambos pensaram que ficariam no exterior, onde teriam plena liberdade de religião […] Como sabiam que, de acordo com os cânones, eram greco-católicos, solicitaram a Pio X, por meio de um prelado romano, permissão para se tornarem católicos romanos (eles consideravam isso mera formalidade). Para sua grande surpresa, o Papa recusou abertamente […] e lembrou-lhes as disposições da [encíclica] Orientalium dignitas. Eles tinham acabado de receber essa resposta, quando um telegrama os convocou a Moscou por motivos familiares”.
A Orientalis dignitas, com efeito, que valoriza o testemunho da apostolicidade dos ritos orientais, encorajava os católicos orientais a permanecerem fiéis às suas tradições eclesiásticas, e proibia mesmo que houvesse influências latinizantes entre eles. Ora, sendo russos, Ana e Vladimir, pertenciam ao rito oriental, motivo pela qual foram considerados greco-católicos, e não latinos. Aceitando o fato como tal, e atendendo ao apelo da família, resolveram voltar para a Rússia, o que fizeram em 1910.
A respeito da Igreja greco-católica russa, que conserva as veneráveis tradições e ritos litúrgicos orientais, está unida à Igreja de Roma.
Explica a Wikipedia em português:
“A fundação da Igreja Católica Bizantina Russa deveu-se muito à inspiração do poeta e filósofo russo Vladimir Solovyov (1853-1900), que, baseando-se em Dante, exortou que, tal como o mundo precisava do Czar como monarca universal, a Igreja necessitava do Papa como o supremo hierarca eclesial universal.
Seguindo os pensamentos de Solovyov, um sacerdote ortodoxo russo, Nicholas Tolstoy, entrou em plena comunhão com a Sé de Roma” em 1905.
Aliás, a Igreja Greco-Católica russa já existia desde o século XVI, quando um patriarca ortodoxo aderiu a Roma. Mas essa Igreja ficou sob o controle dos czares. Seu governo desaprovava essa Igreja, e fazia contínuos esforços para agregá-la à igreja oficial do país, a mal chamada “Igreja Ortodoxa”. Por volta de 1839, o governo czarista conseguiu em grande parte da Ucrânia e Bielorússia essa submissão, e a Igreja Greco-católica permaneceu como tal apenas no território da diocese de Kholm.
Ora, ocorreu então que, exatamente no ano de 1905, o Czar Nicolau II [na foto, com a esposa, filhas e filho] concedeu liberdade religiosa no império russo. O que levou cerca de
233 mil fiéis da região de Kholm, que tinham sido forçados a aderir à Igreja Ortodoxa, aproveitassem o fato para abandonar a igreja oficial e voltar a ser católicos do rito oriental.
Entrada na Ordem Terceira Regular Dominicana – Voto de castidade
Em Moscou, a única igreja católica era a de São Luís dos Franceses. Lá o casal Abrikósov encontrou um grupo de terceiros dominicanos, e foram recebidos na Ordem Terceira de São Domingos pelo Frei Albert Libercier, O.P.. Essa paróquia continuou muito ativa, e como era ligada à embaixada francesa, nem mesmo depois foi fechada pelo regime soviético.
A casa dos Abrikósov se tornou então um ponto de encontro para a recém-refundada Igreja Greco-Católica Russa. O casal era muito apostólico, e fazia muitas amizades. Entre outras, convidavam para um chá vários jovens russos de elite para discussões religiosas, ocasionando que desse modo conhecessem a fé católica e aderissem à Igreja Greco-católica. Entre suas obras de caridade, ajudavam também as crianças pobres das famílias católicas.
No ano de 1913 Ana e Vladimir foram recebidos em audiência privada pelo Papa São Pio X, que os animou a continuar o trabalho que estavam realizando em sua pátria, mas sempre no rito oriental. Depois desse encontro, os Abrisokov decidiram fazer o voto de castidade, e passar a viver como irmão e irmã. Vladimir recebeu depois, em 1917, a ordenação sacerdotal no rito greco-católico, e tornou-se pastor desse rito em Moscou. Por sua vez, Ana fez os votos como religiosa dominicana com o nome de Madre Catarina de Siena e, com várias mulheres dos terciários seculares que se juntaram a ela, estabeleceram uma comunidade da Ordem Terceira Regular Dominicana na Rússia Soviética.
Nesse ano de 1917 foi criado o primeiro exarcado apostólico para os católicos russos com a nomeação do Pe. Leonid Feodorov, ex-seminarista ortodoxo russo, para o cargo. Porém, durante a Revolução de Outubro desse ano, os bolcheviques começaram a perseguir e aprisionar os católicos russos, mandando-os para a Sibéria ou forçando-os a imigrarem para países ocidentais. Em 1923 o próprio Pe. Leonid Feodorov, acusado de contra-revolução, foi mandado para um campo de concentração onde morreria em 1935. Ele foi beatificado em 2001 por João Paulo II.
O exarca Feodorov escrevera ao jovem casal Abrikósov: “Saúdo vossa casa como a uma igreja. Raras vezes se encontra gente tão jovem e devota que apoie a Igreja Católica”.
Início das perseguições
Durante o rescaldo da Revolução de Outubro, o convento de Madre Catarina foi colocado sob vigilância pela polícia secreta soviética.
Entretanto, apesar da conturbada situação com a ascensão dos bolcheviques, o pequeno convento perseverava. Mas a vida se tornou muito dura para as irmãs. A Irmã Filomena escreveu dessa época: “A fome e o sofrimento fizeram que a vida espiritual fosse mais profunda do que nunca entre nós. Ganhávamos algum dinheiro ensinando nas escolas e com esmolas”.
Em 1922, com a revolução praticamente consolidada, o regime soviético começou a se dedicar de forma sistemática à perseguição religiosa.
Tinha então ocorrido que o Pe. Vladimir Abrikósov havia convertido à verdadeira religião um conhecido ex-revolucionário, Dimitri Kuzmin Karavayev que, inspirado pela graça, começara a ler a Bíblia em 1917.
A conversão deste ex-revolucionário foi tão sincera, que depois ele se tornou também sacerdote greco-católico no exílio. Entretanto, o regime dos sem-Deus não perdoou Vladimir tão “grande crime”, e o condenou à morte. Contudo, depois resolveram expulsá-lo do país junto com outros 150 intelectuais no famoso “barco dos filósofos”, em setembro de 1922.
A eles e às suas famílias foi permitido só levarem roupa e objetos pessoais.
Pouco depois a Madre Catarina escrevia de Moscou ao Pe. Vladimir:
“Estou, no sentido mais amplo da palavra, sozinha com crianças seminuas, com irmãs que estão se esgotando, com um padre jovem, maravilhoso, santo, mas terrivelmente jovem, Padre Nikolai Alexandrov, que ele mesmo precisa de apoio, e com paroquianos desanimados e perplexos, enquanto eu mesmo espero ser presa, porque quando eles procuraram aqui, eles tiraram nossa Constituição e nossas regras”. Em outra ocasião ela afirmou: “Desejo levar uma vida sobrenatural única, e cumprir até o fim meu voto de imolação, pelos sacerdotes e pela Rússia”.
Ana, por ser considerada esposa de Vladimir, poderia ter partido com ele, mas decidiu ficar para cuidar de seu pequeno rebanho. Muito ativa, fundou então um colégio para sua paróquia. Sua personalidade contagiante atraía as crianças, como escreve a Ir. Filomena: “A Madre Catarina era adorada pelas crianças, e as adorava. Apesar do trabalho que tinha que realizar, nunca descuidou suas orações. Pelo contrário, parecia rezar ainda mais”.
A prisão entre celeradas
Os temores da Madre se concretizaram. Em 1923 a terrível Checa a deteve junto com nove irmãs do convento, por causa de seu trabalho com a Missão de Ajuda Papal à Rússia. Pouco antes de ser proferida sua sentença, ela disse às irmãs de sua comunidade: “Provavelmente cada uma de vocês, tendo dado seu amor a Deus e seguindo Seu caminho, em seu coração mais de uma vez pediu a Cristo para conceder-lhe a oportunidade de compartilhar seus sofrimentos. E assim é; o momento chegou. Vosso desejo de sofrer por Ele agora está sendo realizado”.
Ana foi aprisionada no cárcere de Butyrka [foto], para mulheres que haviam cometido delitos de roubo, prostituição, assalto, ou praticado qualquer tipo de violência. Escreve Irmã Filomena: “Este tipo de mulheres tratava mal e com ódio às detidas por delitos políticos. Com isso, fizeram com que sua estadia na prisão fosse ainda mais difícil.
Catarina, sem embargo, mantinha-se sempre tranquila, amigável e serviçal, ganhando as mulheres de sua cela e inclusive as de toda a prisão por sua grande bondade. Quando se inteiravam que Catarina estava passando no pátio em sua hora de passeio, as mulheres procuravam sair para tocá-la ou oscular-lhe a face”.
Em uma ocasião, conta ainda Filomena, uma mulher semi-desnuda e enferma chegou à cela que a Madre compartilhava com outras mulheres.
Como fazia muito frio, as detentas dormiam juntas para compartilhar o próprio calor. Mas nenhuma delas quis deixar a recém-vinda se deitar junto a si. “Catarina fez então um lugar a seu lado, no qual lhe permitiu deitar-se. As outras presas lhe disseram que a que chegara tinha sífilis, mas Catarina não se importou: ‘Se me contagio, me curarei no hospital”, apenas disse.
De 1924 a 1932 Catarina passou de prisão em prisão, enquanto sua saúde piorava. Numa das mais duras prisões para dissidentes políticos, a de Yaroslavi, ela foi completamente isolada do resto das presas, às quais só via durante curtos passeios. Durante estas horas teve a oportunidade de se encontrar com o Pe. Teófilo Skalshy, polaco, também presidiário, que se converteu em seu diretor espiritual.
Ao sair desta prisão, o Pe. Skalshy escreveu ao Pe. Vladimir Abikosov para lhe dar notícias de Ana: “Suporta seu encarceramento em mãos dos soviéticos com uma serenidade santa. Pese às horríveis privações a que se vê submetida, ela diz estar sempre preparada para seguir o caminho da cruz do Senhor. Ademais, ela me confessou que tem um tumor no peito, mas não se queixa. O doutor descobriu que tem câncer de mama, e a enviou a Moscou”.
Em Moscou ela foi transferida em maio de 1932 para a enfermaria da prisão de Butyrka para ser submetida a uma cirurgia. Nesta foi removido seu seio esquerdo e parte dos músculos das costas e do lado.
Com isso Ana não conseguia mais usar o braço esquerdo, e ficou semi-paralítica. Mas foi considerada curada do câncer. Foi quando Ekaterina Peshkova, esposa do escritor Maxim Gorky e chefe da Cruz Vermelha Política intercedeu junto a Stalin para garantir sua libertação alegando sua doença, e que sua sentença estava quase completa.
Peregrinação de prisão em prisão
Quando a soltaram no dia 13 de agosto de 1932, ela foi direto à paróquia de São Luís dos Franceses, onde foi recebida por Pie Neveu [foto], que era bispo clandestino desde 1926, muito vigiado, e sem capacidade de ação. Assim a Madre Catarina pôde comungar pela primeira vez em muitos anos. O bispo escreveu a Roma: “Esta mulher é uma pregadora genuína da fé, e muito valente. A gente se sente insignificante junto a alguém com esta estatura moral. Ela ainda não pode ver bem, e só pode usar a mão direita, pois a esquerda está paralisada”.
Mesmo semi-paralítica, a Madre Catarina não entregou os pontos.
Procurou restabelecer os laços com suas irmãs dispersas, escrevia cartas a elas, e se reunia com as que podia encontrar, mostrando-se sempre alegre e sorridente, apesar da enfermidade. Reunia-se também com os jovens dos círculos católicos e com os que a procuravam para orientação.
Assim a santa religiosa tinha vivido um ano em liberdade. Mas foi novamente presa pela terrível Checa no que foi chamado de “O caso da Organização Terrorista-Monarquista Contra-Revolucionária”. Apesar de enferma, semi-paralítica, quase cega, foi acusada de conspirar para assassinar Stalin, derrubar o Partido Comunista da União Soviética e restaurar a Casa de Romanov como uma monarquia constitucional, em conjunto com o “fascismo internacional” e a “teocracia papal”, em uma organização que seria dirigida pelo Papa Pio XI e o bispo Pie Neveu.
Ademais, os círculos católicos foram classificados de organização que planejava a restauração do capitalismo, e pleiteava que as fazendas coletivas fossem desmembradas e devolvidas aos seus antigos donos entre a nobreza russa e os kulaks. Durante seu julgamento, Ana Abikosóv afirmou: “Eu me considero a defensora de um partido cristão democrático, que tem como ideal realizar o parlamentarismo burguês democrático. O sistema soviético se exprime particularmente na política do terror, e na supressão da pessoa humana. Na União Soviética vigora a ditadura do Partido Comunista sobre o povo”. É óbvio que ela foi então sentenciada a oito anos de prisão no cárcere de Kostroma, onde se perdeu completamente todo contacto com ela.
Muitos anos depois se soube que ela tinha sido trasladada novamente para Burtyka, onde morreu de câncer em 1936, aos 53 anos de idade, depois de três anos de prisão em total isolamento. Seu corpo foi incinerado no dia seguinte, e as cinzas enterradas numa cova comum.
O processo canônico para analisar as virtudes da Madre Catarina foi aberto em Roma em maio de 2003, junto com outros quinze “Novos Mártires da Rússia”, sendo ela declarada “Venerável”, primeiro passo para a beatificação.
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Fontes:
– https://en.wikipedia.org/wiki/Anna_Abrikosova
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