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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Cães e filhos


filhos

Entre as múltiplas finalidades das janelas, as minhas têm servido para observar algumas confraternizações.

Um momento! Não me julgue precipitadamente, pois não tenho o mau costume de bisbilhotar os vizinhos dentro de suas casas. Numa sociedade civilizada, espera-se que o espaço doméstico seja privativo de quem nele habita. Só se deve interferir quando ali ocorre algum crime ou outros comportamentos lesivos à sociedade. Assunto do famoso filme Janela indiscreta.

Como já disse, não estou nessa, mas as boas normas tradicionais não me proíbem observar o comportamento de quem está na via pública, e tenho feito isso algumas vezes, seja através da janela ou não. Quem sai à rua, sabe que pode ser visto e observado. Se o seu procedimento ali é correto ou não, é decisão que lhe cabe, arcando naturalmente com as consequências. Entre as quais pode estar um comentário meu numa crônica despretensiosa, como pretendo fazer hoje.

Nos tempos remotos em que se aprendia pelo menos o bê-a-bá da educação, respeito, bons modos, civilidade, eu não precisaria dar exemplos. Mas estamos em plena era da infernet, televisão e outros “progressos” modernos, que dispensam coisas antiquadas como essas, então vamos aos exemplos.

Fim de campeonato de futebol, duas horas da madrugada, centro da cidade. Centenas de torcedores alegres pela vitória, outras centenas amargando a derrota. E o meu sono continua tranquilo, na total indiferença pelo motivo que gerou alegria em uns e tristeza em outros. De repente, uma saraivada de tiros debaixo da minha janela. Acordo sobressaltado, e me pergunto: Que será isso? Guerra de traficantes? Assalto? Terceira guerra mundial? Levanto-me e abro a janela para ver, afinal ela está ali para isso. Nenhuma catástrofe à vista, apenas foguetório da confraternização futebolística. E o meu sono, como fica? Penso em jogar alguns baldes d’água para esfriar o entusiasmo. Ou seria melhor telefonar para a polícia? Resolvo não correr os riscos inerentes a essas providências, e volto para a cama prevendo um sono tumultuado.

Tarde tranquila, poucos veículos, poucos transeuntes enquanto trabalho no meu escritório. Um carro estaciona, e da casa em frente sai uma mulher externando com todos os pulmões a sua alegria. Tão esfuziante, que decido esclarecer quem está chegando de longa viagem. Impossível reconhecer, pois a vizinha e o recém-chegado estão se abraçando do outro lado do carro. Espero com paciência, e peço ao leitor que aguarde comigo até tornar-se possível reconhecê-lo. Enquanto isso tecerei algumas considerações.

Os filhos sempre foram recebidos pelas famílias como uma bênção, e de fato o eram. Tanto maior a bênção quanto maior o número deles, daí as famílias antigas numerosas, com amplas ramificações para vários lados. Mas o que predomina nas famílias egoístas e tacanhas de hoje em dia é filho único; no máximo um casal, o que muitos já consideram exagero. Tendo eu nascido em família numerosa, posso testemunhar que meus pais tiveram, para educar a mim e aos meus irmãos, menos trabalho do que teriam se eu fosse filho único (e percebo agora como seria frustrante não ter os irmãos que tenho; eliminados talvez numa lata de lixo, como aborto, se minha família fosse como as de hoje…). Nas famílias numerosas, os filhos mais velhos repassam aos mais novos o que aprenderam, e os vão educando sob as vistas dos pais. Poupam-lhes assim as birras e imposições do ditadorzinho chamadofilho único.

Voltemos à minha janela, e talvez eu já consiga identificar o recém-chegado, que suponho ser um filho. Lá vai ele subindo a escada ao lado da vizinha. Curioso… ele tem… quatro patas! Ah, é um cachorro!! Nem pertence à vizinha eufórica, e sim à visitante, que agora contornou o carro e vai também subindo a escada.

Caro leitor, não estou exagerando, este é um fato real. E tão comum atualmente, que você mesmo já deve ter visto coisas do gênero. Perdi a conta das vezes que ouvi senhoras com boa aparência (e com apenas duas patas…) chamando o lulu de “filhinho”. Em crônica anterior (Soneto sem canicídio), narrei minha reação ante um lulu ocupando em um carrinho o lugar do bebê. Por mais que eu me esforce, nunca conseguirei entender famílias que trocam filhos por cães e tratam cães como filhos. Darwin deve ter explicado isso (ou terá sido Freud? Aliás, nem sei se eles explicaram de fato alguma coisa…), mas ninguém pode estranhar que eu ache estranho.

Não devo intrometer-me em assuntos íntimos, porém sempre considerei melhor alguém expandir o amor materno com quantos filhos conseguir, ao invés de substituí-los por cães. Nenhum insulto, ameaça ou agressão me fará mudar essa certeza, que muitos consideram retrógrada, ultrapassada.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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