Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 4 anos — Atualizado em: 9/15/2020, 4:55:24 AM
De todos os sublimes episódios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, um em especial me veio à mente ao observar os absurdos e incongruências em que vai afundando este nosso século.
A cena ocorre durante a Paixão, quando o Redentor se encontrava diante do Sinédrio. Imputando-Lhe os juízes os crimes de sedição e revolta, tentam forçá-Lo a uma confissão. Jesus responde que havia ensinado publicamente, bastando inquirir quem O ouvira pregar no Templo e na sinagoga. Nesse momento, um dos assistentes do conselho dá-Lhe uma bofetada, dizendo: “Assim respondes ao Pontífice?”. E teve de ouvir contrafeito a resposta magnífica, irretorquível: “Se falei mal, diga em quê. Se falei bem, por que me bates?”. Este simples argumento deixou evidenciada a flagrante contradição e injustiça do agressor. Uma denúncia direta, cortante, invencível.
Em alguns acontecimentos recentes registrados pelo noticiário, sigamos o exemplo do Divino Mestre apontando neles a contradição. Mas ressaltemos desde já que a posição contraditória, nesses eventos, não é de uma pessoa em particular, mas sim a do mundo moderno neopaganizado, cujos fundamentos e instituições decadentes nadam invariavelmente nas águas turvas da incoerência.
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O programa blasfemo “A primeira tentação de Cristo”, transmitido no final de 2019, provocou a indignação dos católicos de todo o País. Dentre seus múltiplos e deploráveis escárnios, Nosso Senhor é aí representado como homossexual. Uma batalha judicial contra e a favor do filme travou-se desde então até os fins de maio último, quando houve o arquivamento definitivo de quatro representações que contestavam a exibição do programa.1
O Ministério Público Federal (MPF), favorecendo o grupo “Porta dos Fundos”, criador do filme, assim se pronunciou: “O vídeo em questão foi publicado por produtora de vídeos de comédia conhecida nacionalmente e apresenta sátiras de personagens bíblicos, o que se enquadra na liberdade de expressão de seus autores e atores, sendo que a mera intenção de caçoar (animus jocandi) exclui o elemento subjetivo do escárnio”.
Em outras palavras, ninguém deve se sentir ofendido em seus sentimentos cristãos, diante daquelas burlas proferidas contra o Redentor, pois a intenção dos autores foi apenas “fazer brincadeira”. Consequentemente, promover chacotas à Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo tornou-se algo legitimado pelo MPF. Ainda conforme a decisão do Ministério Público, a encenação do “Porta dos fundos” se reveste unicamente de “liberdade de expressão”, não houve qualquer ato “malévolo” de escárnio.
Conforme a doutrina da Igreja Católica, o pecado de homossexualidade “brada aos Céus e clama a Deus por vingança”. Porém, a seguirmos a “lógica” do MPF, não há razões para tolher a “liberdade de expressão” de eventuais galhofeiros, mesmo que os católicos se sintam injuriados em sua “identidade de cristãos” quando alguém apresenta Nosso Senhor como praticante de homossexualismo. No fundo, vislumbra-se na decisão do MPF uma espécie de decreto impositivo: Calem-se, católicos, e ouçam impassíveis as injúrias ao seu Deus! Apresentar ‘sátiras de personagens bíblicos’ é normal, ninguém pode reclamar disso!
Passemos a outra sentença, também emitida no final de maio de 2020. A Justiça obrigou a Fundação Palmares a retirar de seus canais de comunicação alguns textos escritos contra a figura do líder negro Zumbi dos Palmares.2
De acordo com a juíza Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, “a permanência dos artigos questionados no sítio institucional da Fundação Cultural Palmares ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro e viola o direito à identidade, ação e memória da comunidade negra e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade”.
Neste caso, como afirma a juíza, houve uma agressão à “identidade”, ao “sentimento” da comunidade negra. No que se refere à imagem de Zumbi dos Palmares, portanto, não há direito à “liberdade de expressão”. Se aplicarmos as palavras da juíza ao programa blasfemo inventado pelo “Porta dos Fundos”, podemos perguntar: Atingir, zombar, achincalhar a figura de Jesus Cristo não representa “ameaça ao patrimônio histórico-cultural brasileiro”?
A contradição das duas decisões é evidente: a comunidade negra tem direito à preservação de sua identidade, e justifica-se proibir o ataque à imagem de Zumbi dos Palmares, referência simbólica dessa mesma identidade. Mas a pessoa de Jesus Cristo, símbolo máximo do sentimento cristão e um poderoso alicerce da unidade nacional, pode ser escarnecida à vontade, segundo o Ministério Público Federal. Não gozam os cristãos do direito de ter a sua identidade preservada?
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Passemos à análise de dois outros eventos. A pandemia do coronavírus fez com que vozes oficiais e extraoficiais de todo o mundo se unissem numa só meta: “salvemos vidas”. Qualquer determinação neste sentido devia ser acatada, sem possibilidade de contestação ou ponderação. Houve aplausos até para decisões as mais incongruentes, como a suspensão de vacinas para crianças ou a obrigatoriedade do confinamento radical de populações inteiras, com suas perigosas consequências.3
No Reino Unido, uma das regiões mais atingidas pelo contágio, o governo tomou medidas drásticas, impondo quarentenas e pesadas restrições, sob o pretexto de “salvar vidas”. Porém, como bem apontou o bispo de Shrewsbury, Monsenhor Mark Davies,4 [foto ao lado] as autoridades inglesas deveriam rever seu conceito de “valor da vida humana”. O prelado denunciou que o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido havia decretado novas normas para facilitar o “aborto domiciliar” durante a crise da pandemia. Com apenas um telefonema e uma receita médica, a gestante estaria livre para autoinduzir o aborto.
A incoerência é gritante: ações das mais disparatadas para “salvar vidas”, na luta contra a Covid-19; e ao mesmo tempo, favorecimento do “extermínio da vida” dos bebês indefesos nos ventres maternos!
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Voltemos ao episódio da Paixão de Nosso Senhor, lembrado no início deste artigo. A Escritura não narra que atitude tomou aquele agressor após a magnífica resposta de Jesus. Provavelmente esse ímpio reduziu-se ao silêncio, pois lhe era impossível dar qualquer resposta de valor. Quando a contradição é evidenciada, só há duas possibilidades para quem a proferiu: admitir seu erro ou silenciar.
Se quisermos ser católicos verdadeiros, procuremos sempre denunciar as contradições do nosso século, forçando desta maneira os agressores a retratar-se ou a silenciar. Assim estaremos agindo como o Divino Mestre diante da agressão injusta.
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Notas
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