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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Deus glorioso num mundo deprimente


Semana SantaUm leitor da minha última crônica (Deus-Rei num mundo sem reis) declarou-se impressionado com a revelação de que a forma como se organiza e atua um governo pode elevar as pessoas no conhecimento e adoração de Deus; ou conduzi-las ao caminho apregoado pelos inimigos de Deus. Sugere que eu trate mais do assunto e em profundidade, pela grande utilidade prática no aprimoramento da sociedade.

Agradeço os comentários do leitor, mas confesso-me um tanto surpreso com o qualificativo de “revelação”, pois o que escrevi é matéria muito desenvolvida em tratados de sociologia sérios. Quanto a abordar o assunto em profundidade, lamento ser impossível reduzir às cerca de mil palavras de uma crônica as teses de livros inteiros, como os de Taparelli d’Azeglio, Albéric Belliot, José María Llovera, Irineo González Moral, Victor Cathrein, Gioacchino Ventura di Raulica, Henri Delassus, Fustel de Coulanges. Procurarei atender de alguma forma o pedido do leitor, mas concisamente, como costumam ser estas crônicas.

Nossa alma recebe influências do mundo que nos rodeia. Influências boas nos aproximam de Deus, e as más nos afastam d’Ele. Chama muito a minha atenção no Evangelho a reação dos três apóstolos quando Cristo se transfigurou diante deles no Tabor. Mesmo tendo convivido com o Mestre, e ouvido tantas vezes a pregação d’Ele, a ideia que lhes veio foi construírem ali três tendas para permanecerem adorando-O. Era tão grande o esplendor, tão grandiosa a cena, que se esqueceram das necessidades terrenas. Bastava-lhes contemplar o Mestre, e tudo estaria resolvido. Grandiosidade, beleza, esplendor elevam a alma e a fazem esquecer o corpo.

Suponho que você já tenha lido sobre santos que se afastaram das realidades do mundo, levaram vida mística de tal modo absortos em Deus, que até dispensaram alimentos materiais, sem os quais passaram grande parte da vida. Nisso atenderam a um chamado especial de Deus. Não era este, aliás, o chamado de Jesus para os apóstolos que propunham as três tendas; a missão deles era outra.

Legende-doree-postugues

É muito conhecida a narrativa do livro Légende dorée sobre o monge medieval desejoso de ter uma antevisão das delícias do Céu. Enquanto meditava em um bosque, apareceu-lhe um anjo com um instrumento musical e tocou uma única nota. Quando voltou ao mosteiro, já se haviam passado duzentos anos, e os monges de então não o reconheceram. Jacques de Voragine não discute a veracidade da sua narrativa, apenas transcreve o que se conhecia na sua época, servindo de imagem para entendermos a beleza que poderá inebriar nossa alma no Céu durante toda a eternidade.

Talvez eu o surpreenda, mas a tal nota musical do anjo não me convence, não me sinto atraído por uma nota única, com duração de duzentos anos, por mais bela que seja. Mas posso garantir que eu permaneceria horas a fio ouvindo e reouvindo os quinze concertos de Handel para órgão e orquestra. Tanto eles me atraem, que estou falando de experiência pessoal, de fato já fiz isso.

É comum as pessoas ficarem embevecidas com coisas que presenciam – uma música, um panorama, um pássaro, uma flor – e se esquecerem do tempo. A menos que o corpo exija sua parte de atenção, quem admira algo assim pode permanecer horas enlevado, absorto, sem se dar conta do que o circunda. Não é um privilégio de pessoas de grande instrução. Pelo contrário, como indicou o carnavalesco na sua alfinetada sobre preferências populares: O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual. Luxo, beleza, grandiosidade, tudo pode enriquecer as almas. Até no carnaval, mesmo não sendo o ambiente carnavalesco propício a elevações.

As pessoas poderiam formar uma imagem elevada e enlevada de Deus, se o que é bom fosse realizado e enaltecido; o que é belo fosse admirado e requintado; o que é honesto fosse louvado e estimulado; o que é maior fosse reconhecido e apoiasse o menor. Em suma, se tudo apontasse para o alto, o bom, o grandioso, o esplendor. Não digo nenhuma novidade, afirmando que o mundo seria muito melhor, mais agradável nossa vida, se todos praticassem os mandamentos e os conselhos do Evangelho.

Também não ignoro que o mundo não é assim, está bem longe disso. Nem me considero pessimista, constatando como triste realidade nosso distanciamento cada vez maior desse padrão ideal. Apenas para exemplificar, pergunto-lhe se consegue elevar sua alma a Deus enquanto na sua proximidade se expelem ritmos modernos tipo bate-estaca, coisas abomináveis como rap, rock e tantos outros ruídos desagradáveis, enervantes, estressantes. Quando esta minha pergunta recebe uma resposta afirmativa, imagino-a formulada por quem está se afastando de Deus e deixando-se atrair pelos inimigos de Deus. Não está sendo elevado, e sim rebaixado, degradado.

No tempo em que o Domingo correspondia ao significado etimológico (dia do Senhor), todos usavam roupa melhor, conhecida como roupa de ver Deus. Você vestiria jeans desbotado e rasgado para comparecer diante de uma autoridade? Acha sensato usar andrajos assim na Missa de Domingo? Não lhe estou propondo usar roupas de grife, isso poderia transformar-se em mero exibicionismo; e não o colocaria sob uma campânula, que o isolasse das coisas deprimentes deste mundo. Algumas roupas são adequadas para ver Deus ou alguma autoridade. Outras, de outro gênero, nos colocam em condições para comparecer diante do Supremo Juiz.

Fatores deprimentes predominam hoje em quase todos os recantos da sociedade, tornando-a inóspita para a figura de Deus glorioso. Não aderir a essa decadência, levar uma vida digna em todos os seus aspectos exteriores e interiores, é uma contribuição segura para reverter essa situação. Cabe a você e a mim participar desse esforço. E a recompensa, Deus glorioso a semeará em torno de nós.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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