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Efeméride sepultada

Ignorar o manifesto de 1964 é ocultar os erros da reforma agrária e negar o papel do agronegócio no progresso econômico brasileiro.

Por Péricles Capanema

7 minhá 2 minutos


Efeméride sepultada

Ligas Camponesas

Índice

  1. Manifesto ao povo brasileiro.

Manifesto ao povo brasileiro.

Efeméride é data para ser festejada, merece atenção, respeito e recordação. A efeméride da qual vou falar, não está no foco; nunca esteve, parece; para infelicidade nacional. Permanece esquecida, injusta e funestamente soterrada. Talvez o presente artigo seja sua única e modesta lembrança. Não importa. Pelo valor intrínseco, deveria ser recordada.

Com raiz em especial no senso de justiça, minha função hoje é uma só: tirá-la de esquecimento perverso e imerecido; mais no ponto, enormemente prejudicial ao interesse público. E vou arrancá-la de olvido descabido utilizando um recurso apenas, aliás singelo; alinhar citações que remetem à data e ao fato.

Sessenta anos atrás, em 24 de dezembro de 1964, a então jovem TFP, por meio de sua direção, à frente da qual se destacava o prof. Plinio Corrêa de Oliveira, cumpria “dever sagrado”, palavras suas, “em meio a silêncio completo” e divulgava seriíssimo documento intitulado “Manifesto ao povo brasileiro sobre a Reforma Agrária” (está na rede, texto extenso, convincente, com provas incontroversas), estampado em grandes órgãos de divulgação da época.

Este manifesto nunca deveria ser esquecido; é farol; precisaria estar aceso, vem sendo mantido apagado por incúria ou ardil de tantos. Dos dezenove valorosos e beneméritos brasileiros que firmaram o mencionado documento, quinze já nos deixaram, quatro ainda estão entre nós, merecedores de nossa gratidão, meritoriamente arvorando a mesma doutrina e o mesmo zelo pelo bem comum que os levou há mais de meio século a bradar pelos jornais advertência luminosa, que necessitaria, repito, sempre ecoar ampla. Seus nomes: Caio Vidigal Xavier da Silveira, Celso da Costa Carvalho Vidigal, Eduardo de Barros Brotero, Plínio Vidigal Xavier da Silveira.

Sintonia com as correntes janguistas.

Em novembro de 2023, o ministério do Desenvolvimento Agrário, órgão lulista, e o INCRA, sob influência direta do extremismo agrário, lançaram o projeto comemorativo “60 anos do Estatuto da Terra”. Celebravam a edição do Estatuto da Terra.

Sua elaboração não ignora os debates em torno da necessidade da distribuição de terras que remontam à década de 50, à formação das ligas camponesas, até à própria proposta do governo deposto de João Goulart, integrando as “reformas de base”.
Texto do MDA sobre o Estatuo da Terra

O texto indica a utilidade do Estatuto da Terra para a promoção da distribuição de terras (feita na prática em geral sob a imposição da demagogia extremista). Mostra ainda, não ignorou (acolheu, de fato) o programa das correntes que apoiavam Jango, bem como ecoava a campanha fortemente esquerdista das reformas de base.

Tudo é verdade. Verdade ocultada e calada na época, mas proclamada com análise objetiva e irretorquível pelo manifesto da TFP. Daí vieram 60 anos de agitação e insegurança no campo, com sequelas de pobreza, exclusão, retrocesso e atraso. E,, com base no Estatuo da Terra, ainda poderemos esperar, para desgraça nossa, mais agitação e insegurança no campo.

Silêncio estranho.

O manifesto notava que diante de fato gigantesco, legislação de viés fortemente intervencionista e confiscatório, que marcava o começo efetivo da reforma agrária no Brasil, o estranho e completo silêncio da opinião pública:

“Antes do mais, é necessário um esclarecimento sobre o significado do silêncio estranho em que a opinião pública presenciou a aprovação da reforma agrária”.

Repetição do projeto do governo deposto.

O texto lembra o clima até então há pouco dominante no Brasil:

“Todos temos na memória com quanta vitalidade, com que ardor se dividiram, meses atrás, as correntes de pensamento, os partidos políticos, as organizações de classe, no debater os prós e os contras da reforma agrária proposta pelo então Presidente João Goulart.

Chegou-se mesmo a afirmar na imprensa que os marcos divisórios entre os partidos políticos haviam desaparecido, só restando dois campos, o dos adeptos e o dos opositores da reforma agrária (já então tomada essa expressão só no mau sentido socialista).

Agora, em face da emenda constitucional nº 10 e do Estatuto da Terra, que em substância repetem o projeto do governo deposto, a vida e o ardor de há pouco parecem não mais existir.”

E observa: “Com o apoio das bancadas janguistas, os representantes das correntes que depuseram Jango fizeram através da aprovação da emenda constitucional e do Estatuto da Terra a "reforma" que Jango queria”. Mostra que foram o cansaço da luta pública, a tranquilidade causada pelo novo governo, a absorção nas atividades privadas as causas principais da apatia do púbico, como veremos logo a seguir.

O Estatuto da Terra em substância significou o triunfo do projeto janguista. O texto do manifesto é contundente: afirma sem rebuços, não há diferença substancial entre o que foi aprovado (Estatuto da Terra) e o que propunham as forças coligadas em torno do presidente João Goulart. Por que agora a reação era pífia?

O manifesto continua: “Trata-se de um arrefecimento geral, que atingiu todos os setores da opinião pública sem discriminação e se manifestou de modo flagrante, não só no marasmo dos adversários do agro- reformismo, como na tibieza dos aplausos convencionais de quase todos os que, sendo agro reformistas, tinham diante de si a tarefa sempre grata e atraente de bater palmas a uma medida desejada com todo o afinco pelo alto”.

No final, conclui: “A perspectiva em que as circunstâncias nos colocam constitui para o Brasil uma verdadeira encruzilhada, a mais grave de sua história”.

Sessenta anos depois.

Foi exagerado o texto acima do qual conhecemos aqui pequenos extratos? Não. Previu com objetividade a desgraça que se armava. Que continua. Todo o processo demolidor da reforma agrária brasileira ao longo das décadas se fez com base no Estatuto da Terra.

Nenhum estudo sério sobre a tragédia que foi (e continua sendo) a implantação da reforma agrária no Brasil, por honestidade intelectual, poderia deixar de lado o manifesto ao qual aludo.

A reforma agrária já expropriou mais que a soma das áreas de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Recordo entre a multidão das provas, alguns dados atuais (hoje são piores), postados por mim em 13.3.2022 (blogdopericlescapanema, artigo “Cachaça venenosa”):

“Desde o Estatuto da Terra, 30 de novembro de 1964, do governo Castelo Branco, nunca parou, desembestada a esbórnia com o dinheiro público. Na prática, ninguém mexe nesse tumor de estimação. O INCRA, em seu site, informa a área total dos assentamentos: 87.535.596, isto é, 875.355 km2. Área de Minas Gerais: 586.528 km². Área do Rio Grande do Sul: 281.730 km2. Vamos somar as duas áreas, a de Minas e a do Rio Grande, 868.250 km2. A soma é menor que a área expropriada para fins de reforma agrária. Área utilizada pelo agronegócio no Brasil que torna o país uma das potências mundiais na agricultura: em torno de 650 mil km2. Também muito menor que a área esperdiçada ou malgasta na reforma agrária”.

Para quê? Para torrar dinheiro público, alimentar burocracia, favorecer corrupção, manter baixíssimos níveis de produtividade, convém lembrar e repetir.

Alertas de Xico Graciano.

Xico Graziano, um agredido pela realidade, engenheiro agrônomo, ex-secretário da Agricultura de São Paulo, ex-presidente do INCRA, em artigo já antigo (3 de maio de 2004) na Folha, apontava disparates em série da reforma agrária brasileira (renovou em anos recentes suas advertências):

“Os latifúndios se transformaram em empresar rurais. A terra, antes ociosa, agora bate recordes de produtividade. Gente simples, porém capaz, domina a tecnologia de ponta e dá show de competência. Cadê o sem-terra? Mudou-se para a cidade.

O Brasil cresceu, urbanizou-se, virou potência mundial agrícola, sem necessidade de reforma agrária. A terra está produtiva, gerando milhões de empregos. Gente boa, miserável, mistura-se aos oportunistas e malandros para ganhar um lote nos assentamentos. Iludidas com promessa de futuro fácil, massas são manipuladas e treinadas para invadir fazendas e erguer lonas pretas.

A classe média se apieda, enquanto a burguesia, assustada, apoia veladamente. Imaginar que um pobre alienado, sem aptidão nem cultura adequada, possa se tornar um agricultor de sucesso no mundo da tecnologia e dos mercados competitivos, significa raciocinar com o absurdo. Abstraindo os picaretas da reforma agrária, que engrossam as invasões, os demais, bem-intencionados, dificilmente sobreviverão”.

Roubalheira, baixíssima produtividade, sorvedouro de dinheiro público. Adverti no referido artigo: “Temos ainda vários documentos do TCU advertindo sobre a execução escandalosa da reforma agrária no Brasil. Lembro-os, mas não os glosarei aqui. Em resumo, a reforma agrária sempre foi aliciante, mas venenosa cachaça, sorvida em grandes haustos por todas as condições sociais. Se nada houvesse de reforma agrária no Brasil (zero), como é o caso em dezenas e dezenas de países, a situação no campo estaria muito melhor, haveria mais renda, teríamos mais empregos e mais investimentos, maior produtividade, menos pobres; e ainda existiria dinheiro para obras de infraestrutura, saúde, educação ▬ foi torrado irresponsável e euforicamente no processo de reforma agrária. Seria normalíssimo a instauração de uma CPI para investigar a reforma agrária no Brasil. É claro que nunca será instalada”.

Aviso largamente desconsiderado.

Sessenta nos depois, que pelo menos fique claro um ponto. Houve pessoas, brasileiros de escol, que tentaram deter a tragédia. Bradaram, esclareceram, trabalharam, sofreram incompreensões, mas o juízo da História e sobretudo o tribunal divino a eles farão justiça. A nós cabe o conhecimento do fato, sua recordação e a gratidão. Está feito o registro.

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Péricles Capanema

Péricles Capanema

184 artigos

Analista político e colaborador do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

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