Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
"A bênção de uma realidade que se opõe à criação não só não é possível, mas constitui uma blasfêmia." (Cardeal Gerhard Müller)
23 min — há 9 meses — Atualizado em: 2/28/2024, 1:05:51 PM
Papa Francisco
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 878, Fevereiro/2024
"A confusão em relação ‘Fiducia Supplicans’ era previsível”, assevera Dom Joseph Naumann, bispo de Kansas City: “Ativistas dos direitos dos homossexuais dentro e fora da Igreja têm exigido a bênção da Igreja para as uniões entre pessoas do mesmo sexo como um passo necessário para que a Igreja finalmente se adapte à cultura e abrace o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
Ele se refere à Declaração publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé no dia 18 de dezembro último, com a assinatura de seu prefeito, o Cardeal Victor Manuel Fernandez. A Declaração afirma, de fato, que “é possível abençoar os casais em situação irregular e os casais do mesmo sexo, numa forma que não deve ser fixada ritualmente pelas autoridades eclesiais, para não criar confusão com a bênção específica do sacramento do matrimônio” (n° 31).
Como suposto indicador dessa diferença, o texto faz uma precisão: “esta bênção nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união, nem mesmo em conexão com eles. Nem com roupas, gestos ou palavras próprias do casamento” (n° 39), devendo ser pedida de maneira espontânea, “durante as peregrinações, nos santuários ou mesmo na rua quando encontram um sacerdote” (n° 28).
Acontece que, em março de 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida pelo Cardeal espanhol Luis Ladaria, tinha condenado peremptoriamente tais bênçãos, sob a forma de resposta a um dubium de um bispo, que perguntava: “A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?”. O Responsum afirmou enfaticamente que, “quando se invoca a bênção sobre algumas relações humanas, é necessário – além da reta intenção daqueles que dela participam – que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor”.
Por tal motivo, concluía que “a Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo”, posto que “não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”. Cabe destacar que o comunicado oficial traz o seguinte parágrafo final: “O Sumo Pontífice Francisco, no curso de uma Audiência concedida ao abaixo assinado Secretário desta Congregação, foi informado e deu seu assentimento à publicação do mencionado ‘Responsum ad dubium’, com a Nota explicativa anexa”.
Como é possível que, apenas dois anos e meio mais tarde, o Prefeito desse mesmo dicastério, com a assinatura do Papa Francisco, diga exatamente o contrário?
Mesmo reconhecendo explicitamente que o ensino tradicional só permite bênçãos de “coisas, lugares ou circunstâncias que não contradizem a norma ou o espírito do Evangelho” (Fiducia Supplicans, n° 10, citando o ritual romano), a Declaração do Cardeal Fernandez se serve de quatro subterfúgios falaciosos para contornar o Responsum anterior:
Em primeiro lugar, pretende que o Papa Francisco fez uma ampliação do conceito teológico-pastoral de bênção, criando uma nova categoria que tem sido chamada de “bênção pastoral”, a qual não requereria, como as “bênçãos litúrgicas”, uma “perfeição moral prévia” daquele que a solicita. A falácia está em que, mesmo para dar as bênçãos tradicionais, a Igreja jamais exigiu a perfeição moral e nem sequer o estado de graça (por exemplo, no fim da missa o padre dá a benção a todos os presentes, alguns dos quais podem estar em pecado mortal). Mais ainda: as bênçãos entram na categoria teológica dos sacramentais; ora, todos os tratados de Teologia Moral ensinam que os sacramentais, como as cinzas ou a água benta, podem ser ministrados até aos não católicos, se os pedem com boa disposição.
Em segundo lugar, Fiducia Supplicans pretende que abençoando os casais irregulares e homossexuais não se estaria abençoando a união pecaminosa, porque “não se pretende legitimar nada” (n° 40). A falácia está em pretender distinguir o casal da união, sendo que aquilo que faz com que um casal seja um casal é precisamente aquilo que os une, no caso a comunhão de vida. Isso fica ainda mais claro no terceiro subterfúgio, onde o “relacionamento” é mencionado explicitamente.
Em terceiro lugar, o documento insinua que aquilo que o casal irregular ou homossexual vem pedir é que sejam abençoados somente os aspectos “positivos” de sua união: “Eles não reivindicam a legitimidade do seu próprio estatuto, mas pedem para que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido nas suas vidas e relacionamentos possa ser investido, santificado e elevado pela presença do Espírito Santo” (n° 31). A falácia está em pretender que, num relacionamento que se pretende conjugal, os diferentes aspectos da comunidade de vida possam ser separados em compartimentos estanques, alguns positivos e outros negativos. Na realidade, mesmo aquilo que alguns poderiam julgar positivo (o afeto, a fidelidade, o apoio mútuo etc.) contribui para a manutenção da relação pecaminosa e dificulta a conversão e, portanto, a ruptura do relacionamento. Quanto mais esses aspectos parecem “positivos”, tanto mais eles constituem ocasiões próximas de pecado, quando não alicerce da estrutura de pecado à qual essas duas pessoas estão encadeadas.
O último subterfúgio é o de pretender separar, na vida da Igreja, a sua ação pastoral da sua doutrina, como se elas obedecessem a duas lógicas independentes e contraditórias: “A Igreja deve evitar apoiar sua prática pastoral na rigidez de alguns esquemas doutrinários ou disciplinares” (n° 25). O “abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja” (n° 19) devem levar em conta que “para Deus somos mais importantes do que todos os pecados que podemos cometer” (n° 27). Esse menoscabo da malícia do pecado e de suas consequências – que podem ser eternas! – leva a perguntar por que, então, Jesus morreu na Cruz para nos redimir? Por que Ele diz para a mulher adúltera: “Vai e não tornes a pecar” (Jo, 8, 11)?
Essa Declaração Fiducia Supplicans representa claramente uma ruptura com o ensinamento tradicional da Igreja sobre o VI Mandamento da Lei de Deus, sobre o caráter intrinsecamente pecaminoso de qualquer uso da sexualidade fora do casamento, e sobre o escândalo que representam, para os fiéis e para a sociedade, as uniões pré-matrimoniais, as uniões adúlteras e as uniões homossexuais.
O prefeito emérito a Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Gerhard Müller, apressou-se em publicar uma Nota afirmando tratar-se de um “salto doutrinário”, porque “não existem textos bíblicos ou textos dos Padres ou Doutores da Igreja ou documentos anteriores do Magistério que sustentem as conclusões de Fiducia Supplicans”. Se a Igreja pode acrescentar novos sacramentais aos já existentes, Ela não pode “mudar seu significado de tal maneira que trivializem o pecado”. A bênção, afirma o cardeal, “tem objetividade própria e não pode ser redefinida para se conformar a uma intenção subjetiva contrária à essência de uma bênção”, transformando-a numa criação ad hoc “para poder abençoar situações contrárias à norma ou ao espírito do Evangelho”. E conclui de maneira taxativa: “A bênção de uma realidade que se opõe à criação não só não é possível, mas constitui uma blasfêmia”. De fato, “bem dizer” (benedicere) em nome de Deus uma relação pecaminosa é tomar seu santo Nome em vão.
O Cardeal Daniel Sturla, de Montevidéu [foto], em declarações ao maior jornal do Uruguai, disse que “é um tema polêmico e está dividindo as águas dentro da Igreja”, porque “um sacerdote abençoa todas as pessoas”, mas “outra coisa é abençoar um casal homossexual…” e porque “toda a tradição da Igreja, até um documento de dois anos atrás, diz que não é possível fazer isso”. E reitera: “Não podem ser abençoadas uniões que a própria Igreja diz não estarem de acordo com o plano de Deus”.
Por sua vez, o Cardeal Robert Sarah, prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino, numa mensagem de Natal, convocou as conferências episcopais e cada bispo a se oporem a Fiducia Supplicans, porque isso não significa uma oposição ao Papa Francisco, mas “a uma heresia que mina gravemente a Igreja, Corpo de Cristo, porque é contrária à fé e à tradição católica”.
Sua mensagem faz eco a 15 declarações de conferências episcopais da África e a uma carta do presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar, o cardeal congolês Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, recusando a aplicação da Declaração no continente. Atitude semelhante tomaram conferências episcopais da Ucrânia (de rito latino e greco-católico), Polônia, Hungria, Haiti e das Antilhas, assim como numerosos bispos diocesanos. No Brasil, logo após a publicação do documento, Dom Adair José Guimarães anunciou que “na diocese de Formosa não serão observadas essas solicitações e sugestões da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé”, porque os padres da diocese e os líderes leigos consultados consideraram que “causariam escândalo e incompreensão”.
A maioria dos bispos e das conferências episcopais ainda não se tinham pronunciado no encerramento desta edição, e apenas uma minoria de bispos da Alemanha, Flandres e Portugal manifestaram seu apoio caloroso, alguns deles lamentando as restrições impostas pelo documento vaticano e almejando por uma mudança da doutrina da Igreja para que as uniões homossexuais possam ser reconhecidas como boas e abençoadas oficialmente.
Obviamente, a Declaração do Cardeal Victor Manuel Fernandez [foto] foi recebida com aplausos por importantes organizações do lobby LGBT e por seus mais destacados porta-vozes.
Por exemplo, o Sr. Matuba Mahlatjie, diretor de Comunicações e Relações com a Mídia de Out Right, uma ONG com status consultivo nas Nações Unidas, sublinhou que essa é a direção certa para o pleno reconhecimento dos direitos queer, e enfatizou que o Vaticano, como observador da ONU, deveria usar sua declaração para promover os direitos LGBTIQ na esfera internacional como reação contra uma narrativa que, segundo ele, usa a religião para criminalizar e discriminar indivíduos queer.
Em nível latino-americano, o presidente do grupo chileno MOVILH, principal lobista por detrás da aprovação do mal chamado “casamento igualitário” em 2021 no país andino, declarou que, apesar de suas limitações, a autorização de bênçãos a casais irregulares e homossexuais “poderia ajudar a ir minguando a discriminação no interior da própria Igreja” e que “poderia ser um aporte para a realidade LGBTIQ+ naqueles países majoritariamente católicos onde não existe a união civil para casais do mesmo sexo”.
Essas declarações confirmam as declarações do Bispo de Kansas, citadas no início deste artigo. Dom Joseph Naumann foi de fato muito lúcido ao explicar ainda que, numa primeira etapa, “os ativistas dos direitos dos homossexuais pressionaram fortemente as suas exigências para que o estado civil fosse concedido [às suas uniões] pela sociedade secular”. Mas, numa posterior etapa, “estes mesmos ativistas também pedirão à Igreja que abençoasse as uniões entre pessoas do mesmo sexo como uma afirmação da retidão da sua atividade sexual e como um eventual passo para obter o reconhecimento conjugal das suas relações”.
O movimento homossexual, quer o reconheçamos ou não, não é um movimento pelos direitos civis, nem sequer um movimento de libertação sexual, mas uma revolução moral que visa mudar a visão das pessoas sobre a homossexualidade.
Há mais de 20 anos, Paul Varnell, pioneiro do jornalismo pró-homossexual, já escrevia no Chicago Free Press que a controvérsia fundamental “não é a discriminação, os crimes de ódio ou as parcerias domésticas”, mas “a condenação moral subjacente”, pois “se convencermos as pessoas de que a homossexualidade é plenamente moral, então toda a sua inclinação para discriminar, envolver-se em ataques contra os homossexuais ou opor-se ao casamento homossexual desaparece”. E concluía: “Portanto, o movimento homossexual, quer o reconheçamos ou não, não é um movimento pelos direitos civis, nem sequer um movimento de libertação sexual, mas uma revolução moral que visa mudar a visão das pessoas sobre a homossexualidade”.
Para conseguir esse objetivo, o lobby homossexual batalhou de início para eliminar o delito de sodomia dos códigos penais e para obter que a Associação Americana de Psiquiatria removesse a homossexualidade da lista de transtornos psiquiátricos em seu Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM-III), o que conseguiu em 1973.
Mas isso foi julgado insuficiente. Era preciso fazer aceitar a sodomia pelas diversas religiões e, em particular, pelo cristianismo. Desde a década de 1970, diversas associações foram criadas pelo lobby LGBT especificamente com esse objetivo. Uma das mais ativas hoje é Soulforce que, anos atrás, descreveu sua tarefa da seguinte maneira:
“Cremos que a religião se tornou a fonte primária de informação falsa e provocativa sobre lésbicas, homossexuais, bissexuais e transexuais. Os cristãos fundamentalistas ensinam que somos ‘doentes’ e ‘pecadores’. […] A maioria das denominações conservadoras e liberais recusam-se a casar-nos ou ordenar-nos ministros. A Igreja Católica ensina que a nossa orientação é ‘objetivamente desordenada’, e que nossos atos de intimidade são ‘intrinsecamente maus’ […] Cremos que esses ensinamentos conduzem à discriminação, sofrimento e morte. Nosso objetivo é confrontar e finalmente substituir essas trágicas inverdades com a verdade de que também somos filhos de Deus, criados, amados e aceitos por Deus exatamente como somos”.
É precisamente dita “substituição” que começa a tornar-se realidade, na Igreja Católica, com a inaudita autorização para que sacerdotes abençoem casais irregulares e pares homossexuais.
Mas uma mudança tão gigantesca na pastoral e na doutrina da Igreja Católica não poderia ter acontecido da noite para o dia. De fato, ela foi preparada, de um lado, pela invasão subterrânea da sodomia em numerosos seminários e noviciados e, de outro lado, pela infiltração nos ambientes católicos, na década de 1960, do relativismo moral e da ideologia homossexual.
Dessa infiltração deu conta um observador direto e bem colocado: o então Pe. Joseph Ratzinger, mais tarde Cardeal e Papa Bento XVI. Após a sua renúncia, quando estourou o escândalo de abuso sexual e o comprometimento vaticano com o caso do ex-cardeal McCarrick, ele publicou no mensário bávaro Klerusblatt, um longo estudo no qual atribui a culpa da crise de abuso na Igreja predominantemente à revolução sexual e ao “colapso” na formação dos seminários. Segundo Ratzinger, a decomposição na formação sacerdotal chegou ao ponto de um bispo, que já havia sido reitor de um seminário, fazer os seminaristas assistirem a filmes pornográficos com a intenção de torná-los resistentes a condutas contrárias à fé! Mais ainda, “em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que agiram mais ou menos abertamente”. Esse relativismo moral desenvolveu-se, ainda segundo Ratzinger, porque até então a teologia moral fundava-se em grande parte na lei natural, mas após o Concílio Vaticano II a “luta por uma nova compreensão da Revelação”, fez com que a teologia moral fosse baseada exclusivamente na Bíblia. Nada mais poderia ser “considerado um bem absoluto, assim como, por outro lado, coisa alguma poderia ser considerada fundamentalmente ruim”. Sem mencioná-lo diretamente, o antigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé estava apontando para seu compatriota e colega na Universidade de Tübingen, o redentorista Bernard Häring [foto acima], quem com seu manual A Lei de Cristo revolucionou, nos anos que precederam o Vaticano II, a Teologia Moral num sentido personalista.
Influenciados por essa nova perspectiva, em um lapso de tempo muito breve, grandes figuras acadêmicas da Teologia Moral passaram da contestação à encíclica Humanae vitae, que proibiu os métodos artificiais de contracepção, à aprovação descarada das relações extramatrimoniais e homossexuais.
Nos Estados Unidos, o Pe. Charles Curran, professor de Teologia na Catholic University of America (Washington), afirmou em 1971 que os atos homossexuais, no contexto de um relacionamento sério, ficavam aquém do ideal, mas deveriam ser considerados bons para os homossexuais. Acompanharam-no nessa pista, em 1975, o Pe. Robert Nugent, com a publicação de Homossexualidade: uma planilha para católicos; um ano mais tarde, o jesuíta John McNeill, quem publicou, com a permissão de seus superiores, o livro A Igreja e o homossexual; e ainda o Pe. André Guindon, decano da faculdade de Teologia da Universidade Saint Paul (Ottawa, Canadá), com sua obra A Linguagem sexual. Um ensaio de Teologia Moral. Em 1977, a Sociedade de Teologia Católica da América encomendou ao Pe. Anthony Kosnik dirigir um trabalho coletivo sobre A sexualidade humana: novos rumos do pensamento católico americano. Dessa ofensiva acadêmica resultou que no Novo Dicionário de Teologia, publicado nos EUA em 1987, é dito que a Bíblia não condena a atividade homossexual, exceto quando se trata de estupro, quando ela tem conotação idolátrica ou quando violam as exigências da hospitalidade…
Na área europeia, o capuchinho holandês Antonius Herman van de Spijker fez, em 1968, as primeiras e tímidas aberturas exegéticas no mesmo sentido, no seu livro Atração pelo mesmo sexo: Homotropia: Homossexualidade, Homoerotismo, Homofilia e a Teologia Moral Católica, enquanto seu compatriota franciscano J. Gottschalk contribuía como teólogo para a obra ecumênica coletiva A Igreja e a homossexualidade, publicada em 1973. Por sua vez, o psicanalista e sacerdote francês Marc Oraison, dois de cujos trabalhos tinham sido postos no Index de livros proibidos, publicou em 1975 sua obra A Questão homossexual. Na Irlanda, o redentorista Ralph Gallagher escreveu, em 1979, um artigo para a revista The Furrow intitulado “Compreender o homossexual”. No mesmo ano, o Conselho Católico para a Igreja e a Sociedade, uma agência oficial da hierarquia holandesa, publicou o documento Pessoas Homossexuais na Sociedade,para promover discussões em paróquias e grupos católicos nos Países Baixos. E em 1981, o redentorista espanhol Marciano Vidal dirigiu a publicação de uma obra coletiva intitulada Homossexualidade: Ciência e Consciência.
Em âmbito brasileiro, já em 1967, a revista Vozes, dos franciscanos de Petrópolis, havia publicado um artigo do redentorista holandês Jaime Snoek, residente no Brasil, intitulado Eles também são da nossa estirpe: considerações sobre a homofilia. Nesse artigo, ele afirmava, a respeito da prática homossexual, que na medida em que ela promovia nas pessoas envolvidas um amor oblativo, não se podia a priori qualificá-la como imoral e contra a natureza. Em 1985, as Edições Loyola, dos jesuítas, lançaram uma tradução do livro dirigido por Marciano Vial, enquanto a Vozes publicou Sexualidade, Libertação e Fé: por uma erótica cristã,da feminista e teóloga da libertação Rose Marie Muraro, discípula de Dom Helder Câmara e de Leonardo Boff, agraciada pelo Congresso Nacional em 2005 com o título “Matrona do Feminismo Brasileiro”. Outra revista ligada aos jesuítas, Perspectiva Teológica, publicou em 1988 um artigo intitulado “Homossexuais e ética da libertação”, de Bernardino Leers, franciscano holandês radicado no Brasil, enquanto a editora ligada ao Santuário de Aparecida divulgava, dois anos mais tarde, em formato de livreto, o artigo “Compreender o homossexual” do já mencionado redentorista irlandês Raphael Gallagher.
Essa quinta coluna teológica dentro das fileiras do catolicismo serviu de justificação para a criação de grupos, majoritariamente animados por sacerdotes e freiras, destinados a promover a causa homossexual dentro da Igreja sob pretexto de atenção pastoral para as pessoas do mesmo sexo.
Em 11 de fevereiro de 1971, o Pe. Patrick Nidorf, sacerdote agostiniano e psicólogo de San Diego, iniciou reuniões mensais de autoajuda para homossexuais e lésbicas no porão da Igreja de São Brendan, em Los Angeles, e deu ao grupo o nome de Dignity. O arcebispo local censurou a iniciativa porque o grupo argumentava que “a homossexualidade é uma variação natural do uso do sexo. Não implica doença ou imoralidade” e celebrava a “identidade” homossexual. O Pe. Nidorf passou então a direção para os leigos. Foi o primeiro grupo deste tipo na Igreja Católica nos Estados Unidos.
A partir de 1974, o Pe. Robert Nugent e a Irmã Jeannine Gramick assumiram o encargo de capelães de Dignity. Sem abandonar o posto, três anos depois, os dois cofundaram um grupo similar chamado New Ways Ministry, inspirando-se numa frase da carta pastoral que o Bispo Francis J. Mugavero dirigiu aos seus diocesanos do Brooklyn, Nova Iorque, intitulada Sexualidade: Um Presente de Deus, na qual garantia a disponibilidade da hierarquia para tentar encontrar “novas maneiras” (new ways) de evangelizar para libertar os homossexuais das discriminações.
Grupos semelhantes, alguns proclamando-se católicos e outros de caráter ecumênico, proliferaram como cogumelos em grande número de países. Entre outros, merecem ser mencionados David & Jonathan (França, 1972), Acceptance (Australia, 1972), Quest (Reino Unido, 1973), Communauté du Christ libérateur (Bélgica, 1974) e Homosexuelle und Kirche (Alemanha, 1977). Na Itália nasceu uma pletora de pequenos grupos locais, mas nenhum deles chegou a assumir o caráter federativo da grande associação laica Arcigay.
No Brasil, o primeiro grupo organizado de pessoas que se identificam como “católicos LGBT” surgiu em 2007, no Rio de Janeiro, e adotou o nome de Diversidade Católica. Ele inspirou a fundação de diversos coletivos similares espalhados por todo o País. Em 2014, foi criada a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, composta atualmente por mais de 20 grupos, a qual integra a Global Network of Rainbow Catholics (GNRC), rede global de “católicos do arco-íris” de todo o mundo, criada em Roma na semana de abertura do Sínodo sobre a Família, em outubro de 2015.
Esses grupos pro-homossexualidade que se autoidentificam católicos ou cristãos, servem como companheiros de viagem das grandes organizações LGBT laicas que, pelo contrário, não escondem seu ódio à Igreja, à Bíblia e à moral do Evangelho e não hesitam em fazer uso da chantagem para amedrontar as autoridades da Igreja.
Historicamente, a chantagem tem tomado duas formas. De um lado, denunciar a suposta hipocrisia da Igreja Católica pelo fato de Ela pregar contra a homossexualidade enquanto muitos prelados frequentam bares e saunas que funcionam como prostíbulos do mesmo sexo. O caso mais rumoroso é o do livro Sodoma de Frédéric Martel, com alegação de que “o Vaticano tem uma das maiores comunidades homossexuais do mundo e duvido que, mesmo no Castro de São Francisco, aquele emblemático bairro gay, agora mais misto, haja tantos homossexuais!”. Tais denúncias levam por vezes à renúncia daqueles que são obrigados, contra sua vontade, a “sair do armário”, como ocorreu, nos Estados Unidos em 2002 com o arcebispo Rembert Weakland, de Milwaukee, após a revelação de que havia usado US$ 450.000 em fundos arquidiocesanos para resolver um processo que o acusava de assédio sexual. Ou com o Cardeal Hans Hermann Groer, arcebispo de Viena, destituído do cargo pelo Papa João Paulo II por abuso sexual de seminaristas. Em fevereiro de 2013, o Cardeal Keith O’Brien, líder da Igreja Católica na Escócia, foi forçado a renunciar ao cargo de arcebispo três meses antes da idade limite, devido a alegações de atos inapropriados com quatro padres durante a década de 1980 e ainda posteriormente.
A outra forma de chantagem foi que certos grupos e líderes da nebulosa homossexual começaram a pressionar prelados para que adotassem publicamente uma atitude de dissenso com os documentos e as sanções emanadas do Vaticano. O caso mais paradigmático talvez seja o do Cardeal Basil Hume, que foi pressionado, em abril de 1995, a se corrigir em público por Peter Tatchell [foto abaixo], líder de OutRage, associação que havia feito “sair do armário” a um certo número de altos dignitários anglicanos. Eis como o Pe. Richard John Neuhaus, fundador da conhecida revista First Things, relatou o ocorrido, quase 30 anos atrás, com o cardeal inglês:
“Basil Cardinal Hume, de Westminster, também foi apanhado no fogo cruzado gerado pela guerrilha do OutRage. Tatchell vinha exigindo que Hume recuasse da definição de Roma de atos homossexuais como ‘objetivamente desordenados’. A exigência tornou-se por vezes violenta, incluindo a interrupção da procissão do Domingo de Ramos na Catedral de Westminster. No que foi considerado uma resposta à pressão, o Cardeal emitiu uma carta que dizia que a amizade homossexual pode ser ‘uma forma de amar’ e declarou que ‘a homofobia não deveria ter lugar entre os católicos’. Os jornais, previsivelmente, intitularam a ‘capitulação’ do Cardeal aos grupos de pressão gay. Até o conservador Telegraph publicou na primeira página: ‘O Cardeal Hume dá a bênção da Igreja ao amor homossexual’. O Sr. Tatchell declarou, talvez com razão: ‘Estamos definindo a agenda’”.
Nos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, o Vaticano não cedeu à pressão do lobby homossexual. Além de condenar os escritos e atividades de Anthony Kosnik, Charles Curran, André Guindon, Robert Nugent e Jeannine Grammick e Marciano Vidal, a Santa Sé publicou vários documentos confirmando o ensino católico tradicional, já expressado, em 1975, na declaração Persona Humana “sobre alguns pontos de ética sexual”, da Congregação para a Doutrina da Fé, com a assinatura do Cardeal Franjo Seper. Seguiu-se, em 1986, a carta Homosexualitas Problema, “sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais”, assinada pelo novo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o então Cardeal Joseph Ratzinger e, em 1997, o Papa João Paulo II publicou o Catecismo da Igreja Católica, o qual afirma (n° 2357-2359) que “apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’” e que a tendência homossexual da qual derivam é “objetivamente desordenada”.
Um documento que enfureceu particularmente os inimigos da Igreja foi, em 2002, a carta da Congregação para o Culto Divino, com a assinatura do Cardeal Jorge Medina Estévez, afirmando que “a ordenação ao diaconato e ao sacerdócio de homens homossexuais ou de homens com tendências homossexuais é absolutamente desaconselhável e imprudente”, proibição depois reiterada pela Congregação para a Educação Católica, responsável pelos seminários, numa Instrução assinada pelo Cardeal Zenon Grocholewski e publicada em novembro de 2005.
Os organismos vaticanos, porém, não sancionaram com energia os dissidentes e uma atitude de complacência e de ambiguidade doutrinária continuou a se difundir nos meios católicos até a renúncia de Bento XVI ao pontificado. Com a ascensão do Papa Francisco ao sólio pontifício deu-se um verdadeiro “estouro da boiada”, propiciada pela sua célebre resposta no voo de retorno após a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro: “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?”
Seguiram-se os encontros amistosos do Papa Francisco com pseudo-casais homossexuais e com transgêneros, suas primeiras e escandalosas declarações em favor do reconhecimento legal das uniões civis homossexuais, a nomeação do jesuíta americano James Martin, promotor da mudança do Catecismo no que concerne à homossexualidade, como consultor do Secretariado das Comunicações da Santa Sé, assim como suas cartas elogiosas e encontros com a Irmã Jeannine Gramick.
O porteira aberta pelo Sumo Pontífice foi imediatamente atravessada pela corrente progressista dominante no episcopado alemão, o qual se enveredou pelo funesto Caminho Sinodal, que pediu oficialmente a revisão do Catecismo no relativo à homossexualidade, assim como tirar os “atos homossexuais” da lista de pecados graves, e aprovou uma resolução exigindo “cerimônias de bênção para casais que se amam”, com o voto favorável de 38 bispos, contra 9 e 11 abstenções.
Promovendo as falaciosas “bênçãos pastorais”, Fiducia Supplicans percorreu três quartos do caminho, cedendo não somente à quinta coluna infiltrada na Igreja, mas, acima de tudo, à chantagem do lobby pro-homossexual abertamente anticatólico. O Papa Francisco e o Cardeal Victor Manuel Fernandez deverão responder diante de Deus por essa rendição em campo raso e por terem aberto na Igreja Católica uma divisão que conduzirá a uma das maiores convulsões da História, como profetizado por Plinio Corrêa de Oliveira em 1994.
José Antonio Ureta
37 artigosChileno, membro fundador da "Fundación Roma", uma das organizações chilenas pró-vida e pró-família mais influentes; Pesquisador e membro da "Société Française pour la Défense de la Tradition, Famille et Propriété"; colaborador da revista Catolicismo e do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e autor do livro: "A mudança de paradigma do Papa Francisco: continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Relatório de cinco anos do seu pontificado".
Invalid Date
Martìn Jorge Viano
28 de fevereiro de 202428/02/2024 às 18:15