Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
8 min — há 6 anos — Atualizado em: 9/25/2018, 10:05:06 PM
Autor: Monsenhor José Luiz Villac
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 813, setembro/2018
Pergunta — O Papa Francisco mudou substancialmente uma passagem do Catecismo da Igreja Católica referente à questão da pena de morte. Fiquei surpreso, porque sempre entendi que ela era lícita. Gostaria de um esclarecimento e, em particular, saber se um Papa pode mudar a doutrina tradicional e se um fiel fica obrigado a seguir o novo entendimento.
Resposta — Como alguns outros leitores exprimiram a mesma preocupação com outras formulações, respondo com celeridade à pergunta do consulente.
O preâmbulo da constituição Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I, que definiu a infalibilidade pontifícia, declara solenemente que “o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos”.
Esse depósito revelado não se limita a ensinar certas verdades sobre Deus, o destino eterno do homem, sua salvação, o papel da Igreja Católica etc., mas inclui algumas consequências dessas verdades para o procedimento dos homens, tanto individualmente quanto na vida social.
Por isso, na passagem que define solenemente a infalibilidade do Papa, a mesma constituição menciona expressamente, por duas vezes, que ela cobre o ensino de doutrinas referentes “à fé e à moral”. Essa cobertura da infalibilidade ao ensinamento moral inclui também aquilo que a Igreja sempre ensinou no seu magistério ordinário universal, segundo reza a constituição dogmática Dei Filius, do mesmo Concílio Vaticano I: “Deve-se crer com fé divina e católica tudo aquilo que está contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja, quer em declaração solene, quer por seu magistério ordinário e universal, propõe a crer como revelado por Deus”.
Acontece que a liceidade moral da pena de morte tem sido um ensino constante do magistério ordinário e universal da Igreja desde os tempos apostólicos. E isso, não apenas por motivos de bom senso e de razão, mas porque essa liceidade provém da própria Palavra de Deus, contida nas Escrituras.
No Antigo Testamento a lei mosaica especifica não menos de 36 crimes que merecem a pena capital. No seu pacto com Noé, Deus estabeleceu a pena capital para o homicídio: “Todo aquele que derramar o sangue humano terá seu próprio sangue derramado pelo homem, porque Deus fez o homem à sua imagem” (Gen. 9, 6). No Novo Testamento, Jesus reprovou os fariseus (Mt 15, 4) por violarem os preceitos de Deus e, em particular, o mandamento “Honra teu pai e tua mãe; aquele que amaldiçoar seu pai ou sua mãe será castigado de morte” (Ex 20, 12). E quando Pilatos Lhe disse que tinha poder para soltá-Lo ou crucificá-Lo, Nosso Senhor não lhe negou essa faculdade, mas apenas respondeu: “Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado” (Jo 19, 11). Por sua vez, São Paulo escreveu aos Romanos: “Se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que [a autoridade] leva a espada: é ministro de Deus, para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal” (Rom. 13, 4).
Os Padres da Igreja entenderam tais passagens como avalizando a pena capital, e a Igreja, durante dois mil anos, seguiu consistentemente essa interpretação. Por exemplo, Santo Agostinho escreve na Cidade de Deus: “A mesma lei divina que proíbe a matança de um ser humano permite certas exceções, como quando Deus permite matar por lei geral […]. Dado que o agente da autoridade é apenas uma espada sob comando, e não é responsável pelo matar, não é em qualquer medida contrário ao mandamento ‘Não matareis’ fazer guerra segundo o pedido de Deus, ou os representantes da autoridade do Estado darem a morte a criminosos, de acordo com a lei ou regra da justiça racional”.
Essa doutrina foi reiterada por vários Papas e pelo Catecismo do Concílio de Trento, que afirma peremptoriamente: “É lícito em juízo condenar à morte os homens e tirar-lhes a vida — A segunda classe de morte permitida é a que pertence aos juízes, a quem se deu o poder de impor a pena de morte, em virtude da qual castigam os homens criminosos e defendem os inocentes de acordo com as leis e o que resulta do juízo”.
Um católico pode estar convencido da inoportunidade da pena de morte no estado atual do mundo, apesar de ela ser legítima em si mesma. É o que disseram os Papas pós-conciliares. Mas o Papa Francisco diz algo muito diferente: a partir de agora, “a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que ‘a pena de morte é inadmissível porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa’, e se empenha com determinação por sua abolição em todo o mundo”.
Essa ruptura com o ensinamento infalível tradicional é, por si só, gravíssima e acarreta consequências não menos graves de ordem teológica e canônica, que não são objeto desta breve resposta.
Tampouco é destituído de gravidade o fundamento com o qual o Papa Francisco procura justificar a mudança de ensinamento. A base de seus argumentos não são a Revelação ou a Teologia, mas uma tríplice mudança de caráter antropológico e sociológico: 1) A crescente “consciência de que a dignidade da pessoa não se perde nem mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos”; 2) “Uma nova compreensão do senso das sanções penais”; 3) o desenvolvimento de “sistemas de detenção mais eficazes, que garantam a defesa adequada dos cidadãos”.
Não seria próprio a esta coluna ironizar a manifesta ingenuidade da terceira evolução invocada pelo Pontífice, pelo menos no que diz respeito à eficácia do sistema carcerário brasileiro, ao amparo de cujas grades os líderes do PCC ou do Comando Vermelho se refugiam para dirigir suas redes criminosas.
Quanto à evolução da criminologia, no sentido de negar o caráter expiatório das penas, reconhecendo apenas sua intenção reeducadora (muito duvidosa em nossas prisões, verdadeiras escolas de novos “delinquentes profissionais”…), ela também não é um argumento válido. Porque essa “nova compreensão” é contrária ao que a Igreja sempre ensinou sobre a necessidade de uma reparação, por meio do castigo, da ordem jurídica violada. E isso, por uma exigência da justiça, assim como pela necessidade, para o bem comum, de que, pelo cumprimento forçado da pena, a supremacia absoluta do bem sobre o mal seja proclamada (Pio XII, discurso de 3 de outubro de 1953).
No que diz respeito, finalmente, à consciência moderna da dignidade da pessoa humana, a qual não decairia sequer pela prática de crimes gravíssimos, tal concepção naturalista esquece que a dignidade do homem provém de sua condição de “imagem de Deus” e de seu destino eterno, de onde resulta que ela cresce ou decresce em função do uso que o homem faz de sua liberdade. Ninguém de bom senso pode atribuir a mesma dignidade a São Maximiliano Kolbe e aos seus carrascos em Auschwitz… A um grande criminoso resta-lhe, sem dúvida, a dignidade remota de estar revestido da natureza humana e, portanto, da possibilidade de recuperá-la por completo pela conversão. Mas, mesmo depois de convertido, o criminoso não tem os mesmos direitos que um inocente, pois como ensina Pio XII, “quando se trata da execução de uma pessoa condenada à morte, o Estado não dispõe do direito do indivíduo à vida”. Na realidade, “cabe ao poder público privar o condenado do bem da vida, em expiação por sua falta, após ele, com seu crime, já ter perdido seu direito à vida” (Discurso de 14 de setembro de 1952).
O mais grave, porém, não é a inconsistência dos três pressupostos invocados pelo Papa Francisco para justificar a mudança do Catecismo, mas o emprego de argumentos historicistas e antropológicos para justificar uma suposta evolução do depósito da fé. Porque se a interpretação da Revelação divina muda juntamente com a evolução da consciência humana — como ensinava a heresia modernista —, as comportas ficam abertas para outras mudanças, também exigidas da Igreja Católica por grupos de pressão mundanos. Por exemplo, os movimentos pró-homossexualidade já estão exigindo, em nome do novo conhecimento da sexualidade e do subconsciente humanos, supostamente sugeridos por Sigmund Freud, que seja mudada a afirmação, constante no Catecismo da Igreja Católica, de que a tendência homossexual é “intrinsecamente” e “objetivamente desordenada”.
Resta apenas responder à questão de se os católicos são obrigados a dar assentimento religioso a uma nova doutrina que está em manifesta descontinuidade com o ensino tradicional. A resposta já foi dada há quase dois mil anos por São Paulo: “Ainda que alguém — nós ou um Anjo baixado do Céu — vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que seja anátema” (Gal. 1, 8).
Para encerrar, recomendo a todos os leitores que rezem, na atual emergência, a invocação introdutória à oração litúrgica pelo Papa reinante: “Que o Senhor o conserve, e lhe dê vida, e o faça santo na Terra, e não o entregue à vontade de seus inimigos”.
Revista Catolicismo
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