Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
O que faz com que nosso mundo tão pobre e igualitário de símbolos se empolgue tanto com o fausto e a majestade de uma coroação gestada pela Igreja Católica e pela civilização cristã há mais de mil anos?
6 min — há 1 ano — Atualizado em: 6/23/2023, 9:17:15 AM
Autor: Santiago Fernández
A esplêndida cerimônia de coroação do novo rei da Grã-Bretanha Charles III foi assistida por aproximadamente 400 milhões de pessoas em todo o mundo, informou a “TVM News”.[1]
É uma cifra inferior aos quatro bilhões que assistiram em algum momento dos 11 dias que durou o solene funeral da rainha Elizabeth II. Manifestantes antimonarquistas ganharam um desproporcionado tempo nas TVs, mas seu número foi tão pequeno que eles ficaram desprezíveis.
Hoje se trombeteia que as multidões preferem os regimes igualitários inspirados pela Revolução Francesa. Mas, quantas pessoas assistem seus grandes eventos? O site da rádio do Senado brasileiro[2] falou em “milhares” na posse do presidente em exercício neste ano e se aventurou em cerca de “300 mil” presentes não confirmados pelas fotos. A mídia francesa havia noticiado que 450/500 pessoas foram convidadas à investidura do presidente Emmanuel Macron. O vídeo oficial[3] não foca o público presente junto ao palácio presidencial do Elysée.
A abissal diferença dos números sugere uma pergunta: o que faz com que o nosso mundo tão pobre e igualitário de símbolos se empolgue tanto com o fausto e a majestade de uma coroação gestada pela Igreja Católica e pela civilização cristã há mais de mil anos?
Plinio Corrêa de Oliveira fez essa pergunta e a respondeu num artigo — que aqui glosamos — para Catolicismo (julho/1953)[4] a respeito da coroação da rainha Elizabeth II. Em nossa época de investigações sociológicas, as cerimônias, manifestações e solenidades como a coroação do rei Charles III deveriam suscitar inquéritos sérios recolhidos por volumes acadêmicos e densas páginas nos jornais.
Outrora, observava Dr. Plinio, a virtude, o berço, o sexo, a educação, a cultura, a idade, o gênero de profissão, as posses e outras circunstâncias modelavam e matizavam a sociedade humana com a variedade e a riqueza de mil relevos e coloridos. A desigualdade, quando proporcionada e harmônica, era uma fonte de regozijos e de saboroso convívio em todas as classes sociais.
O requinte e o esplendor dos atos públicos eram uma das maiores fontes destas alegrias. A nobreza desses atos derramava contentamentos entre os homens, marcava as leis, as instituições, as atividades intelectuais, os costumes, a economia, e elevava a vida pública e particular com notas de hierarquia, de respeito e de gravidade.
Hoje, infelizmente, ouve-se um gemido de mal-estar e dor geral devido à crise da família, da economia, a insegurança, os escândalos de toda espécie. Esse clamor de dor ficou esquecido durante as cerimônias da coroação que há pouco assistimos porque essas nasceram quando “a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. […] Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada com está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” — como ensinou Leão XIII em sua encíclica Immortale Dei, de 1º de novembro de 1885. E essa memória mostrou que subsiste no fundo de milhões de almas e se reacendeu com as pompas reais da Grã-Bretanha.
O tufão nivelador de diabólicos imponderáveis que rebaixa as sociedades para um estado de coisas que chega a postular como ideal a vida tribal é soprado até por altas esferas eclesiásticas e filosóficas. Mas eis o paradoxo: um rei como Charles III ou uma rainha como Elizabeth II sendo coroados com ritos nascidos da civilização cristã, absolutamente anti-igualitários, não apenas calam os protestos relevantes, mas se erguem como uma imensa onda de simpatia popular universal.
O mundo inteiro festejou a coroação do rei inglês e o enterro da rainha como se as tradições que neles refulgiram fossem um valor comum a todos os povos. Com toda justiça histórica e religiosa, pode-se criticar que ditas pompas foram subtraídas da Igreja Católica e da civilização cristã por um rei, Henrique VIII, que apesar de ostentar o título de “Defensor Fidei” — título, aliás, que até o ecologista rei Charles III usa —, fundou uma seita de falsos bispos e de clérigos oficiantes que não são mais do que funcionários do Estado, teve costumes reprováveis em matéria de casamento, separou a Inglaterra da Igreja e usurpou a magnífica catedral de Westminster, outrora católica.
Dias antes da coroação pessoas montaram tendas para guardar um melhor lugar para assistir ao momento histórico
Entretanto, acima de tudo isso pairou à maneira de um anjo protetor que com lágrimas nos olhos e com uma espada de fogo na mão quer, para a glória divina, repor o reino inglês nos trilhos de sua vocação histórica. Vocação que tantos santos em visões privadas, e até Nossa Senhora em La Salette, anunciaram que se cumpriria com a conversão da nação inglesa e o grande papel que ela exerceria na conversão do mundo.
Diante de milhões de telas, homens, mulheres, crianças de todas as nações, das mais variadas profissões, das mais diversas opiniões, se aglomeraram ávidos de se embevecerem, ainda que por um instante, com o charme grandioso das cerimônias de fundo medieval. Bem pode ser que eles não percebessem, mas estavam sendo beneficiados pelo anjo protetor da Inglaterra que os levava a ver seu passado católico por cima da nódoa protestante e antegozando o maravilhoso futuro que espera ao reino retornado ao rebanho de Cristo.
Os povos se comoveram, por um imenso movimento de admiração quase religiosa, com a coroação que envolveu a instituição monárquica da Inglaterra, herdeira de Santo Eduardo o Confessor, cujos esplendores hierárquicos e anti-igualitários parecem tocar na Corte do Céu.
Um mundo histórico marcado pela honra, distinção, estima, afeto, e Justiça, tinha a seu lado um mundo oposto absolutamente injusto e demolidor.
A tradição católica superou o mundo nivelado, paupérrimo em símbolos, regras, maneiras, compostura, ordem e distinção, protestante ou comunista, e fez vibrar no mais fundo das almas a saudade daquilo que o homem tem cada vez mais falta e com o qual tão loucamente rompeu. O eco que nunca se apagou da ordem cristã medieval tocou de perto o homem ferido e maltratado por uma vida “moderna” construída com abstrações, quimeras e teorias ocas. Já na coroação de Elizabeth II e agora a de seu filho Charles III, houve um rejuvenescimento, um repouso e uma alegria que não se podia prever. Sentimentos que haviam se desabrochado também nos recentes dias dos funerais da rainha.
Oxalá não seja inapropriado excogitar que o mundo poderá atravessar no futuro as jornadas corretoras e dolorosas dos castigos de Fátima lembrando com saudade o entusiasmo que o empolgou durante os faustos da coroação do atual rei, e trilhar com vigor renovado as vias da conversão.
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Notas
Revista Catolicismo
262 artigosCatolicismo é uma revista mensal de cultura que, desde sua fundação, há mais de meio século, defende os valores da Civilização Cristã no Brasil. A publicação apresenta a seus leitores temas de caráter cultural, em seus mais diversos aspectos, e de atualidade, sob o prisma da doutrina católica. Teve ela inicio em janeiro de 1951, por inspiração do insigne líder católico Plinio Corrêa de Oliveira. Assine já a revista e também ajude as atividades do IPCO! Acesse: ipco.org.br/revistacatolicismo
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