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Plinio Corrêa de Oliveira
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O tribunalzinho


O PNDH vem de longe…

Veja o artigo abaixo. Foi escrito pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1971, na Folha de São Paulo.

“Folha de S. Paulo”, 24 de janeiro de 1971

O tribunalzinho

O leitor gostaria de morar em uma republiqueta assim?

O leitor que deseje medir, com toda a precisão, o alcance da matéria de que tratarei em seguida, deve — por um momento — desviar sua atenção de todos os assuntos de ordem geral e fixá-la no pequeno mundo concreto no qual transcorre sua vida quotidiana.

Pense num bloco de 200 pessoas, formado pelos que residem em sua casa e nas cercanias. Em uma grande cidade, um grupo como este se distribui, não raras vezes, em um quarteirão ou pouco mais. Nos bairros lotados com edifícios de apartamentos, 200 habitantes se espraia, naturalmente em área algum tanto maior.

Imagine o leitor que cada uma dessas áreas — maiores ou menores — seja transformada em uma republiqueta de fronteiras definidas e regidas por autoridades próprias. E que essas autoridades tenham por missão intervir ativamente na vida de todo o mundo, a decidir as questiúnculas da vida de todos os dias.

Exemplifico. Há alguma briguinha entre famílias? O assunto pode ser levado para o tribunal da “republiqueta”, a fim de se decidir a quem assiste a razão e punir o culpado. Aparece algum problema de águas entre vizinhos? Mais uma vez recorre-se ao tribunalete da “republiqueta”, para averiguar quem tem razão e infligir penas ao responsável. Um menino faz na rua um barulho, que é — ou algum morador supersensível reputa — excessivo.

Entra novamente em função o tribunalzinho, a ver quem tem razão, e, conforme o caso, a castigar o menino e seus pais. Alguém é suspeito de haver bebido demais? Tribunalzinho nele. Sussurra-se na vizinhança que o pai ou a mãe abandonou o lar? O tribunalzinho intervém logo para investigar o fato, apurar de quem é a culpa, punir o faltoso e dar melhor destino às crianças. Enfim, por qualquer boato, qualquer rusga, ou qualquer nuga, o tribunalzinho lá está, pronto a agir.

Quais as penas aplicáveis a quem tenha cometido algum destes crimes, por exemplo, deixar escorrer água no quintal do vizinho? Oh, em geral, penas pequenas. Uma multa proporcional à renda do criminoso. Ou pequenos trabalhos forçados, mais humilhantes do que fatigantes. Por exemplo, varrer as ruas durante três domingos consecutivos. Ou arranjar os jardins públicos. Ou atuar como guarda noturno. O suficiente para aborrecer o réu, cansá-lo, e tornar patente aos conhecidos — surpresos de o verem repentinamente transformado em varredor de rua, jardineiro ou guarda noturno — que ele foi posto de castigo pelo tribunalzinho.

Naturalmente, o tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça está longe. Por isto, nem todas as penas aplicadas pelos ditos tribunaizinhos serão tão brandas. Nos dias em que os componentes desses microorganismos judiciários estiverem mais mofinos, poderão também mandar o réu para alguma colônia agrícola, e executar trabalhos rurais pesados. Porem, provavelmente, nem todas as penas serão assim…

* * *

Claro está que um tribunal, ainda que seja um mero tribunalzinho, necessita de um cartório. Tribunal e cartório não vão sem funcionários. E tudo isto precisa de locais de trabalho.
Assim, em cada distrito de 200 habitantes haverá que reservar algumas salas para esses corpúsculos judiciários. E será prudente o cidadão que passe todos os dias por esse local, a ver se há alguma queixa, fundada ou não, contra ele. Se não houver, graças a Deus! Se houver, o acusado já poderá ir contratando advogado, coletando provas etc. Quem sabe se assim e apenas com os gastos para o rábula e o processo, consegue passar seu domingo em casa, sem varrer ruas.

* * *

Como constituir esses tribunais? De modo perfeitamente democrático. Abaixo os austeros juizes diplomados em Direito, que formam uma oligarquia de privilegiados. Cada tribunal deve ter três membros, dois dos quais eletivos. Sim. Eleitos pelo bom povinho dentre as fileiras do mesmo bom povinho. Em outros termos, a escolha estaria a cargo de comitês populares, de sindicatos, de colonos nas fazendas etc. Só o presidente seria bacharel. E nomeado pelo governo.
Assim, as coisas se simplificariam. Era só cultivar assiduamente as boas graças dos juizes e dos que os escolhem, para se conseguir uma vida tranqüila.
Num prédio de apartamentos, por exemplo, seria inteiramente normal que o zelador fosse eleito juiz da republiqueta de 200 cidadãos. Seria então suficiente que os moradores tivessem a cautela de não aborrecer em nada esse influente cidadão, sua esposa e seus filhinhos, para já contarem com uma voz no tribunal.
Em suma, tudo se arranja facilmente.

* * *

Agora pergunto ao leitor: gostaria o senhor de morar em uma republiqueta assim? Se nela morasse, o que sentiria? Bem-estar, segurança, tranqüilidade e desafogo?
Eu, por mim, sentiria precisamente o contrário. Ou seja, a sensação de ter sido transformado, da noite para o dia, em uma criança de 10 anos, internada em algum instituto correcional.

* * *

Mas perguntará o leitor, a que conduz toda essa lorota? Para que imaginar tudo isto?
A resposta é simples. Este é o regime que vai ser instaurado no Chile. O país será assim transformado num imenso conglomerado de republiquetas bastante pequenas cada uma para que todo cidadão seja vigiado em seus mínimos gestos e perseguidos por uma saraivada de humilhações e picuinhas caso desagrade ao PC.

Digo que este é o futuro do Chile, baseando-me não em boatos mais ou menos vagos, mas em entrevista dada ao maior diário chileno “El Mercurio”, pelo subsecretário da Justiça do governo Allende, José A. Vieira Gallo. Bem como de uma entrevista do ministro da Justiça do Chile, Lisando Cruz, publicada em “La Prensa” de Buenos Aires. O jurista Oscar Alvarez, que assessorava o ministro, explicou que “os novos tribunais se inteirarão das denúncias formuladas pelos vizinhos, e como exemplo citou problemas de águas, meninos que provocam distúrbios nas ruas, rixas familiares, embriaguez, pais que abandonam seus lares etc.

No que diz respeito às penas, esclareceu que flutuarão desde uma admoestação até “trabalhos forçados”, como varrer ruas três domingos seguidos, arranjar jardins públicos ou cumprir turnos de vigilância noturna. Além disso, serão aplicadas pequenas multas, que terão “relação direta com os rendimentos do culpado” (“La Prensa”, 8-1-71).
“La Nación”, também da capital portenha, transcrevendo a entrevista, acrescenta um pequeno detalhe: a penalidade imposta pelos tribunaletes poderá ser uma repreensão pública (um pito, portanto, quando não cadeia. Que tal, leitor? O que prefere? Pito em público? Cadeia?

* * *

Tudo isto seria tragicômico, se não fosse perfeitamente trágico. Pois — insisto — o sistema será aplicado em regime comunista, por juizes comunistas, e dará assim ao PC meios para intervir, a todo o momento, nos lares de todos, na vida privada de todos, e arrasar com qualquer cidadão que não se declare comunista entusiasmado… Porque nada mais fácil do que levantar uma onda de cochichos incessantes contra um cidadão, a partir dos cochichos abrir contra ele vários processos, e enredá-lo assim numa perseguição judicial sem saída.

* * *

Já ouço o coaxar do “sapo”, empresário rico e esquerdista bilioso, a me objetar: o que temos nós, brasileiros, com o Chile?
Nada, senão essa “pequena” coisa: a solidariedade cristã. — Porém, não dou esta resposta ao “sapo”. Ele não a entende.
Assim, respondo em outros termos. Os adeptos desses tribunais populares enxameiam no Brasil, e atuam por impô-los aqui. São essa legião de esquerdistas católicos, que dia e noite tramam a derrubada da autoridade na Igreja, no Estado e na sociedade, sob pretexto de emancipação humana, luta contra o paternalismo etc. Eles desejam o regime infamante desses tribunaletes, que reduzem todo homem à condição de um menor de idade, maltratado e perseguido.

* * *

Vejo o “sapo” encolerizar-se, enrubescer, e me perguntar com olhar chispeante: — Mas desejam mesmo?
— Sim. É esta uma das reivindicações do famoso manifesto Comblin: a abolição dos tribunais regulares e sua substituição por tribunais populares.
E, como se sabe, uma poderosa corrente apoia o padre Comblin. — Pois de outro modo não se explica a perfeita, invariável e enigmática incolumidade de que goza.

* * *

Então, “sapo”, eu lhe pergunto: o problema é só chileno?
E a vós, esquerdistas católicos fanáticos do anti-“paternalismo”, eu vos convido a me responder: não é delirantemente “paternalista” este projeto de Allende? Onde, então, o vosso protesto contra ele?

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Edson Carlos de Oliveira

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