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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Oração de Santa Bernadette a Jesus desolado e refúgio das almas desoladas


Com áudio e texto, comentários do Prof. Plinio. https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Mult_940629_Santa_Bernadette_abandono.htm#.Yge9KN_MKMo

Oração composta por Santa Bernadette Soubirous (apud Pe. André Ravier, Bernadette Soubirous, Edições Loyola, São Paulo, 1985, pp. 81-82):

Ó Jesus, desolado e ao mesmo tempo refúgio das almas desoladas, Vosso amor ensina-me que é de Vossos abandonos que devo haurir toda a força de que necessito para suportar os meus. Estou persuadida de que o abandono mais temível em que eu possa cair seria não participar do Vosso. Mas como Vós me destes a vida com a Vossa morte, e me livrastes, por Vossos sofrimentos, daqueles que me eram devidos, também merecestes, pelo Vosso desamparo, que o Pai celeste não me desamparasse, e que nunca estivesse mais próximo de mim, por sua misericórdia, do que quando estou mais unida a Vós na desolação.

* Uma coincidência, na qual talvez se deva procurar e encontrar um desígnio de Deus

Santa Bernadette Soubirous é a jovem que recebeu as revelações de Lourdes. Ela era de uma família honrada, mas das mais modestas da pequena cidade de Lourdes, cujo bonito nome era ignorado de quase todo o mundo, e na própria França, onde ela não era senão uma aldeota aos pés de um velho castelo. E por uma coincidência, na qual talvez se deva procurar e encontrar um desígnio de Deus, nas muralhas daquele castelo se deu a primeira batalha dos mouros invadindo a França e que eles, mouros, foram derrotados.

Várias vezes eu tenho estado em Lourdes e me tem passado pela cabeça a idéia de tomar uma espécie de ferrocarril, uma coisa assim, que leva até ao castelo que fica a meia altura de uma montanha não muito alta que existe ali e de visitar o castelo. Não fui porque as solicitações todas em Lourdes se voltam naturalmente para a gruta, para a basílica, para o lugar das curas, mas tinha sempre muita vontade de ir.

Agora que eu soube dessa coincidência histórica, é difícil que eu volte a Lourdes sem oscular as muralhas daquele castelo como eu fiz estando em Ávila, a cidade de Santa Teresa, quando eu osculei as lindíssimas fortificações que circundam toda a cidade de Ávila e a garantem contra as investidas mouras.

Isto seja dito de passagem a respeito do nome da cidade de Lourdes, e nós vamos diretamente à vida de Santa Bernadette.

* Santa Bernadette tinha um verdadeiro conhecimento de certos princípios e uma heróica atitude de amor ofensivo e defensivo em relação a esses princípios

Santa Bernadette, pela impressão que deixam as fotografias que ela tirou antes de ser freira, era uma mocinha tipo da camponesa, com a expressão do olhar muito viva, com muita firmeza de idéias e de princípios na sua atitude. Embora se visse que ela era uma pessoa quase iletrada e que não era capaz, portanto, de estruturar normalmente, correntemente, um princípio e o apresentar a quem quer que seja. Ela tinha, por obra do Espírito Santo, o que têm tantas outras almas de condição modesta e que não tiveram os meios para estudar. Ela tinha um verdadeiro conhecimento de certos princípios e uma heróica atitude de amor ofensivo e defensivo em relação a esses princípios.

Muito cedo aflorou nela a vocação religiosa. Essa vocação a conduziu a uma congregação religiosa não me lembro de que irmãs, que têm uma casa não me lembro também bem do quê, mas parece que é uma escolinha para meninas, na cidade de Nevers, que é a capital da zona chamada antigamente Nivernais.

Nevers e Nivernais. Nivernais é o lugar de Nevers, a zona de Nevers. Lourdes era no Nivernais.

* O completo isolamento de Santa Bernadette, no convento de Nevers

Ela entrou nessa congregação onde, com intencionalidade das superioras, o trato dado a ela foi o seguinte:

Entenderam – e me parece que entenderam muito bem – que se se conhecesse lá que Santa Bernadette era a moça ou era a mocinha das aparições, ela seria o objeto da veneração e do entusiasmo de todas as pessoas no convento. E ela ao invés de ter dentro do convento a vida sacrificada e dura que deve ser própria a quem segue a vocação religiosa, ela teria uma vida de bonequinha. Ela seria a bonequinha das outras freiras.

Então resolveram ocultar que ela fosse Bernadette Soubirous. Ela já entrou com um pseudônimo qualquer e ficou sabendo que ninguém conheceria a ela como Bernadette Soubirous. Fora também não se sabia que ela estava nesse convento. A entrada dela para o convento foi completamente ignorada.

Parece-me que o público sabia, assim de um modo geral, que ela estava em um convento. Mas vá agora a gente descobrir por essas vastidões da Terra qual o convento onde estaria a jovem Bernadette. De mais a mais, Nossa Senhora e os milagres atraíam todas as atenções e se concentravam nesses dois pontos, e, como é razoável, a vidente que tinha sido um glorioso e santo instrumento para que esse plano de Nossa Senhora se realizasse, saiu da cena e afundou exatamente no isolamento.

Parece que revestido do hábito religioso ela manifestou ter uma estatura menor do que com o hábito de camponesa. Era muito pequenininha. Se não fosse irreverência dizer que ela era quase um ratinho, é o que se deveria dizer. E aquela louçania, aquele vigor que ela tinha antes de entrar para o convento foi perdendo no seu ímpeto em vista de numerosas doenças que sucessivamente a afligiram. Ela, portanto, foi implodindo. Ela, em vez de desabrochar, foi mirrando, murchando, e no convento a tinham em conta de nada e de ninguém.

Daí o fato de que ela, que parece que não tinha contato com a família também, é a impressão pelo menos que se tem através dessa oração, ela foi se sentido terrivelmente abandonada. Esse abandono era um abandono dos que a circundavam.

* Um modo de compreender alguma coisa do misterioso sentimento de abandono de que fala Santa Bernadette Soubirous

Os senhores, para terem bem uma idéia disso, precisam se colocar nessa posição:

Imaginem os senhores que um dos senhores fosse chamado para a seguinte vocação: por uma combinação comigo, permanecendo membro da TFP, sumir um belo dia de dentro da TFP, dando a impressão a todos que tinha desaparecido. Mas ao mesmo tempo que sumisse, entrar para uma instituição parecida com a nossa, uma camáldula vamos dizer, que ficasse, por exemplo, em frente a essa entrada aqui. Então a pessoa veria, noite e dia, o entra e sai do movimento, teria conhecimento das vicissitudes da TFP, das dificuldades, das vitórias da TFP, com uma vontade enorme de estar no meio de tudo, de participar [em] tudo, uma espécie de bi-vocação, uma chamando para cá, outra chamando para lá, por um sofrimento que Deus queria que ela sofresse por amor das almas, por expiação dos defeitos que ela tivesse, mas sobretudo para o resgate dos pecados e das almas dos pecadores que sem isso poderiam ir para o Inferno.

Tudo isto posto, os senhores podem imaginar como é que seria doloroso estar assim separado da TFP, ignorando tudo da TFP, procurando ouvir alguma coisa.

* O estraçalhamento que o “Alienus factus sum in domus matris mea” pode produzir

Mas uma vez ou outra, lhe chegando um eco de que alguém da TFP disse: “Ah, Fulano? Este sumiu, já não se conhece mais quase e ele dentro do nosso êremo, não se fala mais dele, ele é um desconhecido”.

Lembrar então: “Eu não sou conhecido. Há dez anos já que eu saí. Se eu aparecer lá me perguntam quem eu sou, o que eu [fui] fazer lá e o que é que eu quero lá dentro. Eu não teria o que dizer porque eu fiquei alheio àquilo que é o meu ambiente natural, próprio para o qual a minha vocação me chama“.

Seria uma sensação de alheamento, de abandono tremendo, que se exprimiria adequadamente por um dito de um desses salmos que andamos lendo, creio que foi num desses salmos que eu li esse salmo: “Alienus factus sum in domus matris mea – Na casa da minha própria mãe eu me tornei um estranho”.

“Aqui é a casa de Nossa Senhora das Graças. Eu quantas vezes passando por lá rezei, fiz uma vênia, ou cheguei até à imagem, osculei os pés e as mãos da imagem. A imagem está lá, de pedra, imóvel, e eu significo tão pouco para aquele objeto material que está lá, quanto eu significo para os que vão de um lado e para o outro. Vejo eremitas com hábito, com botas, com capuz, vejo um alardo que se prepara, vejo, enfim, tantas coisas, mas eu estou só”…

E vem alguém e diz:

– O senhor, o que está fazendo aqui dentro? Tenha a bondade de sair. O senhor não é da TFP, o senhor saia.

A gente diz:

– Eu posso ficar do lado de fora olhando?

– Pode, isso pode. Se quiser fique lá fora.

Os senhores podem imaginar o estraçalhamento que uma coisa dessas pode produzir. Aí os senhores compreenderão alguma coisa deste misterioso sentimento de abandono de que fala Santa Bernadette Soubirous. Abandono pelos mais íntimos, abandono pelos mais queridos. Abandono não só porque eles tenham abandonado, mas porque Nossa Senhora a chamou para separar-se dos seus. Quis isso, mas sabendo que a conseqüência é o abandono. Na casa da gente, a gente fica esquecido também ao cabo de algum tempo, é natural.

Então, um abandono assim, mas também – quantas vezes isso acontece na vida religiosa – abandono dos irmãos, no caso dela das irmãs, abandono da superioraPor quê? Porque não se entendem, porque não se compreendem, porque têm que se suportar uns aos outros, mas a coisa é muito penosa.

Outro dia leram diante de mim, eu creio que foi aqui nesse auditório, uma frase de Santa Teresinha do Menino Jesus que dizia que naquele convento onde ela estava, se não fosse por vontade de Deus, ela se sentia tão pouco à vontade, que ela não ficaria um minuto! Ela prepararia imediatamente o que lhe conviria para sair e sairia. Ali ela morreu, ela passou a vida lá.

* O pior abandono é quando a graça parece nos abandonar

Assim também são os abandonos em que um religioso ou uma religiosa pode ficar. E pior abandono, porque nada disso é profundo, nada disso é terrível, como o seguinte: quando a graça parece nos abandonar.

Às vezes Deus Nosso Senhor, Nossa Senhora, o Divino Espírito Santo, fazem como que se tivessem retirados de nós. Nós não sentimos em nós o fervor de nossa verdadeira e autêntica piedade, nós não sentimos em nós os élans de nosso entusiasmo belicoso e polêmico. Nós não sentimos isso, nem aquilo, nem nada. Parece-nos que tudo é de pau, tudo é seco, de madeira ressequida, ressecada. A alma da gente vê aquilo tudo e vê os irmãos de vocação da gente, por exemplo, cantarem com entusiasmo tal e tal coisa, a gente canta, mas canta e percebe que é com os lábios, que a alma está completamente seca, que os fervores das grandes horas nos abandonaram.

* Deus nunca está tão íntimo numa alma do que na hora em que Ele resolveu fazê-la passar pela sensação do abandono

Às vezes – porque é terrível isto que eu vou dizer – isto decorre de provas a que Deus submete a alma. Ele nunca está tão íntimo numa alma do que na hora em que Ele resolveu fazer esse fiel ou essa fiel passar pela sensação do abandono, de que Ele está a léguas, de que Nossa Senhora está a léguas.

É preciso a gente olhar para uma imagem que nos deixa na esterilidade e dizer: “Preciosa imagem, eu não creio em vós, eu não creio nessa sensação de indiferença, de ausência, de distância com que vós pareceis repelir-me. Eu sei que este é um efeito que produz em mim a graça para eu sofrer, e este sofrimento, como vem da graça, eu o quero. Mas é uma coisa porque eu quero, porque eu sei que esse abandono não me destrói, que é por meio dele que eu me edifico e por meio dele que eu me santifico. Eu osculo este abandono, eu vos saúdo, árida imagem que outrora eras meu encanto, e eu vos digo até logo, porque virá um dia em que eu sentirei vosso sorriso de novo”.

Vênia na aridez e continua o caminho até à capela. O meu eremita, o meu filho, chega até à capela e reza.

É possível que vendo eu qualificar todo o membro da TFP de meu filho isso produza – é comum, aliás, que aconteça – um certo efeito, uma certa sensação em alguns.

Mas é possível que em algum outro produza uma aridez: “Ele diz isso para todo o mundo. Ele nem sabe quem sou eu. Eu sou um jovem enjolras vindo lá nem sei de que lugar. Ele me cumprimenta por bondade, por amabilidade, deixando-me na dúvida se ele me está reconhecendo ou não. Há um ano que eu não o vejo, há um ano que eu penso nele, ele não pensa mais em mim. Por quê? Porque não pode, são tantos que ele não pode se lembrar de todos. Eu fico fazendo parte dos filhos ignorados, abandonados, enquanto, pelo contrário, eu estou pensando nele”.

Vê-se que coisa análoga, mas tendo por objetivo o próprio Nosso Senhor, portanto, coisa muitíssimo mais dura, sofria Santa Bernadette Soubirous.

Vale a pena, à luz desse comentário que está um pouco longo demais, reler palavra por palavra, os senhores que queiram podem acompanhar o texto, e nós vamos ver o fundo, o sentido profundo de tudo isto.

* Mesmo na desolação devemos clamar como S. Pedro: “Para onde iremos, Senhor, se só Vós tendes palavras de vida eterna?”

“Ó Jesus desolado e ao mesmo tempo refúgio das almas desoladas, Vosso amor ensina-me que é de Vossos abandonos que devo haurir toda a força de que necessito para suportar os meus”.

Aqui está a primeira idéia.

Eu devo sofrer por que Jesus na Sua Paixão – e já antes da Paixão, pelas ingratidões e pelas injustiças que Ele sofreu – Ele sofreu desolações, Ele se sentiu abandonado, Ele se sentiu incompreendido. Naquele momento, por exemplo, em que Ele disse, eu acho que foi naquele momento: “Esse pão é verdadeiramente minha carne…”. Ele disse alguma coisa que fazia alusão à divindade dEle e à presença real dEle no Santíssimo, e alguns O abandonaram, um bom número O abandonou também. Ele se voltou para os que ficavam e fez essa pergunta, onde toda a dor da desolação vinha, desolação por aqueles que O tinham abandonado: “E vós também me abandonais?” São Pedro então teve para Ele essa resposta magnífica: “Para onde iremos, Senhor, se só Vós tendes palavras de vida eterna?”

Ela está sofrendo a desolação, mas lembra da desolação de Nosso Senhor, e lembra que Nosso Senhor sofreu a desolação entre outras muitas intenções pelas almas desoladas. Então ela, por assim dizer, se refugia junto a Nosso Senhor e na desolação dela, ela vai fazer companhia ao grande Desolado, com “D” maiúsculo. É Ele. Estar junto de Jesus alguma coisa se alivia na desolação.

* É duro suportar o abandono, mas quando eu penso, Senhor, no Vosso abandono, então me vem uma força para suportar esse abandono, que sem isso eu não teria

“Ó Jesus desolado e ao mesmo tempo refúgio das almas desoladas, Vosso amor ensina-me que é de Vossos abandonos que devo haurir toda a força de que necessito para suportar os meus”.

É duro suportar o abandono, mas quando eu penso Senhor, no Vosso abandono, então me vem uma força para suportar esse abandono, que sem isso eu não teria.

O que equivale a dizer que sempre que nós queremos, numa determinada virtude, ser excelentes, nós devemos nos dirigir a Jesus, pensando no que Ele sofreu a propósito daquilo, no que foi duro para Ele aquele passo da vida em que Ele mostrou a tal virtude que nós queremos adquirir, e devemos então pedir a Ele que, em nome do abandono dEle, Ele nos dê forças para suportar o nosso abandono.

É um alto pensamento.

“Estou persuadida de que o abandono mais temível em que eu possa cair seria não participar do Vosso”.

A coisa mais terrível é que a abandonada deixasse de confiar no divino abandonado, deixasse de estar próxima e de unir o abandono dela ao sacratíssimo e insondável abandono dEle. Neste momento, sim, ela estaria abandonada, porque ela estaria separada dAquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.

“Mas como Vós me destes a vida com a Vossa morte, e me livrastes, por Vossos sofrimentos, daqueles que me eram devidos, também merecestes, pelo Vosso desamparo, que o Pai celeste não me desamparasse, e que nunca estivesse mais próximo de mim, por sua misericórdia, do que quando estou mais unida a Vós na desolação”.

* A união com Nosso Senhor na desolação

Então, a Santa Bernadette nesses grandes abandonos se une a Nosso Senhor desolado e abandonado. Nosso Senhor, por exemplo, que pergunta durante Sua agonia, pergunta ansioso aos Seus Apóstolos que Ele encontra dormindo: “Una hora non potuisti vigilare mecum? – Nem sequer uma hora vós podias vigiar comigo?” E vem aquela frase: “Vós que vos animáveis uns aos outros para morrerem por mim, não vedes Judas que está percorrendo por aí a cidade à procura de dinheiro, à procura de quem lhe pague o preço infame da traição? E vós a Mim me abandonais?”

“Ó Jesus, luz da minha alma, iluminai os meus olhos interiores no tempo da tribulação, e já que me é útil sofrer, não leveis em conta meus temores nem minha fraqueza”.

Diante desse abandono a alma tem temores: “Abandonada assim, o que farei? Se vier uma tentação avassaladora, eu tenho meios de resistir?” São fraquezas, são temores.

“Senhor, não leveis em conta isso em mim, tende pena de mim. Tudo isso eu Vos peço pelo mérito dos Vossos abandonos. Os Vossos abandonos que têm mérito infinito me dão a força para agüentar os meus”.

Para evitar de estar fazendo comentário inútil, aqueles para quem isto está claro queiram levantar o braço.

* “Eu Vos conjuro, ó meu Deus, por Vossos desamparos, não que não me aflijais, mas que não me abandoneis na aflição”

“Eu Vos conjuro, ó meu Deus, por Vossos desamparos, não que não me aflijais, mas que não me abandoneis na aflição, que me ensineis a procurar-Vos nela como o único consolador, que sustentais nela a minha fé, que nela fortifiqueis minha esperança, que purifiqueis nela o meu amor; concedei-me a graça de reconhecer nela a Vossa mão, e de não desejar nela outro consolador a não ser Vós”.

É tão linda e tão cristalina essa súplica – aliás, se nós, por exemplo, colássemos aos pés de uma imagem de Nosso Senhor crucificado só essa súplica, sem o mais, já teria todo o sentido – que nem creio que seja necessário comentário.

O senhor então faz favor de reler frase por frase.

“Eu Vos conjuro, ó meu Deus…”

“Eu Vos conjuro” quer dizer Vos peço.

“Eu Vos conjuro, ó meu Deus, por Vossos desamparos…”

Não porque minha piedade, minha oração valha qualquer coisa, eu não tenho méritos, eu sou um zero. Mas Vós morrestes por mim e eu sou um dono de um tesouro infinitamente maior do que os meus próprios méritos. Eu sou dono dos Vossos méritos, ó meu Deus, porque por mim Vós morrestes.

“Eu Vos conjuro, ó meu Deus, por Vossos desamparos, não que não me aflijais…”

* “Coração de Jesus fonte de toda a consolação, a Vós eu digo: não me tireis a minha desolação, mas dai-me forças para suportá-la”

Ela não pede que Nosso Senhor retire dela o desamparo, porque ela sabe que por meio desse desamparo ela completa a obra de Nosso Senhor.

Há uma comparação que certos autores fazem com o que se passa na Missa e com essa afirmação: de que nós de algum modo – nós que não somos senão nós – completamos os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo para que a Redenção infinitamente preciosa, que Ele fez derramando Seu Sangue, produza depois para os homens a totalidade daquelas abundantes riquezas para as quais Ele deliberou morrer.

Então: “Vós sabeis, eu não Vos peço que façais cessar essa aridez. Mas em nome de Vossas divinas aridezes, em nome das Vossas divinas desolações, ó Jesus, que na Ladainha do Coração de Jesus sois chamados Cor Jesus fons totius consolationis, Coração de Jesus fonte de toda a consolação, a Vós eu digo: não me tireis a minha desolação, mas dai-me forças para suportá-la”.

Eu considero uma oração sublimíssima essa!

“Eu Vos conjuro, ó meu Deus, por Vossos desamparos, não que não me aflijais, mas que não me abandoneis na aflição, que me mas que não me abandoneis na aflição, que me ensineis a procurar-Vos nela como o único consolador…”

Que me ensineis, meu Deus, a analisar e ver a minha aflição com olhos tais, que eu compreenda que sabendo que Vós sofrestes uma desolação infinitamente maior, para que eu sofra também alguma coisa para completar a Vossa desolação, que por esta maneira Vós quereis Vos utilizar de mim, eu Vos digo: desolai-me, assolai-me se quiserdes.

Ela não pede a desolação, ela diz que está disposta a suportar. É uma coisa diferente. Mas o pedido está feito aí.

* Nossos méritos não valem nada, mas unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo têm um valor infinito e Deus recebe com agrado extraordinário

Eu ia dizendo e me escapou que há uma linda comparação nessa temática, que é a seguinte:

Quando o padre durante a Missa pinga uma gota de vinho e depois uma gota de água no cálice, essa água e esse vinho formam com o vinho que está no cálice antes da consagração, formam uma só massa liquida. E acontece então que a água que nunca poderia ser matéria para a transubstanciação, para o milagre de ser uma aparência dentro da qual está realmente presente com Corpo, Sangue, Alma e divindade Nosso Senhor Jesus Cristo, esta gota de água participando e diluindo-se naquele vinho, ela forma com o vinho um só corpo. E quando o vinho for transubstanciado, os restos daquela água, o que compunha aquela água antes está misturada ao vinho e vai transubstanciar-se também.

Isto somos nós com os nossos méritos. Nossos méritos não valem nada, é pouquíssima coisa, mas unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo têm um valor infinito e Deus recebe com agrado extraordinário.

Quem vê o padre com aquelas galhetas não tem idéia da simbologia estupenda que isto significa.

“…que me ensineis a procurar-Vos nela como o único consolador, que sustentais nela a minha fé, que nela fortifiqueis minha esperança…”

Então eu Vos peço, Senhor, no meio da desolação, que um dos riscos é de perder a esperança, fortifiqueis minha esperança. Eu Vos peço.

“…que purifiqueis nela o meu amor…”

Que façais com que este amor com que eu Vos peço isso seja puro de tudo quanto não seja amor a Vós, não seja, portanto, para eu ficar encantado com o heroísmo da virtude que eu mesmo estou praticando. Não seja para nenhuma outra coisa, mas seja exclusivamente por Vós e por mais nada que eu faço isso.

“…concedei-me a graça de reconhecer nela a Vossa mão, e de não desejar nela outro consolador a não ser Vós”.

* “Quando eu sentir esta desolação eu reconheça a Vossa mão nessa desolação”

Fazei com que quando eu sentir esta desolação eu reconheça a Vossa mão nessa desolação.

“…concedei-me a graça de reconhecer nela a Vossa mão, e de não desejar nela outro consolador a não ser Vós”.

Se papai, mamãe, titio, o Dr. Degas estivessem aqui para me consolar, como eu ficaria todo consolado, todo esparramado, todo vaidoso, todo melado. Mas o Divino Consolador… esses não sois Vós. Vós sois outro, Vós sois o que morreu por mim na cruz, Vós sois o Filho de Deus encarnado, Vós sois o Filho de Maria Santíssima.

Maria Santíssima que como Medianeira Universal de todas as graças é o canal por onde todas essas súplicas e considerações devem subir a Vós, sob pena de que Vós não [as] aceiteis, e porque Ela se une à minha prece, a minha prece tomará valor e por causa disso eu serei ouvido.

Então fazei-me compreender, fazei-me querer, amar e alegrar em que seja assim. Meu único consolador sóis Vós, ó Jesus Cristo, doce Filho de Maria.

Humilhai-me, então quanto Vos aprouver, e consolai-me somente a fim de que eu possa sofrer e perseverar até à morte no sofrimento.

* “Como um maestro com sua batuta dirige os vários instrumentos musicais, assim as várias causas da minha desolação funcionam à maneira de uma orquestra de dores”

Vejam então: humilhai-me e consolai-me quanto Vos aprouver.

Ela não diz, por exemplo: “Mandai-me agora novas humilhações”. Não, é quando quiserdes. Se quiserdes fazer cessar essas humilhações agora, está bem. Se quiserdes inundar-me de consolações agora, está bem. Mas também se, de outro lado, Vós quereis me humilhar, na aparência quebrar-me, eu aceito, ó meu Deus. Eu sei que é Vossa mão que está dirigindo as coisas.

Como um maestro com sua batuta dirige os vários instrumentos musicais, assim as várias causas da minha desolação funcionam à maneira de uma orquestra de dores. Ora é tal dor que Nosso Senhor manda que se torne mais viva, outra hora é outra decepção. Então será a traição de um amigo, será uma dor física, será um prejuízo nos negócios, será a perspectiva de um agravamento muito grande de uma moléstia, será isto, aquilo e aquilo outro. Pouco incomoda, é a mão de Jesus que está fazendo com que esses instrumentos se movam no ar.

Eu estou disposto e aceito as dores, e quando me acontecer uma coisa inopinada que eu disser: “Mas até isto, ó meu Deus”, eu me lembrarei de Jesus que do alto da cruz disse: “Deus, Deus meus, quare me dereliquisti? – Deus, ó meu Deus, por que me abandonastes?”

“Já que as graças que Vos peço são fruto de Vossos desamparos, fazei que sua virtude se manifeste na minha fraqueza…”

Então essas graças que eu Vos peço são fruto do Vosso desamparo, das Vossas desolações. Fazei com que em mim se manifeste a Vossa fortaleza, porque eu sendo tão fraca, eu agüentei tanta desolação. Nisto ficará provado que quem me ajudou a isto fostes Vós, porque eu por mim não agüentaria nada.

Já que as graças que Vos peço são fruto de Vossos desamparos, fazei que sua virtude se manifeste na minha fraqueza, e glorificai-Vos na minha miséria, ó meu Jesus, único refúgio da minha alma.

* Na desolação, o cântico da glória de Deus

Minha miséria permanecendo fiel a Vós é uma glória para Vós. Com isso, meu Senhor, na aridez eu vibro de uma alegria que eu não sinto. Pensando naquilo que São Francisco de Salles chama “a fina ponta da alma”, pensando na fina ponta da alma isto: “Dá glória a Ele? Está bem”.

É como Nosso Senhor no alto da Cruz bradando: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonastes?”, mas sabendo que nesse abandono completo, em que Lhe parecia que Deus [O] tinha entregue aos seus inimigos do modo mais humilhante, mais infamante, mais próprio a desmentir todas as esperanças que Ele, Nosso Senhor, tinha missão de levantar no coração dos homens, Ele sabia que nisso tudo que era a negação completa estaria a glória. E quando Ele para o bom ladrão: “Tu hoje estarás comigo no Paraíso”, ao mesmo tempo Ele cantava, na desolação, a própria glória de Deus.

Ele falava que o bom ladrão estaria no Paraíso, era o modo árido de dizer que também Ele sabia que com aquela coroa de espinhos, com aqueles ferimentos todos, preso na cruz… Eu li um estudo de um médico francês a respeito do que Nosso Senhor sofria na cruz. É uma coisa inenarrável.

Por exemplo, eu não me lembro bem cientificamente dos termos da coisa, mas Ele estando com as mãos cravadas na madeira da cruz, suspenso pelos braços e apoiado na cruz pelas pernas, as coisas se passavam de tal maneira, que quando Ele respirava dava nEle certas dores, e quando Ele deixava de respirar dava outras dores, de maneira que nEle a respiração era uma alternação de uma dor para outra. Quando doía demais uma coisa, Ele mudava para outra, e quando doía demais a segunda, ele mudava para a primeira.

Os senhores podem imaginar respiração mais terrível?

Foi ofegando assim, de ofegamento em ofegamento, como quem sobe passo-a-passo os degraus de uma escada, que num certo momento Ele pôde dizer: “Consummatum est”. Nesse momento os céus se abriram para Ele, o Padre Eterno sorriu, todos os anjos cantaram a glória dEle, o Divino Espírito Santo o encheu dos seus afagos e Ele entrou para a felicidade eterna.

Aqui está a reflexão de Santa Bernadette Soubirous, comentada mal e mal.

(Ainda continua mais dois parágrafos pequenos.)

“Ó Mãe Santíssima do meu Jesus, que vistes e sentistes a extrema desolação do Vosso querido Filho, assisti-me no tempo da minha desolação.

“E vós, santos do Paraíso, que passastes por esta provação, tende compaixão daqueles que sofrem, e obtende-me a graça de ser fiel até à morte”.

Que linda invocação!

Quer dizer, eu estou sofrendo, ó santos do Paraíso, eu estou sofrendo essa desolação. Mas eu sei que todo o mundo que é santo e que se torna santo passa por desolações destas. Portanto, eu vos peço a todos que conheceis por experiência própria o que é o terror das desolações, eu vos peço: vós vencestes nisto, agüentastes toda a desolação, tende em vista o peso dessa desolação, tende pena de mim e alcançai-me forças para suportá-la.

* Um dos lances mais emocionantes da Paixão de Nosso Senhor: o encontro com Nossa Senhora

Mas o que é a desolação de tantos santos, de todos os santos que a Igreja teve, tem e terá até ao fim do mundo com um minuto da desolação sofrida ao pé de da Cruz por Nossa Senhora?

Eu não sei se os senhores pensaram num dos lances mais emocionantes da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na antiga Via-Sacra constituía uma estação, na qual a Cruz era posta nos ombros divinos, mas em que havia episódios colaterais: Nosso Senhor se encontrava com Sua Mãe e também havia o caso do Cirineu. Nesse momento em que Nossa Senhora chega e vê o Filho dEla pela primeira vez desde que se separaram, Ela vê o Filho dEla naquele estado… Eu acho que não há dúvida de que Ela como que voou de encontro a Ele, e Ele vergado sob o peso da cruz não pôde nem andar até onde estava Ela.

O que é que disseram naquela ocasião? Que gemidos inefáveis Nosso Senhor manifestou para fazer com que Ela tivesse toda a idéia da imensidade de Sua desolação? Mas também o que Ele significou a Ela do consolo inenarrável de encontrá-La?

Os senhores imaginem só o seguinte: se todos os homens se tivessem salvo, se todos tivessem no Céu atingido o grau de santidade a que eles fariam jus e que lhes era… [Vira a fita]

Mas o resultado também é que se Nosso Senhor naquele passo de Sua Paixão encontrasse todos os homens do mundo que houve, que há e que haverá que fossem fiéis e O consolassem, isso não valeria para Ele um dito de Nossa Senhora, como assim: “Jesus, Meu Filho!” Isso valeria para Ele enormemente mais, porque Nossa Senhora vale mais do que todas as meras criaturas somadas.

Então a desolação dEla não tinha medida, mas a consolação que Ela levou a Ele foi inefável também. Desde que Maria estava ali presente, Ele tinha uma consolação extraordinária.

* Aos pés da Cruz, São João recebeu o maior dom que uma pessoa pode receber: a Mãe do próprio Salvador

Ele não se esqueceu dEla. Porque depois a narração evangélica não nos dá nenhum sinal de que Ele tenha dito alguma coisa a Ela, que Ele tenha visto o pranto dEla, que Ele tenha procurado consolá-La, nada disso. Os acontecimentos se desenvolvem com a atenção do evangelista fixada apenas no que acontecia pessoalmente a Ele.

Mas então Ele se esqueceu da presença dEla? Não. No último momento, estando Ela desolada como estava, Nosso Senhor deu a Ela um filho para substituí-Lo. Disse: “Mãe, eis aí teu filho”. E deu um filho inestimável, o filho puro, o Apóstolo virgem. Era o mais indicado para substituir – que substituição! – o Cordeiro de Deus junto à Virgem das virgens.

Os senhores podem imaginar a casa de São João com Nossa Senhora residindo lá, que aroma de pureza, que aroma de castidade havia ali. Para falar só disso, não falar do amor de Deus e de tantas outras coisas excelentíssimas de que havia de falar.

Ele [disse] para São João: “Filho, eis aí tua mãe”. Que dom! O único Apóstolo que estava ali presente era São João; ele recebeu o maior dom que uma pessoa pode receber. Ele recebeu uma Mãe. Que Mãe? A Mãe do próprio Salvador.

São João também tinha desaparecido. Parece que ele fugiu deixando, entre as mãos dos que queriam agarrá-lo, a túnica na qual estava envolto. Ele fugiu como os outros, mas em certo momento, nesse momento, fica-se tendo a notícia de que ele tinha aparecido.

Em que momento é que ele chegou? Desde quando ele acompanhava o Divino Mestre e O consolava com a sua presença? Não sabemos. São segredos das desolações e das consolações.

* As desolações muitas vezes são percorridas por verdadeiros raios de consolação; as consolações são às vezes cortadas por verdadeiros raios de desolação

As desolações muitas vezes são percorridas por verdadeiros raios de consolação. As consolações são às vezes cortadas por verdadeiros raios de desolação. Nós devemos amar umas e outras, desde que, a rogos de Nossa Senhora, Nosso Senhor Jesus Cristo nô-las mande.

É o que nós devemos pedir como uma graça especial no fim das orações de hoje à noite.

Isso está terminado e nós vamos agora passar à leitura e comentário um pouco rápido do livro. [Aplausos]

Eu me comprometo a fazer daqui por diante comentários mais sucintos do que este. Esses temas arrastam a pessoa a falar demais.”

Com áudio e texto, comentários do Prof. Plinio. https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Mult_940629_Santa_Bernadette_abandono.htm#.Yge9KN_MKMo

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Plinio Corrêa de Oliveira

Plinio Corrêa de Oliveira

551 artigos

Homem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".

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