Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
12 min — há 5 anos
Autor: Rodrigo Guerreiro Dantas
Catolicismo n° 315, março de 1977
A editora Paz e Terra (Rio de Janeiro) lançou no ano passado o livro “Ação Cultural para a Liberdade”, do professor pernambucano auto-exilado Paulo Freire. Trata-se de uma coletânea de textos escritos entre 1968 e 1974 sobre o tema da alfabetização de adultos… Ou por outra, aquilo que P. Freire, bem como toda a multinacional da subversão entendem por “alfabetização”.
“Catolicismo” já se ocupou do assunto, focalizando mais especificamente a mecânica do método Paulo Freire de alfabetização, e apontando de modo apenas genérico seus objetivos revolucionários (ver P. Ferreira e Melo, Paulo Freire: educação como prática da “libertação”, no. 296/298, agosto/ outubro de 1975).
Pretendemos apresentar agora essas metas revolucionárias, expostas à plena luz do dia em “Ação Cultural para a Liberdade”.
Na presente coletânea, Paulo Freire não se preocupa em esconder a inspiração marxista que anima a filosofia educacional por ele proposta. Copiosas citações e referências a Marx e autores marxistas recheiam essas páginas. Delas goteja luta de classes, ódio à estrutura política, social e econômica do mundo ocidental, simpatia pelos países comunistas, especialmente China e Cuba. Será por isso que — como confessa na nota introdutória — ele hesitou tanto em reunir esses textos num só volume e publicá-los no Brasil?
Paulo Freire não aceita a alfabetização, no sentido corrente, de ensinar a ler e escrever. Isto é, de ensinar o valor fonético de cada letra, e pois das sílabas, a fim de que, vendo-as dispostas no papel, o alfabetizando saiba reconhecer as palavras e os textos; bem como as noções básicas de caligrafia, ortografia e gramática, que lhe permitam traduzir o pensamento em linguagem escrita.
Para o professor pernambucano isso não tem valor, e não passa de “ato mecânico de “depositar” palavras, silabas e letras nos alfabetizandos” (p. 13), de nada servindo ao trabalhador rural ou urbano para “compreender, criticamente, a situação concreta de opressão em que se acham” (p. 15); “mera transfusão alienante” (p. 14), que em nada contribui para a “transformação revolucionária da sociedade de classes, em que a humanização é inviável” (p. 122).
Depreende-se facilmente dos textos de Paulo Freire, que só há no mundo um problema verdadeiramente capital: a “libertação” das “classes oprimidas”.
Os métodos comuns de alfabetização, ignorando esse problema central, seriam cúmplices da “dominação” e “opressão das classes exploradoras” sobre a massa escravizada. O silêncio diante dessa situação “injusta” significa aprovação e favorecimento do status quo.
Convém aqui chamar a atenção para o significado verdadeiro das expressões “injustiça”, “opressão”, “desumanização” etc., na linguagem dos progressistas e esquerdistas.
Analisando a obra de Paulo Freire, como aliás de outros autores esquerdistas, vemos que, na realidade, eles não visam a melhoria das condições de vida dos camponeses e operários.
Não; o que essa corrente quer é acabar com a sociedade de classes. Senão, vejamos o que visa Paulo Freire: “a transformação radical, revolucionária, da sociedade de classes” (p. 48); “a organização revolucionária para a abolição das estruturas de opressão” (p. 50); “a denúncia da sociedade de classes como uma sociedade de exploração de uma classe por outra” (p. 59); “a transformação revolucionária da sociedade de classes, em que a humanização é inviável” (p. 122) etc.
A miséria e a fome, são apenas aspectos circunstanciais e acessórios, que podem ser instrumentalizados como fator propagandístico muito útil. Mas o que o professor pernambucano, no fundo, não admite é a existência de classes, seja boa ou não a situação dos operários e camponeses, pouco importa; só considerando “humana” a sociedade sem classes, onde necessariamente todos são pobres, a exemplo das infelizes nações “libertadas” pela seita marxista.
“Injustiça”, “opressão”, “desumanização” é, pois, a mera desigualdade, ainda que as classes inferiores tenham condições de vida compatíveis com a dignidade humana. Eis o âmago do pensamento de todas as correntes cripto-marxistas.
Coerente com esta impostação, Paulo Freire censura todas as medidas que, dentro de uma estrutura social que respeite a propriedade privada, tenham por objetivo dar boas condições de vida às classes mais humildes. Para ele essas são medidas de cunho “paternalista” e “assistencialista“; são “práticas que costumamos chamar de “ação anestesiadora” ou de “ação aspirina”, expressões de um idealismo subjetivista que só pode levar à preservação do “status quo” (p. 106).
A ele pouco importa a diminuição das tensões sociais (p. 77); não procura, tampouco, a “humanização do capitalismo“, mas sim a “sua total supressão” (p. 122).
Isto porque a “libertação das classes oprimidas“, na sociedade de classes, “só se dá na ultrapassagem daquela sociedade e não na simples modernização de suas estruturas” (p. 122). “As classes dominadas, silenciosas e esmagadas, só dizem sua palavra quando, tomando a história em suas mãos, desmontam o sistema opressor que as destrói” (p. 129). Em última análise, é a “ditadura do proletariado“, que opera a “transformação da sociedade de classes” e a “construção da sociedade socialista” (p. 78). Singular “alfabetização”, essa do Sr. P. Freire!
Paulo Freire acusa os métodos comuns de alfabetização de “sacralizarem”, “mitificarem” a atual ordem social com o fim de preservar o poder das classes dominantes, quebrando nos educandos “oprimidos” qualquer veleidade de contestação. Seriam métodos “opressores”, “desumanizantes”, “domesticadores” (cfr. pp. 81 e 101).
Contudo, por mais que se procure, não é possível encontrar nos textos de “Ação Cultural para a Liberdade” o mínimo indício que de longe possa significar qualquer concessão a tudo o que não seja a pregação da luta de classes, da transformação revolucionária na sociedade, do estabelecimento de um regime marxista à moda da China vermelha ou da Cuba castrista!
É possível que o autor não veja nisso a “sacralização” de uma mística revolucionária?
Paulo Freire considera Che Guevara [foto ao lado] “um dos maiores profetas dos silenciosos do Terceiro Mundo” e o aponta como exemplo de “comunhão entre a liderança e as massas populares“, e modelo de líder que submetia a “sua prática diária a uma constante reflexão crítica“. Logo em seguida reconhece “a falta de interesse dos camponeses pelo movimento guerrilheiro:.. (p. 80).
É sabido que os camponeses bolivianos, aos quais os guerrilheiros se misturavam, a fim de intoxicá-los com a propaganda subversiva, após ouvirem a doutrinação marxista, iam denunciar à polícia a presença dos “libertadores” entre eles. Donde o completo fracasso das guerrilhas na Bolívia.
Por que então Che Guevara, nas suas reflexões críticas, não reviu os seus princípios marxistas? Por que não “comungou” das ideias refratárias ao comunismo, dos camponeses. bolivianos?
É que para esse gênero de Don Quixote fura-mitos, Marx — o “desmitificador” por eles mais do que ninguém mitificado — não pode errar.
Os camponeses bolivianos sim é que deviam estar com alguma forma de “alienação psíquica”. Na linguagem do autor, sofreriam de “condicionamento das mentes pelas estruturas opressoras”, ou algo assim.
E com tiradas demagógicas desse gênero a minoria revolucionária vai buscando libertar todos os homens da liberdade de recusar a escravidão marxista.
Segundo o sistema revolucionário, não apenas os educadores têm a aprender com os educandos, mas estes ao “refletir criticamente sobre o processo de ler e escrever” (p. 49) “assumem o papel também de agentes da ação” (p. 35). Quer dizer, “na educação para a libertação não há sujeitos que libertam e objetos que são libertados” (p. 89), pois “ninguém conscientiza ninguém” (p. 109).
Mas então, quem “conscientiza”, e portanto “educa” e “liberta”?
Um ente extraordinário: “o movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação anterior e a subsequente ação no processo daquela luta [pela libertação]” (p. 110; negrito nosso).
Acontece que os parâmetros dessa autocrítica — e eles são absolutamente intocáveis — conduzida pelos “educadores”, já estão postos “a priori” pela minoria radical adestrada, através de uma terminologia sofisticada e hermética, absolutamente fora do alcance cultural dos educandos.
Por exemplo, fazendo a crítica da educação revolucionária como se deu no Chile de Frei e de Allende, Paulo Freire aponta o fenômeno da permanência do modelo do antigo patrão no espírito dos educandos, como o verdadeiro patrão a quem devem seguir. E os educandos, no caso, eram os camponeses “libertados” pela reforma agrária socialista e confiscatória, forma genuína de “educação revolucionária” (pp. 33-34). Mais adiante, volta a comentar a tendência dos grupos ou classes “dominadas” a seguir o modelo cultural dos “dominadores” (p. 53).
Afirma o autor que a causa desse fenômeno é a “introjeção” dos modelos do patrão dominador e sobretudo do mito da superioridade desse sobre os dominados. E conclui que a solução para essa situação embaraçosa só pode vir através da “dialética da sobredeterminação” .(pp. 33-34, 53).
Ora, imaginemos uma reflexão crítica entre “educadores” revolucionários e camponeses. É fácil concluir que não serão esses últimos que vão manipular uma terminologia tão sofisticada e ambígua, indispensável para levar à frente o processo subversivo pelo próprio desconcerto que causa.
É claro. Se os camponeses, a quem não falta o bom senso e a noção do concreto, ouvissem explicações nesses termos para solucionar seus problemas, sem dúvida mandariam tal gênero de educadores “introjetar batatas” ou “sobredeterminar dialeticamente o boi”…
Quanto à desigualdade de classes, é perfeitamente de acordo com a natureza, e com a doutrina católica. “Não é verdade que na sociedade civil todos tenhamos direitos iguais, e que não exista hierarquia legítima“, afirma Pio XI (Encíclica Divini Redemptoris, de 19 de março de 1937; Editora Vozes, Petrópolis, p. 8).
E Leão XIII é ainda mais explícito: “A igualdade que a Igreja proclama conserva intactas as distinções das várias classes sociais, evidentemente requeridas pela natureza” (Encíclica Parvenu, de 19 de março de 1902; Editora Vozes, Petrópolis, p. 16).
Poderíamos alongar indefinidamente o artigo com citações de Encíclicas e outros documentos do Magistério tradicional da Igreja, no mesmo sentido.
A superioridade de uma classe sobre outras, do ponto de vista social, cultural e econômico não significa exploração da classe superior em relação às demais. Assim pensa a Igreja há vinte séculos, ininterruptamente. Paulo Freire é tido e havido por católico. Ou aceita essa doutrina, ou usa da máscara de católico para destruir por dentro o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Aliás, sempre, numa sociedade catolicamente ordenada, há uma sadia permeabilidade que torna possível aos elementos mais capazes e esforçados das classes mais modestas galgarem até mesmo altos postos da hierarquia social, política e econômica. A existência de classes é assim fator estimulante de progresso social e de renovação das elites.
No Brasil, é proverbial o número de fortunas saídas do nada: nordestinos que vieram para o Sul com a roupa do corpo, imigrantes de todas as partes que aqui chegaram de bolsos vazios, ou pessoas que alcançaram êxito do ponto de vista social, político ou econômico no próprio lugar de origem.
O singular dialeto de palavras e expressões equívocas, empregado por Paulo Freire e por toda a multinacional da subversão, tem um papel mais profundo que fica subjacente nos textos de “Ação Cultural para a Liberdade”.
Pois fica evidente que uma vez começado em qualquer país um processo onde a agitação não encontre mais obstáculos para atuar, a minoria radical adestrada, manipulando essa terminologia revolucionária, submete a massa do povo a um estado de completo desconcerto e insegurança. Isto porque esta se vê diante de um jogo de palavras cujo conteúdo sofístico não alcança explicitar, e de cujo sentido ambíguo não consegue desvencilhar-se.
Então os fracassados, os ressentidos, os oportunistas, os que gostam de aparecer, compreendendo que os ventos sopram no sentido da subversão, são imediatamente polarizados como instrumentos da agitação revolucionária. Chateaubriand observou esse fenômeno na Revolução Francesa: “Os mais deformados do bando [a esquerda da Assembleia Legislativa] obtinham de preferência a palavra. As enfermidades da alma e do corpo desempenharam um grande papel nas nossas desordens: o amor próprio ferido fez grandes revolucionários” (“Mémoires d’outre tombe”, Gallimard, 1951, tome I, p. 311).
A partir desse momento, a única coisa que fica clara para cada um é que se não dançar segundo a batuta da minoria ativa e organizada recebe, através de uma palavra eletrizada pela demagogia, uma carapuça que pode acarretar as piores consequências. Ou seja, em todos, a desconfiança de cada um que o cerca; e a imersão da maioria no desespero frio onde a preocupação única é num primeiro momento, a de fugir das pechas, portadoras de desgraças, e num estágio revolucionário um pouco mais adiantado, a de sobreviver no próximo minuto.
Quer dizer, a aceitação, pela maioria, dos fatos consumados impostos pela minoria marxista. E para os mais refratários, os banhos de sangue característicos dessa classe de “libertação”.
Mas engana-se quem pensar que uma vez os “libertadores” no poder, conseguirá alguns minutos de repouso (ainda que com o estômago vazio e dividindo, sua casa com quatro desconhecidos).
Não. Paulo Freire afirma que o processo revolucionário é permanente. A fim de que não seja “sacralizado”, o “mundo novo exige a participação consciente das massas populares”. “Este é um dos grandes méritos da revolução cultural chinesa — o de recusar qualquer concepção estática, antidialética, imobilista da história“, proclama o “pedagogo” pernambucano! (p. 93).
Isso significa, em português claro, submeter as massas a um chacoalhar contínuo, a uma vida onde cada indivíduo esteja sempre sob a ação coarctante das agitações coletivas, de modo que jamais tenha um recanto próprio, como todo homem tem direito a ter, onde esteja só ou no aconchego dos seus, aí podendo refletir detidamente sobre as coisas que acontecem para delas fazer um juízo idôneo, isento da pressão de um ambiente dominado pelos mercenários da agitação revolucionária.
Eis aí o que está por trás do palavreado sofisticado de Paulo Freire: um regime que não só impede educar os filhos, reclamar o pão que falta, mover-se para onde se queira, possuir como seu o que é fruto do seu trabalho, mas que tira ao homem a própria possibilidade de analisar e de refletir, ainda que no interior de sua própria mente.
Não nos iludamos, um regime escravocrata como a humanidade não conheceu, nem nas tiranias pagãs de antes de Cristo.
Nosso povo, dentro de um fundo psicológico uno que herdou da catolicidade lusa, apresenta uma viveza, uma originalidade, uma riqueza de personalidade, uma sadia capacidade de análise e de crítica que o distingue sobremaneira.
Esse novo livro de Paulo Freire, lançado em 1976 pela Editora Paz e Terra, deve servir de sinal de alerta para os brasileiros.
Revista Catolicismo
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