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Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Pequeno “catecismo” para dissipar uma imensa confusão

Por José Antonio Ureta

26 minhá 9 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:49:48 PM


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Praticamente a única coisa em torno da qual há consenso é de que vivemos no meio de uma imensa confusão. E isso tanto no mundo externo quanto no próprio interior das pessoas.

Basta abrir o jornal e ler os títulos das matérias para perceber como essa confusão é generalizada, percorre todos os continentes e abarca todas as áreas da atividade humana. Ela vai desde os inextricáveis conflitos no Oriente Médio — onde os cristãos são vítimas de um confronto entre duas correntes do Islã; somado àquele de todos os muçulmanos serem contra Israel; e agravado pelo fato de as potências desejosas de manter sua influência na região. A isso acrescenta-se a guerra assimétrica contra a Ucrânia, impulsionada por uma Rússia nostálgica da União Soviética. Sim, a Rússia dirigida pelo ex-agente da KGB Vladimir Putin, que contraditoriamente se apresenta como paladino das raízes cristãs, e por isso, conta com a benevolência das direitas populistas europeias e de muitos católicos tradicionalistas!

Caso se analise o mundo das finanças e da economia, também nesse terreno reina a confusão, pois parece haver uma queda de braço entre os fatores de estabilização e desestabilização, de modo que ninguém sabe se estamos finalmente saindo da crise do subprime ou entrando em nova depressão ainda pior, que acabará derrubando o vulnerável castelo de cartas da globalização.

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Isso para não considerar o caos social, com a crise da família, a acentuada queda demográfica, o aumento das migrações, os conflitos entre imigrantes e populações nativas, o crescimento da criminalidade, a disseminação do uso das drogas e todas as demais mazelas que ocupam lugar constante nas conversações.

Mas tal confusão externa não seria tão grave se não fosse acompanhada de imensa confusão interna dos nossos contemporâneos. Ela resulta em grande parte do entrechoque de velhos princípios e hábitos mentais com novas ideias totalmente opostas, geralmente amalucadas, mas favorecidas por forte carga emocional e pela pressão da propaganda, como estamos vendo no Brasil com a tentativa de se impor a absurda “teoria de gênero”.

Nossa época assiste à maior confusão da História da Igreja

Plinio Correa de OliveiraE o que dizer da confusão reinante no campo religioso, decorrente do processo de “autodemolição” da Igreja? Já nos idos de 1968, logo após o Concílio Vaticano II, em edição especial desta revista, consagrada a Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, o grande pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira (foto) comentava o seguinte:

“Com efeito, seria difícil contestar que em algum tempo a confusão tenha sido maior nos meios católicos, do que no nosso.

“Por certo, houve épocas em que a Igreja pareceu afetada por uma confusão mais grave. Assim, as crises ao longo das quais os antipapas dilaceravam o Corpo Místico de Cristo, ou a luta das Investiduras que cindiu durante muito tempo o Ocidente cristão, lançando o Sacro Império contra o Papado. Mas essas crises, ou eram mais de rivalidades pessoais que de princípios, ou punham em jogo apenas alguns princípios, se bem que básicos, da doutrina católica.

Presentemente, pelo contrário, não há erro, por mais crasso e rotundo, que não procure revestir-se de uma roupagem mais ou menos nova para obter livre trânsito nos ambientes católicos. Pode-se dizer que assistimos em nosso próprio meio ao desfile de todos os erros, faceiramente disfarçados com pele de ovelha, a solicitar a adesão de católicos incautos, superficiais, ou pouco amorosos de nossa Fé.

“E, ante essas manobras quantas concessões, quanta falsa prudência, quanto criminoso namoriscar com a heterodoxia! Nesta atmosfera, que já sugeriu a Paulo VI algumas graves advertências, a confusão é tão grande, que em não poucos círculos os católicos zelosos da ortodoxia são mal vistos e suspeitos, enquanto a turbamulta das vítimas dos erros embuçados se porta com a desenvoltura de quem fosse dono da casa!” (Catolicismo, n° 208-209, abril-maio de 1968).

Recente prova da confusão entre os católicos: o referendo na Irlanda

Se alguém ousasse negar tal confusão nos meios católicos, bastaria apontar para a sua mais recente manifestação e as terríveis consequências que ela acarreta para a sociedade. Referimo-nos ao recente referendo na República da Irlanda, que o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, qualificou de “derrota para a humanidade”.

Com efeito, em 22 de maio passado, os eleitores irlandeses foram convocados a decidir se deveria ser incorporado à Constituição daquele país que “o casamento pode ser contratado de acordo com a lei por duas pessoas sem distinção de sexo”. A proposta era apoiada pelo governo, por todos os principais partidos políticos, pelos sindicatos e pelas principais empresas multinacionais que operam no país, e principalmente por toda a imprensa escrita, rádio e televisão.

Referedo Irlanda Casamento Homossexual

Mais de 60% dos eleitores compareceram às urnas, 62,07% dos quais votaram a favor do reconhecimento de um pseudo-casamento homossexual e os restantes 37,93% se manifestaram contra a proposta. Todos os observadores concordam que foram sobretudo os jovens que deram esse triunfo maciço ao “sim”.

O resultado produziu um terremoto nos meios católicos do mundo inteiro. Como explicá-lo num país onde 85% da população é católica e cuja taxa de assistência à missa ainda é uma das mais altas taxa do mundo ocidental (13% dos católicos assistiam diariamente à missa em 2006)?

A pressão da mídia e do establishment político, empresarial e social não é razão proporcionada para explicar que a grande maioria de um povo na aparência tão católico votasse em sentido oposto aos ensinamentos morais da Igreja, que condenam as relações homossexuais como “intrinsecamente desordenadas” e como uma “depravação grave” (Catecismo da Igreja Católica, n° 2357). Tampouco o explica a contento a perda de credibilidade da Igreja após os escândalos de pedofilia em meios eclesiásticos, denunciados por recente relatório oficial, porque na maioria dos casos tratava-se precisamente de abuso homossexual de adolescentes, o que deveria ter provocado uma rejeição ainda maior ao homossexualismo.

A explicação reside no fator de confusão descrito acima por Plinio Corrêa de Oliveira: por ocasião do referendo, desfilaram todos os erros, faceiramente disfarçados com pele de ovelha. Os fautores de tais erros solicitaram a adesão de católicos incautos, superficiais ou pouco amorosos de nossa Fé, e a obtiveram…

Enigmático silêncio do Papa Francisco, o maior fator de confusão

Dom Diarmuid Martin
Dom Diarmuid Martin, Arcebispo de Dublin, declarou numa entrevista para a televisão que o resultado do referendo revelava que a Irlanda vivia uma “revolução social”, e que, portanto, “chegou o momento da Hierarquia católica iniciar uma profunda revisão da realidade” e encontrar uma “nova linguagem”.

Reconheceu-o indiretamente o próprio arcebispo de Dublin, capital da República da Irlanda, Dom Diarmuid Martin, ao comentar os resultados numa entrevista ao Vatican Insider: “O referendo foi vencido com o voto dos jovens e 90% desses jovens que votaram ‘sim’ à proposta estudaram em estabelecimentos católicos”. De fato, 90% das escolas primárias e em torno de 60% dos colégios secundários da Irlanda são propriedade ou estão sob o patrocínio da Igreja Católica, tornando manifesto o imenso fracasso pastoral do clero irlandês na transmissão de elementos essenciais da fé e da moral.

É verdade que as declarações oficiais dos bispos católicos também contribuíram possantemente para esse resultado. O Episcopado, por medo de dar a impressão de que estava interferindo em assuntos políticos, limitou-se a uma defesa do princípio do casamento como a união de um homem e uma mulher, bem como da necessidade de as crianças terem um pai e uma mãe; mas não convocou os católicos a votarem abertamente “não”. Ademais, nenhum bispo reagiu ante o fato de que numerosos e conhecidos sacerdotes e freiras se tivessem se pronunciado publicamente a favor da aceitação da reforma constitucional.

Mas essa atitude incompreensível do Episcopado tampouco explica inteiramente o voto majoritário dos irlandeses. Outro elemento —dolorosíssimo para um fiel católico — contribuiu possantemente para dinamizar os promotores do “sim” e paralisar os defensores do “não”. Esse elemento decisivo foi a malfadada frase do Papa Francisco no avião de retorno do Brasil (“Quem sou eu para julgar?”), referindo-se aos homossexuais, bem como seu absoluto silêncio nas audiências públicas das quartas-feiras a respeito do referendo irlandês, apesar de tais audiências versarem sobre a família.

Interpretou-se naturalmente isso como uma liberdade de voto, (*) a qual levou sacerdotes favoráveis ao pseudo-casamento homossexual a evocarem o Sumo Pontífice para justificá-los na intenção de se votar pela reforma. Foi o caso do conhecido missionário redentorista Tony Flannery, que escreveu em artigo no “Sunday Independent”: “O Papa Francisco nos trouxe de volta alguns ensinamentos básicos de Jesus. Ele nos diz sem cessar que o amor, a compaixão e a misericórdia são atitudes cristãs fundamentais”.

Tudo isso somado não podia senão criar uma imensa confusão no espírito dos fiéis. E a quem beneficia a confusão? No caso do referendo irlandês, ela beneficiou claramente as forças do mal, que conduziram esse simpático país — um dos poucos baluartes do catolicismo ainda de pé na Europa — a uma apostasia virtual da Fé. E não somente à apostasia, mas até a um “desafio a Deus”, como declarou o Cardeal Raymond Burke, que ressaltou o fato histórico de que “os pagãos toleravam o comportamento homossexual, mas jamais ousaram dizer que isso fosse um casamento”.

Como consequência dessa redefinição constitucional do matrimônio, abrir-se-á dentro de poucos meses na Irlanda um imenso conflito religioso. Os colégios católicos não mais poderão ensinar a doutrina da Igreja sobre as relações homossexuais, os funcionários civis serão obrigados a registrar os “casamentos” entre pessoas do mesmo sexo, os provedores de serviços serão condenados se discriminarem os casais homossexuais (como aconteceu com o confeiteiro da Irlanda do Norte que se recusou em consciência a preparar um bolo de casamento contendo um slogan pró-casamento homossexual).

E de quem é a culpa por esse conflito? – Da confusão dos espíritos, que levou muitos a votarem “sim”, por causa das mensagens contraditórias recebidas da Hierarquia católica.

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Propostas do Cardeal Kasper para o próximo Sínodo aumentam a confusão

O “caso irlandês” servirá, aliás, para aumentar a confusão no mundo inteiro. Nesse sentido, é oportuno lembrar que Dom Diarmuid Martin declarou numa entrevista para a televisão que o resultado do referendo revelava que a Irlanda vivia uma “revolução social”, e que, portanto, “chegou o momento de a Hierarquia católica iniciar uma profunda revisão da realidade” e encontrar uma “nova linguagem”. Para ele, bem como para muitos prelados de orientação progressista, o exercício de revisão consiste em adaptar os ensinamentos da Igreja a essa nova realidade e reconhecer seus aspectos supostamente positivos, inclusive nas uniões homossexuais.

Depois do referendo irlandês, a corrente progressista comporta-se de fato como se fosse a “dona da casa”. Ela tenta apresentar os prelados ou simples católicos zelosos da ortodoxia como suspeitos de rebelião contra o Papa, o qual desejaria uma evolução da disciplina da Igreja não somente na questão do reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, mas também em relação ao franqueamento da Sagrada Comunhão aos adúlteros, ou seja, aos divorciados recasados.

Quanta confusão no tocante à pretensa “acolhida pastoral” dos casais irregulares! Das propostas para se imitar os cismáticos ortodoxos que aceitam um segundo casamento “penitencial”, feitas pelo Cardeal Walter Kasper durante o último consistório de cardeais, passando pelo relatório intermediário do último Sínodo, que pleiteava o reconhecimento de “elementos positivos” da coabitação antes do casamento e das uniões puramente civis, até a recente reunião confidencial organizada pela diretoria dos episcopados da Alemanha, França e Suíça em instalações da Gregoriana, a universidade jesuíta de Roma, na qual teólogos de destaque propugnaram abertamente uma “evolução do dogma” — os fiéis realmente estão perdendo o Norte e não sabem para onde se dirigir em busca de uma orientação.

Como bem observou o Cardeal Raymond Burke em uma de suas intervenções, a maioria dos fiéis sente-se hoje como passageiros de “um barco sem leme” que sofrem de enjoo porque “sentem que o navio está sem rumo”.

Filial Súplica ao Papa Francisco para dissipar a confusão

Quem tem a missão e o carisma para dissipar a confusão e “confirmar seus irmãos na fé” é o Papa, sucessor de São Pedro, que recebeu de Nosso Senhor o poder das chaves. Em vista disso, cerca de 300 mil católicos já assinaram uma “Filial Súplica ao Papa Francisco sobre o futuro da família”, na qual declaram ter observado “uma desorientação generalizada, causada pela possibilidade de que se tenha aberto no seio da Igreja uma brecha que permite a aceitação do adultério […] e até mesmo uma virtual aceitação das próprias uniões homossexuais” e Lhe solicitam uma palavra esclarecedora, “única via capaz de superar a crescente confusão entre os fiéis”, “certos de que ela não poderá jamais dissociar a prática pastoral do ensino legado por Jesus Cristo e por seus vigários, o que só aumentaria a confusão”.

A Filial Súplica está em circulação há mais de três meses, recolhendo a cada dia um maior número de adesões. Contudo, tal palavra esclarecedora ainda não saiu dos lábios do Sumo Pontífice, e provavelmente não sairá antes do término do Sínodo de outubro próximo, quando ele ouvirá as opiniões dos Padres sinodais participantes da assembleia.

Nem a Sagrada Família é poupada pelos fautores da confusão!

Cardeal Reinhard Marx
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos da Alemanha, cardeal Reinhard Marx, chegou a declarar que “o Sínodo não pode prescrever em detalhes o que devemos fazer na Alemanha”, posto que “não somos só uma filial de Roma”.

Ocorre que esse silêncio pesado tem encorajado uma atitude ainda mais agressiva e arrogante da parte dos setores favoráveis à mudança. Por exemplo, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos da Alemanha, cardeal Reinhard Marx, chegou a declarar que “o Sínodo não pode prescrever em detalhes o que devemos fazer na Alemanha”, posto que “não somos só uma filial de Roma”.

Tal agressividade inclui não somente os aspectos pastorais, mas também a dimensão doutrinária das questões em debate. Por exemplo, o arcebispo do Grão Ducado de Luxemburgo, Dom Jean-Claude Hollerick, enviou em nome de seu rebanho um relatório ao Vaticano, no qual afirma que é preciso respeitar o “princípio da realidade” (em lugar de “começar por normas inflexíveis ou invariáveis”) e reconhecer que as pessoas hoje não procuram formar uma família, “mas encontrar a felicidade numa relação de amor”.

Assim, “a moral católica poderá ser compreendida como um conjunto de critérios adaptados às diversas situações humanas”, deixando de ser mera “atenção pastoral da família” para se transformar numa verdadeira “pastoral do amor” que acompanha os indivíduos nos seus “projetos de amor”, evitando uma “leitura e restritiva das Escrituras” e colocando-se em consonância com o “princípio de misericórdia” do Papa Francisco.

Nessa onda de relativismo desenfreado, em seu relatório oficial os bispos suíços chegaram à ousadia de afirmar que a Sagrada Família não deve servir de modelo (sic!), em nome do falso princípio de que a Teologia deve partir de baixo, e não ser imposta de cima. Até lá chegou a ousadia que produz confusão nos fiéis!

Luz em meio às trevas da confusão

Dom Aldo Pagotto
Dom Aldo Pagotto

Porém, uma luz brilhou para dissipar boa parte de toda essa confusão. Trata-se de um pequeno opúsculo, no estilo dos antigos “catecismos populares”, intitulado Opção preferencial pela família — 100 perguntas e 100 respostas em torno do Sínodo, cujos autores são Dom Aldo Pagotto (Arcebispo da Paraíba), Dom Robert F. Vasa (Bispo de Santa Rosa, Califórnia) e Mons. Athanasius Schneider (Bispo auxiliar de Astana, Cazaquistão).

Nesse pequeno manual de 62 páginas são resumidos, de forma clara e simples, alguns temas particularmente atuais sobre a doutrina da Igreja a respeito do casamento e da família, não evitando as questões espinhosas levantadas no Sínodo Extraordinário dos Bispos, realizado no ano passado, nem aquelas que emergiram nos debates em torno ao evento, as quais foram parcialmente distorcidas pela maciça propaganda midiática em favor de um abandono da posição tradicional da Igreja.

Para dissipar a confusão artificialmente criada, o texto reitera algumas verdades doutrinárias fundamentais e algumas necessidades pastorais irrenunciáveis sobre o problema da família, a partir de uma descrição da situação real das famílias católicas de hoje, que é bem diversa daquela que os promotores das mudanças querem fazer crer.

Dom Robert Vasa
Dom Robert Vasa

Nesse sentido, o opúsculo é um verdadeiro manual de orientação, muito fácil de usar por parte de bispos, sacerdotes, religiosos, catequistas e simples leigos desejosos de ver claro em meio da confusão, para poder lutar contra a avassaladora ofensiva antifamiliar desencadeada pelas forças anticristãs fora e dentro da Igreja.

Em seu prefácio de encômio da obra, o Cardeal Jorge Medina Estévez, prefeito emérito da Sagrada Congregação para o Culto Divino, destaca o fato de que, para abordar os problemas atuais da família, é preciso uma conversão do coração e uma purificação do pensamento, afastando-se de critérios puramente mundanos, conforme advertiu São Paulo: “Não vos conformeis com este mundo, mas reformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que saibais aquilatar qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rom 12,2).

O trabalho é dividido didaticamente em treze capítulos, seguindo o método tomista de “ver, julgar e agir”. Aborda no início as questões ligadas à revolução sexual e à crise da família decorrente dela; trata em seguida dos pressupostos do ensino tradicional da Igreja sobre o casamento que devem guiar o julgamento dos fiéis; e finalmente sugere as respostas pastorais apropriadas para as situações irregulares, recusando aquelas mudanças que importariam numa traição aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos Apóstolos.

Dissipando confusões a respeito da atual crise da família

Dom Athanasius Schneider
Dom Athanasius Schneider

Quanto ao “ver” a realidade da família hoje, o trabalho afirma que nos documentos preparatórios dos Sínodos “muitas realidades e diversos problemas, mesmo importantes, foram excluídos, e de outros se apresentou uma versão parcial ou exagerada” e comenta que, por causa disso, “muitas respostas chegadas ao Sínodo, sobretudo de certos países europeus, deram preeminência às questões marginais sobre as centrais, às emotivas sobre as doutrinárias, às situações patológicas sobre as normais”. O resultado é que o diagnóstico é errado, porque “a imagem da família saída das respostas parece não ser a real, mas aquela propagada por uma certa cultura secularista através dos meios de comunicação de massa”.

Outro aspecto, que revela a unilateralidade do Questionário de consulta enviado aos episcopados e às comunidades católicas e a parcialidade dos textos produzidos pelo Sínodo extraordinário de 2014, é o desequilíbrio no emprego das palavras: “Depois, obviamente, da palavra família, as mais usadas são vida, amor, pastoral, misericórdia, afetividade, mulher. A palavra doutrina aparece somente três vezes e em contextos marginais; as palavras moral, virtude, fidelidade e castidade constam apenas uma vez. Palavras importantes para as questões familiares, como noivado, adultério, contracepção, aborto, estão de todo ausentes”.

Ao contrário do que dizem o episcopado suíço e o arcebispo de Luxemburgo, o opúsculo sublinha que a crise da família “não é consequência de uma inevitável e incontenível evolução histórica, mas é causada por uma profunda subversão moral e cultural alimentada pela revolução sexual explodida em maio de 68 sob a bandeira do ‘faço o que bem entendo’ e do ‘proibido proibir’, isto é, de uma liberdade individual sem regras nem limites”. Para os três autores, “a revolução sexual foi e continua sendo um fenômeno induzido, elaborado e dirigido por grupos ideológicos e lobbies bem organizados e financiados, que alimentam certas tendências desordenadas do homem moderno para realizar um plano revolucionário concebido em laboratório”. Portanto, as mudanças recentes na família “não podem ser simplesmente aceitas como se fossem uma realidade imperativa não susceptível de avaliação, mas devem ser avaliadas com base em um juízo moral feito à luz da Lei divina e da Lei natural”. Donde resulta que, se a crise é religiosa e moral, então a pastoral “deve basear-se em primeiro lugar nas verdades da fé e na prática das virtudes sobrenaturais”.

Maio de 68

 

A Igreja deve evangelizar o mundo, e não ser “evangelizada” por ele

A seção de Opção preferencial pela Família que fornece os critérios para “julgar” a crise da instituição familiar, abre-se com uma constatação frontalmente oposta à falácia de construir uma nova “teologia do amor” a partir da própria experiência das pessoas: “Na sua atuação, a Igreja sempre partiu da Verdade da Fé, obtida através da Palavra de Deus e da Tradição, para depois elaborar uma pastoral que a aplicasse à vida concreta, de modo a iluminar e guiar os homens rumo à salvação eterna”. E lamenta que “a tendência do Sínodo foi de proceder de modo inverso, ou seja, partir da situação concreta a fim de elaborar uma pastoral e uma disciplina acomodadas a ela”. Pelo contrário, “o Salvador deu à Sua Igreja a ordem de evangelizar a humanidade, não de ser ‘evangelizada’ por ela; de guiar os homens, não de ser guiada por eles; de santificar a História, não de ser ‘santificada’ por ela”.

Os ensinamentos morais da Igreja são permanentes e universais, “uma vez que se baseiam em duas realidades imutáveis: a natureza humana criada por Deus e as verdades eternas reveladas por Jesus Cristo”. Se o mundo moderno, movido por erros que resultam de paixões desordenadas, “perdeu o contato” com a Igreja, Ela “não deve se adaptar a esses erros ou às suas consequências, mas identificá-los, denunciá-los e remediá-los. Nisso consiste uma autêntica atualização de sua pastoral”.

O opúsculo reitera depois o ensinamento bimilenar da Igreja segundo o qual “o casamento não se reduz a um contrato privado entre duas pessoas. Ele é uma instituição fundada na Lei natural, um ato público verdadeiro e real que dá origem a uma sociedade, a qual é, por sua vez, a célula mater da sociedade: a família. Se o casamento for contratado entre fiéis, torna-se um juramento sagrado regulado pelo direito divino, pois Nosso Senhor o elevou à dignidade de Sacramento. Ele é também símbolo de uma dupla união nupcial: do Criador com a sua criatura e do Redentor com a sua Igreja.” Daí resulta que uma “segunda união” depois de um divórcio é absolutamente inaceitável, pois “o adultério é objetivamente um pecado grave e, como tal, só pode ser perdoado se o pecador manifestar não somente um arrependimento sincero, mas também o propósito de emendar-se, isto é, de quebrar o comportamento adulterino”.

Firme “não” à comunhão para os divorciados recasados e as uniões homossexuais

Ao abordar, na parte do “agir”, a proposta de abrir aos divorciados recasados a possibilidade de receberm a Sagrada Comunhão, o opúsculo adverte que “quaisquer que sejam as suas intenções subjetivas, uma pessoa notoriamente divorciada e recasada no civil encontra-se objetivamente em estado de ‘pecado grave manifesto’, não podendo, portanto, receber a Sagrada Eucaristia (Código de Direito Canônico, no 915). Se o fizer, por ser público o seu pecado, ela unirá o sacrilégio ao escândalo”. E conclui que “para serem readmitidos à Eucaristia, os divorciados recasados devem também fazer o firme propósito de não mais pecar, ou seja, de emendar-se. O que comporta sair da situação de escândalo, por exemplo rompendo os liames ilícitos assumidos. Só assim o pecador demonstra que se converteu e deseja fazer penitência”.

Respondendo a um bispo que teve a ousadia de sustentar que a Igreja poderia benzer as uniões homossexuais, sem contudo equipará-las ao casamento, os autores relembram que “a união homossexual não é uma mera convivência afetiva entre amigos, mas uma convivência erótica entre parceiros, a qual comporta o uso antinatural da sexualidade. Portanto, a união homossexual é gravemente pecaminosa, não podendo ser equiparada ao casamento nem abençoada pela Igreja. Assim, devemos nos opor às tentativas recentes de legalizá-la sob qualquer forma”.

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Dissipando a confusão criada pelo emprego abusivo de “palavras-talismã”

Mais para o fim, o luminoso manual dos três prelados trata de um tema de suma importância: o emprego, durante o debate sinodal, de certas palavras-chave por parte dos promotores da reforma.

A importância do tema foi recentemente destacada pelo sacerdote espanhol José Maria Iraburu, num artigo de seu blog intitulado “Pensamentos e pensações”. Se os pensamentos são produzidos pela razão iluminada pela fé, diz ele, o neologismo “pensações” refere-se a sensações e sentimentos que orientam as pessoas como se fossem pensamentos, quando na realidade não o são. São meras “vivências” subjetivas que contrariam a realidade e as convicções explícitas das pessoas.

É precisamente nesse campo do subconsciente que operam certas “palavras-talismã”, descritas magistralmente pelo opúsculo: ‘Palavra-talismã’ é um vocábulo de si legítimo, de forte conteúdo emocional, escolhido sobretudo para ser tão flexível e mutável, de modo a poder assumir vários significados em função dos contextos em que é usado. Esta sua elasticidade torna-o passível de um uso propagandístico, submetendo-o a eventuais abusos com fins ideológicos”. Citando a obra Baldeação ideológica inadvertida e diálogo, de autoria de Plinio Corrêa de Oliveira (e publicada originariamente no n° 178-179, de outubro-novembro de 1965, de Catolicismo), os autores afirmam que ‘palavra-talismã’ é ferramenta útil para realizar uma ‘baldeação ideológica inadvertida’, ou seja, um processo que muda a mentalidade dos pacientes sem que estes se deem bem conta, passando de uma posição legítima para uma ilegítima. Manipulada pela propaganda, a ‘palavra-talismã’ assume significados sempre mais próximos das posições ideológicas para as quais se deseja baldear os ‘pacientes’”.

Os três prelados denunciam que “este procedimento pode ser aplicado facilmente, inclusive no âmbito eclesial. Com efeito, o uso de certas palavras mais do que outras pode empurrar os fiéis a substituir um julgamento moral por um sentimental, ou um julgamento substancial por um formal, chegando a considerar como bom, ou pelo menos tolerável, o que no início era considerado ruim”.

“Pessoas feridas”, “misericórdia”, “acolhimento”, “ternura”, “aprofundamento”, são exemplos de palavras que podem sofrer um uso unilateral e simplista e, nesse sentido, ter uma espécie de efeito talismânico, diz o opúsculo.

O verdadeiro remédio para a crise do casamento e a família

No último capítulo de Opção preferencial pela família, os autores abordam um aspecto fundamental, praticamente silenciado nos documentos e nas discussões do Sínodo: o papel da graça sobrenatural no compromisso pela castidade familiar. A família e o casamento podem estar em crise, mas “Deus não exige do homem alcançar um fim impraticável, cumprir um compromisso acima de suas forças. Se as forças naturais não são suficientes, a Providência dá então ao homem forças sobrenaturais que o tornem apto a cumprir sua missão”, dizem os três bispos signatários do documento.

Eles reconhecem que “sempre foi difícil manter a castidade; e o é mais ainda na sociedade moderna, onde os ambientes, a cultura e os meios de comunicação favorecem a luxúria”. Portanto, “hoje mais do que nunca, para manter a castidade os fiéis devem ir contra a corrente, para o que é especialmente necessária a ajuda da graça divina por meio da oração, da ascese e da penitência”.

E, nos antípodas dos bispos suíços, concluem dizendo que a Sagrada Família de Nazaré é o modelo por excelência da família, porque realiza a comunhão de amor, seu caráter sagrado e inviolável”. Olhando para esse divino modelo e tendo devoção ao Sagrado Coração, “Deus socorrerá as famílias em dificuldade com sua Graça onipotente, Nossa Senhora as assistirá com sua materna proteção, e a Igreja as ajudará com sua palavra, sua oração, seus sacramentos e sua caridade ativa”.

Eis um verdadeiro plano pastoral para o Sínodo, na fidelidade aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Sagrada Familia

Sob o signo da confusão, mas sobretudo da esperança!

Após evocar essa auspiciosa difusão, não desejamos terminar a recensão deste providencial opúsculo — pequeno pelo tamanho, mas imenso pelo bem que está destinado a fazer, dissipando as trevas da confusão criada a propósito do Sínodo sobre a Família — sem evocar outro aspecto esperançoso da atual situação. Ele representa o reverso da medalha dessa grande confusão que invadiu a Igreja e o mundo, apoderando-se das mentes.

Trata-se de uma consideração feita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em artigo publicado em Catolicismo (n° 13, janeiro de 1952), sob o título “Sob o signo da confusão e da esperança”, no qual o grande pensador católico pergunta: “por que apela o espírito do mal para a confusão?”. E responde com sua habitual agudeza de análise:

“Porque esparsas por este mundo caótico e decadente, florescendo quiçá em lugares que os observadores superficiais não sabem ver, ainda existem muitas almas que detestam o mal. Pois se o demônio se oculta para avançar, é porque sabe que muitos ainda lhe barrariam o caminho se agisse descoberto. Nisto está a nota animadora do momento. Houve tempo em que os batalhões da impiedade desfraldaram à luz do sol o lema satânico ‘écrazez l’Infâme’ [frase atribuída a Voltaire: ‘Esmagai o Infame’, ou seja Nosso Senhor Jesus Cristo]. Hoje continuam a caminhar vitoriosamente… mas de bandeira enrolada! O que significa que há hoje em dia, em número maior, soldados de Deus, dispostos a lutar no momento das supremas provações.

Na primeira linha desse crescente exército de novos lutadores encontram-se, sem dúvida, o Arcebispo Dom Aldo di Cillo Pagotto e os Bispos Dom Robert F. Vasa e Dom Athanasius Schneider. Que Deus os abençoe por terem iluminado o mundo com seu pequeno “catecismo” dissipador da imensa confusão!Casamento da Virgem

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Nota:

(*) A respeito desse perplexitante silêncio pontifício, escreve o Prof. Roberto de Mattei: “Por que, nos dias prévios ao plebiscito, o Santo Padre não fez uma exortação veemente e fervorosa aos irlandeses, lembrando-os que infringir as leis divinas e naturais é um pecado social do qual um dia deverão prestar contas a Deus o povo e seus pastores? Não se faz também cúmplice deste escândalo com seu silêncio? ” (Irlanda – la responsabilità di un’apostasia, in “Corrispondenza Romana”, 27-5-15).

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Autor

José Antonio Ureta

José Antonio Ureta

37 artigos

Chileno, membro fundador da "Fundación Roma", uma das organizações chilenas pró-vida e pró-família mais influentes; Pesquisador e membro da "Société Française pour la Défense de la Tradition, Famille et Propriété"; colaborador da revista Catolicismo e do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e autor do livro: "A mudança de paradigma do Papa Francisco: continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Relatório de cinco anos do seu pontificado".

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