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Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Qual a autoridade doutrinária dos documentos pontifícios e conciliares?

Por Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

38 minhá 4 anos — Atualizado em: 11/20/2020, 4:33:54 PM


“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela” (Mat. 16, 18). “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mat. 28, 20). “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Luc. 22, 32).

Estátua de São Pedro venerada na Basílica de mesmo nome

Numerosas são as passagens da Escritura em que o Verbo Encarnado ensina a indefectibilidade da Cátedra da Verdade, personificada no Príncipe dos Apóstolos e em seus Sucessores.

Por isso os Santos, num apego cheio de enlevo e de ardor pela Cátedra de Pedro, afirmam que o Papa é o “doce Cristo na terra” (Santa Catarina de Siena), “aquele que dá a verdade aos que a pedem” (São Pedro Crisólogo), aquele que, falando, põe fim às questões relativas à fé (Santo Agostinho).

A infalibilidade dos Soberanos Pontífices e da Igreja é a garantia da Tradição e de tudo aquilo que está contido na Revelação. Não fosse tal garantia, a maldade e a fraqueza dos homens teriam logo deturpado e corrompido o depósito revelado, com o mesmo ódio e com o mesmo ímpeto satânico com que mataram o próprio Filho de Deus.

Hodierno espírito de insubmissão à Cátedra de São Pedro

Na época de subversão de todos os valores, em que vivemos, quando, no dizer de João XXIII, a norma é o antidecálogo, é fundamental conhecermos a amplitude da infalibilidade do Papa e da Igreja. E é fundamental para o católico ter bem nítida a noção de que todas as decisões doutrinárias da Santa Sé, mesmo aquelas que não empenham a infalibilidade, postulam o assentimento tanto externo quanto interno dos fiéis.

São Pio X

Já os modernistas, no tempo de São Pio X, recusavam-se a acatar as decisões da Sé Apostólica que não envolvessem a infalibilidade. Teve por isso o Santo Pontífice de condená-los repetidas vezes (Decreto “Lamentabili”, de 4-7-1907; Encíclica “Pascendi”, de 8-9-1907; Motu Proprio “Praestantia”, de 18-11-1907, etc.).

Também em nossos dias a indisciplina contra o Magistério da Igreja serpeia nos meios católicos.

Recentemente — para exemplificar com um caso entre mil — o Revmo. Pe. Paul-Eugène Charbonneau, reconhecendo que os métodos anticoncepcionais artificiais são condenados por uma tradição ininterrupta que vem de Santo Agostinho a Pio XII, afirmou, no entanto, que “entre o Evangelho e a Moral conjugal, temos a impressão de que estes 16 séculos de repetições colocaram um obstáculo tão pesado que dificilmente poderá ser removido” (“Moral Conjugal…”, p. 150).

Para o Pe. Charbonneau, portanto, o Magistério tem deformado, desde o século IV, os princípios evangélicos sobre a moral conjugal.

Extensão da infalibilidade pontifícia

No espírito de muitos católicos de instrução religiosa mediana radicou-se a idéia de que o Soberano Pontífice é infalível em tudo quanto diz. Em outros, encontramos a noção igualmente errônea de que só há infalibilidade nas definições solenes, como a da Assunção de Maria Santíssima.

Outros, ainda, se perguntam: um Concílio Ecumênico é sempre infalível? O Papa pode errar? Tenho obrigação de crer em tudo que ensinaram os Papas ao longo dos séculos? E em todos os documentos doutrinários promulgados pelas Congregações Romanas? E em tudo que ensinam os Bispos, ou pelo menos o meu Bispo? Que diferença existe entre a infalibilidade do Papa e a da Igreja?

Nos limites estreitos deste artigo, analisaremos os pontos fundamentais dessas questões, sem, entretanto, abordarmos os problemas colaterais — e tantas vezes extremamente subtis e complexos — que elas podem sugerir.

É lícito tratar desse tema?

Um católico devoto do Papado, e portanto cioso do caráter monárquico da Igreja, poderia perguntar-nos liminarmente: é lícito versar tais assuntos? Não seria mais piedoso acatar como infalível tudo que ensinam quer os Papas, quer os Bispos?

Responder-lhe-íamos que os fiéis não devem considerar a Igreja como Nosso Senhor não A fez. Se sobre um ponto tão fundamental da doutrina católica pairam dúvidas, é da missão de jornais católicos esclarecê-las, pois a doutrina da Igreja não é esotérica.

Ademais, leva-nos a abordar êste assunto o fato de que, como já dissemos, os progressistas buscam hoje de mil modos diminuir as prerrogativas do Pontificado Romano, e pregam a rebeldia contra os ensinamentos seculares do Magistério, como declarou recentemente Paulo VI:

“[…] muitos encaram o Magistério eclesiástico numa atitude de reserva e com desconfiança. Ao Magistério eclesiástico, alguns quereriam atribuir sobretudo o papel de confirmar a “crença infalível da comunhão dos fiéis”. Outros, partidários das doutrinas negadoras do Magistério eclesiástico, quereriam atribuir aos fiéis a capacidade de interpretar livremente a Sagrada Escritura segundo sua própria intuição, que fixamente se pretende inspirada” (Discurso de 11-I-1967).

Portanto — responderíamos ainda a nosso hipotético objetante — o mais piedoso é conhecer a Santa Igreja tal como Jesus Cristo A instituiu. Pretender aperfeiçoar a sua estrutura essencial é querer desvirtuá-La, é querer moldá-La à imagem e semelhança de nosso orgulho. Devemos, pois, conhecê-La, amá-La, admirá-La e reverenciá-La tal qual Ela é, em sua perfeição divina de Esposa de Cristo. E devemos, por outro lado, pôr todo o nosso empenho em enriquecê-La com a perfeição acidental que Lhe traz a santificação de seus filhos.

Magistério pontifício e universal; ordinário e extraordinário

Antes de abordarmos o problema da infalibilidade, cumpre estabelecer algumas distinções fundamentais.

O Magistério eclesiástico deve ser dividido, inicialmente, em pontifício e universal. Magistério pontifício é o do Papa, Chefe supremo da Igreja. Magistério universal é o de todos os Bispos unidos ao Sumo Pontífice.

No Magistério pontifício o Sucessor de São Pedro fala individualmente e por autoridade própria. Por exemplo, através de Encíclicas, Constituições Apostólicas, Alocuções dirigidas a peregrinos.

No Magistério universal, é o conjunto dos Bispos que fala, em união com o Sumo Pontífice, quer estejam eles congregados em Concílio, quer dispersos pelo orbe.

Cumpre absolutamente acautelar-se contra uma concepção errônea do Magistério universal, segundo a qual os Bispos poderiam ensinar independente do Papa. Nada de mais falso. Em vista do caráter monárquico da Igreja, o ensinamento dos Bispos, quer quando reunidos em Concílio, quer quando espalhados pelo mundo, nenhuma autoridade teria se não fosse aprovado, pelo menos implicitamente, pelo Papa. É da união de pensamento com o Soberano Pontífice que o Magistério universal tira toda a sua autoridade.

O caráter monárquico da Igreja é de direito divino, e foi objeto de numerosas definições do Magistério (cf. Denzinger, “Ench. Symb.”, 44, 498, 633, 658 ss., 1325, 1500, 1503, 1698 ss., 1821, 2091, 2147-a ) .

Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, tratando do magistério de cada Bispo em sua diocese

Em sua Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, tratando do magistério de cada Bispo em sua diocese, ensina que, “sendo o Magistério pontifício infalível, e o de cada Bispo, ainda que oficial, falível, está na fragilidade humana a possibilidade de um ou outro Bispo vir a cair em erro; e a História registra algumas dessas eventualidades” (p. 119).

Outra divisão básica, que é necessário estabelecer, é a que distingue o Magistério ordinário do extraordinário.

No Magistério extraordinário, cada pronunciamento goza de infalibilidade por si próprio. São as definições solenes, como a da Imaculada Conceição, da Infalibilidade pontifícia, da Assunção de Maria Santíssima.

Mas — como adiante veremos — nem tudo que os Papas, os Concílios e os Bispos ensinam é de si infalível. Chama-se ordinário o Magistério nos casos em que não estão preenchidas as condições necessárias para que um pronunciamento seja por si próprio infalível.

Tanto o Magistério pontifício quanto o universal podem ser ordinários ou extraordinários. Temos, pois, quatro modalidades diversas de ensino na Santa Igreja:

Na conceituação do Magistério universal extraordinário, é preciso não confundir o sentido que acabamos de atribuir à expressão “extraordinário”, com o outro sentido que essa palavra comporta: coisa fora do comum, que foge à rotina de todos os dias. Com efeito, todo Concílio é extraordinário no sentido de que não está permanentemente reunido; mas o seu ensinamento só é extraordinário se define um dogma de fé. No presente artigo só empregaremos a expressão “extraordinário” no sentido de definição solene e infalível.

Entre os teólogos encontra-se a palavra empregada ora num sentido ora em outro, o que nos parece fonte de não pequenas confusões. (Cf. Salaverri, pp. 681-682; Nau, “El Magisterio…”, pp. 37-38; Cartechini, p. 42; Lavalette, p. 258).

Preferimos adotar a nomenclatura indicada porque, além de nos parecer mais didática, foi recentemente sancionada por Paulo VI em dois Discursos relativos ao Concilio Vaticano II (cf. Discurso de 7-12-1965, p. 817; Discurso de 12-1-1966, p. 170).

A análoga confusão se presta a palavra “solene”, que ora indica o pronunciamento por si próprio infalível, ora o que, ademais, se cerca de fórmulas particularmente solenes. (Cf. Journet, vol. I, p. 534, nota 2; Nau, “Une Source…”, p. 65).

Que é um pronunciamento pontifício “ex cathedra”

Analisemos inicialmente o Magistério pontifício extraordinário.

De suas lições de catecismo, todo católico se lembra de que o Papa é infalível quando fala ex cathedra, e em matéria de fé e moral. Fórmula verdadeira, mas que pelo seu extremo laconismo — aliás inevitável — pode induzir em engano, e por isso pede algumas explicações.

Com efeito, que significa ex cathedra? Falar da Cátedra de Pedro é apenas ensinar oficialmente? É dirigir-se à Igreja Universal? As Encíclicas, por exemplo, sendo documentos oficiais, em geral dirigidos a toda a Igreja, são ipso facto pronunciamentos ex cathedra?

Na definição da infalibilidade pontifícia, no Concilio Vaticano I, encontramos a solução cabal para tais dúvidas. A Constituição “Pastor Aeternus” estabelece as condições necessárias para a infalibilidade das definições pontifícias. Ensina que o Papa é infalível “quando fala ex cathedra, isto é, quando, no uso de sua prerrogativa de Doutor e Pastor de todos os cristãos, e por sua suprema autoridade apostólica, define a doutrina que em matéria de fé e moral ,deve ser sustentada por toda a Igreja” (Denzinger, “Ench. Symb.”, 1839).

Os teólogos são unânimes em ver aí a solução do problema das condições da infalibilidade pontifícia. (Cf. Diekamp, p. 71; Billot, pp. 639 ss.; Choupin, “Valeur…:”, p. 6; Hervé, pp. 473 ss.; Journet, vol 1, p. 569; Nau, “El Magisterio…”, p. 43; Salaverri, p. 697; Cartechini, p. 40).

São quatro, portanto, as condições necessárias para que haja um pronunciamento do Magistério pontifício extraordinário:

1) que o Papa fale como Doutor e Pastor universal;

2) que use da plenitude de sua autoridade apostólica;

3) que manifeste a vontade de definir;

4) que trate de fé ou moral.

A infalibilidade é uma faculdade que reside na pessoa do Pontífice como num ser dotado de inteligência e vontade. Ele usará ou não desse poder, conforme queira ou não.

Na sua vida privada, por exemplo em conversa com amigos ou em carta a um parente, é claro que o Papa não está usando de seu poder de definir. Daí vem a primeira condição: que ele fale como Mestre universal.

Em mais de um documento Bento XIV afirma que não emite tal opinião teológica como Sumo Pontífice, mas como simples doutor privado. O mesmo declarou São Pio X a propósito de afirmações que o Papa faz em audiências privadas (cf. Nau, “El Magisterio…”, p. 48, nota 35).

Mas para que haja infalibilidade não basta que o Papa ensine como Mestre universal. Com efeito, é necessário que esteja preenchida uma segunda condição: que ele fale no uso da plenitude de seus poderes. Tal é a importância e a gravidade de um pronunciamento infalível, que é preciso que se torne bem claro que, ao fazê-lo, o Sumo Pontífice está usando da plenitude das prerrogativas que lhe cabem como legítimo Sucessor de São Pedro. É por isso que tanto Pio IX na definição da Imaculada Conceição, quanto Pio XII na da Assunção, declaram que falam “com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos São Pedro e São Paulo e Nossa”.

Ainda isto, entretanto, não basta. Pois, mesmo falando como Mestre universal, e no uso de toda a sua autoridade, o Papa pode limitar-se a recomendar uma doutrina, ou a ordenar que ela seja ensinada nos Seminários, ou a advertir os fiéis do perigo que há em negá-la. Por isso há uma terceira condição: a manifestação da vontade de definir.

Essa vontade de definir falta, por exemplo, nos documentos, que entretanto são tão sábios, positivos e enérgicos, em que os Papas recomendaram ou mesmo impuseram aos professores de Filosofia e Teologia Sagrada o estudo e o ensino do tomismo. Ver, entre outros, a Encíclica “Aeterni Patris”, de Leão XIII; o Motu Proprio “Doctoris Angelici”, de São Pio X; e a Encíclica “Studiorum Ducem”, de Pio XI

A última condição é que se trate de matéria de fé e moral. Deixamos esse item à parte, pois exorbitaria dos limites do presente artigo o estudo dos objetos primários e secundários da infalibilidade. (Cf. Billot, pp. 392 ss.; Choupin, “Valeur… “, pp. 38 ss.; Hervé, pp. 496 ss.; Salaverri, pp. 729 ss.).

Manifestação da vontade de definir

O ponto crucial da questão está na terceira condição: que haja intenção de definir.

Como se manifesta tal intenção? É pelo emprego da palavra “definimos”? É pela excomunhão de quem disser o contrário? É pela natureza jurídica do documento?

Nenhum desses sinais é apodítico (cf. Cartechini, pp. 29, 31, 36, 54). O fundamental é que esteja claro, por qualquer via que seja, que o Papa quis definir um dogma.

Assim é que, nas definições solenes, os Sumos Pontífices acumulam os verbos, para tornar insofismável sua intenção: “promulgamos, decretamos, definimos, declaramos, proclamamos”, etc.

Em outros casos, faltarão tais verbos, mas as circunstâncias que cercam o documento mostrarão que houve a vontade de definir. É o que se dá quando o Papa impõe a toda a Igreja que aceite uma fórmula de fé. Ou quando soluciona oficial e definitivamente uma disputa doutrinária surgida entre Bispos, em documento dirigido, de modo pelo menos indireto, à Igreja Universal.

O Magistério universal extraordinário

O Concílio Vaticano I não declarou em que condições um Concílio Ecumênico é infalível. Mas, por analogia com o Magistério pontifício, pode-se afirmar que as condições são as mesmas quatro. Como o Papa, o Concílio tem a faculdade de ser infalível, mas pode dela usar ou não, conforme queira.

Muitos católicos mal informados poderiam aqui nos objetar que sempre ouviram dizer que todo Sínodo Ecumênico é necessàriamente infalível. Não é isso, entretanto, o que dizem os teólogos.

São Roberto Bellarmino explica que é somente pelas palavras do Concílio que se pode saber se seus decretos são propostos como infalíveis. E conclui que, quando as palavras não são claras nesse particular, não é certo que tal doutrina seja de fé (“De Conc.”, 2, 12). E, se não é certo, não é dogma, pois, segundo o Código de Direito Canônico, “nenhuma verdade deve ser tida por declarada ou definida como dogma, a menos que isso conste de modo manifesto” (can. 1323, § 3). Ver, no mesmo sentido, Cartechini, p. 26.

Um estudo exaustivo do Magistério universal extraordinário deveria comportar a análise de numerosos problemas que, entretanto, escapam aos limites do presente artigo. A fim de dar ao leitor uma visão mais ampla do assunto, ainda que sumária, enunciamos aqui algumas teses que são pacíficas entre os teólogos não progressistas:

* As decisões conciliares nunca podem ser infalíveis se não tiverem sido aprovadas pelo Papa.

* Um Concílio só é infalível naquilo que claramente impõe como devendo ser crido (cf. São Roberto Bellarmino, “De Conc.”, 2, 12).

*Os Concílios de Trento e do Vaticano I quiseram definir não apenas nos seus cânones, mas também nos seus capítulos doutrinários (Cf. Salaverri, p. 816).

Continuidade de um ensinamento no Magistério ordinário

Não se pode definir o Magistério ordinário, quer pontifício quer universal, como sendo o dos ensinamentos que não gozam da nota de infalibilidade.

É verdade que por si só, isto é, isolado dos demais, um ensinamento do Magistério ordinário não envolve infalibilidade. Assim, quando a Encíclica “Ad Diem Illum”, de São Pio X, defende a Co-redenção Mariana, nada diz que empenhe a infalibilidade pontifícia. Nesse caso estamos longe, pois, das definições solenes, como por exemplo a da Bula “Ineffabilis Deus”, que definiu a Imaculada Conceição, e que por si só fecharia a questão, ainda que não houvesse nenhum outro pronunciamento pontifício a respeito.

O ensinamento dos Papas sobre a propriedade privada é infalível?

No entanto, o Magistério ordinário pode, por um outro modo, envolver a infalibilidade. Assim é que, ao tratar da Co-redenção, diz o Pe. J. A. Aldama, S. J.: “Embora o Magistério ordinário do Pontífice Romano não seja por si infalível, se entretanto ensina constantemente e por longo tempo uma certa doutrina a toda a Igreja, como se dá em nosso caso [da Co-redenção], deve-se absolutamente admitir a sua infalibilidade; caso contrário, induziria a Igreja em erro” (“Mariologia”, p. 418).

Portanto, segundo o Pe. Aldama, a Co-redenção Mariana é doutrina já hoje infalivelmente ensinada pela Igreja, embora não tenha ainda sido objeto de qualquer pronunciamento do Magistério extraordinário, quer pontifício, quer universal.

Temos aí a infalibilidade do Magistério ordinário pela continuidade de um mesmo ensinamento. Princípio importantíssimo, do qual em geral se esquecem muitos católicos ao estudarem a nossa fé.

Ver a respeito: Nau, “Une Source…”, PP. 68 ss.; “El Magisterio…”, pp. 47 ss.

O fundamento doutrinário de tal título de infalibilidade é o que nos aponta o Pe. Aldama: se numa longa e ininterrupta série de documentos ordinários sobre um mesmo ponto os Papas e a Igreja Universal pudessem enganar-se, as portas do inferno teriam prevalecido contra a Esposa de Cristo. Esta Se teria transformado em mestra de erros, de cuja influência perigosa e mesmo nefasta os fiéis não teriam meios de fugir.

Que lapso de tempo é necessário para que determinada verdade se possa dizer infalível pela continuidade do Magistério ordinário? É pueril desejar decidir tais questões com ampulheta na mão. Os fatos vivos não se medem por computadores, mas pelo bom senso, único instrumento capaz de ponderar os imponderáveis. E os fatos da fé, que além de vivos são de ordem sobrenatural, só se medem pelo senso católico, inspirado pela graça.

Fatores que influem no estabelecimento da continuidade

É evidente que o fator tempo não é o único a ser levado em conta. Há numerosos outros, dos quais indicaremos alguns, apenas para orientação do leitor, sem visar uma enumeração exaustiva. Também não analisaremos minuciosamente os fatores indicados, e muito menos as questões colaterais que cada um deles poderia sugerir, pois isso exorbitaria dos estreitos limites do presente artigo.

* A importância que o Papa dá ao documento. Se essa importância é grande, o pronunciamento terá um peso muito maior no estabelecimento da série de continuidade, do que um outro que tenha sido objeto de pequena insistência e realce por parte do próprio Pontífice.

* A importância que os Papas posteriores dão ao documento. Com grande freqüência os Sumos Pontífices citam os seus Predecessores, repetem o que eles ensinaram, elogiam seus documentos. Tal praxe, que poderia parecer mera manifestação protocolar de respeito, tem entretanto enorme importância no estabelecimento da continuidade de um ensinamento. Pois torna patente que o Papa posterior quis trilhar as mesmas vias de seu Predecessor.

* A solenidade do pronunciamento. Uma Encíclica ou uma Constituição Conciliar, por exemplo, pesam mais do que um, Discurso pronunciado pelo Papa em audiência pública.

* A universalidade do ensinamento. As aulas de catecismo dadas por São Pio X ao povo de Roma e aos peregrinos têm menor autoridade do que as Radiomensagens de Natal que Pio XII dirigia todos os anos ao orbe católico.

* O auditório para o qual o Papa fala. Os Discursos a congressos científicos, por exemplo, são particularmente importantes, dado o alto nível técnico dos ouvintes. Tais congressos fazem as vezes de caixas de ressonância para a voz do Pontífice, destinadas a ampliá-la, a comentá-la e a difundi-la pelo mundo todo. Assim, foi enorme a repercussão que tiveram em todo o orbe os Discursos sobre os métodos anticoncepcionais, dirigidos por Pio XII a congressos de obstetrizes, hematologistas, etc.

* A atenção dada pelos teólogos ao pronunciamento. Doutores das ciências sagradas, os teólogos são encarregados pela própria Igreja de sistematizar e ensinar a sua doutrina. Se grande número deles interpretasse mal o alcance de uma declaração conciliar ou do Papa, êste presumivelmente os corrigiria, através de novo pronunciamento. Logo, se certa doutrina haurida dos documentos pontifícios é largamente repetida pelos teólogos sob o silêncio complacente do Papa, torna-se claro que êste não só a professa, mas também a quer amplamente difundida por toda a Igreja.

* A repercussão do documento no mundo católico em geral. O argumento que acaba de ser dado não vale só para os teólogos, mas, mutatis mutandis, para os meios católicos em geral. Se uma declaração pontifícia ou conciliar é objeto de larga acolhida nos ambientes políticos, jornalísticos, nas associações religiosas, etc., e se o Papa se cala, é porque a quer ver largamente difundida.

* Aquilo que durante muito tempo é pacificamente ensinado em todo o orbe católico adquire facilmente a característica de ensinamento infalível.

Segundo a fórmula clássica de São Vicente de Lerins, devemos crer naquilo que foi ensinado sempre, em todos os lugares e por todos: “quod semper, quod ubique, quod ab omnibus”. Pois a assistência do Divino Espírito Santo seria falha se uma doutrina ensinada sob essas três condições pudesse ser falsa. É preciso, entretanto, não entender o adágio em sentido exclusivo, isto é, como se a infalibilidade pela continuidade de um mesmo ensinamento só existisse quando se verificassem aquelas três condições. Ver a respeito Diekamp, p. 68.

* O caráter ininterrupto da série. Se uma doutrina de vários Papas é contraditada por um de seus Sucessores, ou por um Concílio, antes de se constituir em ensinamento infalível, é claro que a série está rompida. Tal fator negativo pode influir ponderavelmente no estabelecimento da continuidade.

É possível que algum documento pontifício ou conciliar se oponha frontalmente a ensinamentos infalíveis do passado? É evidente que, se o novo pronunciamento é também infalível, tal oposição não pode existir. Mas, se não o é, autores de peso — como São Roberto Bellarmino, Suarez, Cano e Soto — encaram tal hipótese como teologicamente possível. E é manifesto que o católico deveria então permanecer fiel à doutrina infalível. Essa hipótese levaria os estudiosos à questão multi-secular, em que se empenharam especialmente os maiores teólogos dos Tempos Modernos, da possibilidade de um Papa herege. — Ver, a respeito, Adriano II, alloc. 3; Inocêncio III, col. 670; São Roberto Bellarmino, “De Rom. Pont”- 2, 30; 4, 6 ss.; Suarez, “De Fide”, d. X, s. 6; “De Legibus”, lib. IV, c. 7; Cano, ad 12; Soto, d. 22, q. 2, a. 2; Santo Afonso de Ligório, p. 232; Balmes, pp. 78-79; Billot, pp. 609 ss.; Wernz-Vidal, pp. 517 ss.; Straub, p. 480; Dublanchy, col. 1714; Salaverri, pp. 698, 718; Journet, vol. I, pp. 625 ss.; vol. II, p. 1063 ss.; Kung, pp. 292 ss.; Mondello, “La Dottrina…”.

* A importância de que a tese goza no documento. Aquilo que é o tema central de uma Encíclica, por exemplo, empenha em maior grau a autoridade pontifícia do que uma afirmação rápida a propósito de uma tese secundária.

* O modo como o documento apresenta o assunto. Na “Quadragesimo Anno” Pio XI declara que vai responder a dúvidas chegadas à Santa Sé a respeito do caráter acatólico do socialismo. Isso dá uma especial importância a essa parte do documento, pois evidencia o propósito de resolver questões doutrinárias com a autoridade pontifícia.

Os trabalhos de Dom Paul Nau (“Une Source…” e “El Magisterio…”) estudam pormenorizadamente esses diversos fatores que podem influir no estabelecimento da continuidade de um ensinamento do Magistério ordinário.

Um exemplo: a propriedade privada

Parece-nos inquestionável que os princípios enunciados pelos teólogos, com relação à infalibilidade pela continuidade de um mesmo ensinamento, se aplicam aos pontos fundamentais da doutrina da propriedade privada.

É impressionante o número de documentos pontifícios que ininterruptamente, ao longo de século e meio, ensinaram que a propriedade privada é de direito natural e condenaram o socialismo. (Cf. Dom G. P. Sigaud, Dom A. C. Mayer, Plinio Corrêa de Oliveira e L. Mendonça de Freitas, “Reforma Agrária — Questão de Consciência”, pp. 38 ss.).

Esses documentos ressoaram por toda a Igreja: basta pensar na “Rerum Novarum” e na “Quadragesimo Anno”.

Como sustentar que a série de tais ensinamentos é menos rica do que a da Co-redenção Mariana, que entretanto, segundo o Pe. Aldama, já não é questão livre entre os católicos?

Outros títulos de infalibilidade do Magistério ordinário

Mas não é apenas pela continuidade de um mesmo ensinamento que o Magistério ordinário pode vir a envolver infalibilidade.

Os teólogos enumeram vários outros casos em que isso ocorre: as canonizações, a Liturgia, as leis eclesiásticas, a aprovação de Regras de Ordens e Congregações religiosas.

Na canonização, o Sumo Pontífice afirma que determinado servo de Deus se santificou e merece o culto da Igreja Universal; e propõe a sua vida como modelo para todos os fiéis. Ora, se aquela alma se houvesse condenado, a Santa Igreja estaria propondo a seus filhos um culto falso, e um modelo que os levaria à perdição eterna. E, então, as portas do inferno teriam prevalecido sobre a Rocha de Pedro. Por isso o Papa é infalível nas canonizações. As doutrinas que ele implicitamente ensina, ao recomendar que se imite e venere o novo Santo, não são abrangidas pela infalibilidade. Na canonização só é infalível a declaração de que o servo de Deus está no Céu.

Em certas passagens, os autores colocam as canonizações no Magistério ordinário, enquanto em outras as classificam no Magistério extraordinário. Evidentemente, não há contradição entre essas duas posições. A declaração de que dada pessoa se santificou é infalível por si própria, e portanto integra o Magistério extraordinário. E, por outro lado, o ensinamento doutrinário que implicitamente está contido na canonização pertence ao Magistério ordinário. (Cf. Cartechini, pp. 36, 53, 110, 174).

Pela mesma razão de que as portas do inferno prevaleceriam sobre a Igreja se o Papa orientasse os fiéis para a perdição eterna, as leis eclesiásticas e especialmente a aprovação das Regras religiosas gozam de infalibilidade. Se a Santa Sé obrigasse os fiéis a praticar atos pecaminosos, ou lhes indicasse regras de vida censuráveis, ter-se-ia transformado em instrumento de danação.

Também as orações da sagrada Liturgia direta ou indiretamente aprovadas pela Cátedra da Verdade não podem conter erros. “Lex orandi, lex credendi” — “a lei da oração é lei da fé”. Como poderia a Igreja, pelas preces que recomenda, instilar nas almas princípios opostos à fé?

Também neste item não podemos aprofundar as interessantíssimas questões que tal problemática sugere. A título de simples indicação para o leitor desejoso de uma visão de conjunto, acenamos para alguns prolongamentos que a temática comporta:

* A infalibilidade no que diz respeito a uma lei eclesiástica não implica em admitir que ela seja a mais perfeita possível, mas apenas, que não obriga a atos pecaminosos.

* A legislação da Igreja não pode obrigar a pecados mortais. Isso é inquestionável. Nem mesmo recomendá-los. Poderia determinada lei eclesiástica terminar por insinuá-los? Poderia permiti-los expressamente? Poderia permiti-los tàcitamente? E, por outro lado, poderia obrigar a pecados veniais? Poderia recomendá-los, insinuá-los, permiti-los expressa ou tàcitamente? Estes pontos, que não nos consta tenham sido versados pelos tratadistas, são entretanto da maior importância para uma exata conceituação da infalibilidade.

* O mesmo quanto à Liturgia: nela é possível haver a insinuação de um erro?

* Não se devem confundir os diversos títulos de infalibilidade que acabamos de indicar com a chamada infalibilidade passiva dos fiéis. Esta expressão, corrente na Sagrada Teologia, indica que os filhos da Igreja, seguindo o que Ela ensina, certamente conhecerão a verdadeira fé. Mas não lhes cabe nenhuma missão oficial de magistério, ou seja, seu papel é nisso meramente passivo. (Cf. Nau, “El Magisterio…”, p. 45; Cartechini, p. 251).

Autoridade dos documentos não infalíveis

A preocupação com o estudo dos diversos títulos de infalibilidade não nos deve, entretanto, levar a pôr na sombra os documentos não infalíveis.

Com efeito, grande parte dos ensinamentos contidos nas Encíclicas, nas Alocuções pontifícias, nas Cartas dirigidas pela Santa Sé a Bispos e a congressos de todo o orbe, nos Decretos das Sagradas Congregações Romanas, não envolvem a infalibilidade.

Devemos sob esse pretexto desprezá-los?

Foi isso, como já dissemos, que os modernistas procuraram fazer com os documentos que contra eles publicou São Pio X. E já então o problema era velho, pois hereges anteriores haviam recorrido ao mesmo ardil com o objetivo de poderem continuar dentro da Igreja para melhor espalharem o seu veneno (cf. Dom A. C. Mayer, “Como se prepara…”).

O Pe. Lucien Choupin, S. J., citando abundante documentação, assim se exprime sobre a autoridade dos ensinamentos não infalíveis:

“Que gênero de adesão devemos a tais decisões doutrinárias, autênticas, mas não infalíveis? É — responde Franzelin — o assentimento religioso baseado na autoridade do governo da Igreja Universal: um assentimento de ordem religiosa, que não é a fé, mas que depende da virtude da fé. A autoridade do Magistério supremo e universal é tão santa, tão sagrada, que quando ela toma uma decisão, ordenando-nos por exemplo que sigamos ou rejeitemos determinada doutrina, devemos-lhe respeito e obediência, não apenas o silêncio respeitoso, mas o assentimento interior do espírito, mesmo quando a decisão não está garantida pelo carisma ,da infalibilidade. A autoridade sagrada da Igreja motiva nossa adesão.

É fundamental conhecer a doutrina da Igreja sobre seu próprio Magistério

“É sem dúvida prudente, sábio e seguro atermo-nos às decisões da mais elevada e da mais competente de todas as autoridades, a qual, mesmo quando não exerce o seu poder soberano no grau supremo, goza sempre de uma assistência especial da Providência.

Quer o Papa possa se enganar, quer não — diz São Roberto Bellarmino — deve ser religiosamente obedecido quando decide uma questão duvidosa.

No caso, nosso assentimento não é metafisicamente certo; com efeito, dado que a decisão não vem garantida pela infalibilidade, a possibilidade de erro não está excluída. Mas é moralmente certo: tão plausíveis são os motivos de adesão, que é perfeitamente razoável dar o assentimento a esse julgamento da autoridade competente” (Choupin, “Valeur…”, pp. 53-54).

Ver também Prümer, p. 368; Pesch, § 328; Dom A. C. Mayer, “Carta Past. sobre a Preservação …”, p. 24.

Dos numerosos documentos pontifícios que ensinam que essa deve ser a posição dos fiéis ante os pronunciamentos não infalíveis, citamos apenas uma passagem da Encíclica “Humani Generis”, de Pio XII:

“Nem se deve crer que os ensinamentos das Encíclicas não exijam per se o assentimento, sob o pretexto de que os Pontífices não exercem nelas o poder de seu supremo Magistério. Tais ensinamentos fazem parte do Magistério ordinário, para o qual também valem as palavras: Quem vos ouve, a, Mim ouve (Luc. 10, 16)” (p. 11)

O Pe. Salaverri (pp. 719 ss.) indica os principais documentos do Magistério sobre esse assunto, os quais interessarão altamente ao leitor desejoso de maiores esclarecimentos. Ver também o Discurso de Paulo VI na audiência geral de 12 de janeiro de, 1966.

O problema da suspensão do assentimento interno

Isto posto, um problema permanece ainda de pé: será lícito suspender o assentimento em relação a um documento do Magistério ordinário que se oponha de modo frontal a uma doutrina tradicionalmente ensinada pela Igreja?

A essa questão, muitos teólogos dão resposta afirmativa.

No texto que a seguir citamos, Dom Nau trata especialmente das Encíclicas, mas é patente que a asserção vale para qualquer documento do Magistério ordinário:

“Um único motivo poderia fazer-nos suspender nosso assentimento: uma oposição precisa entre um texto de Encíclica e os outros testemunhos da Tradição. Mesmo aí, uma tal oposição não poderia ser presumida, mas exigiria uma prova, a qual só dificilmente poderia ser admitida” (“Une Source.. .”, pp. 83-84).

No mesmo sentido, pode-se ler: Diekamp, p. 72; Pesch, § 328; Straub, n.os 968 ss.; Merkelbach, p. 601; Nau, “El Magisterio…”, p. 54; Cartechini, p. 153.

Outros autores, entretanto, não admitem tal suspensão do assentimento.

É o caso de Choupin, “Valeur…”, pp. 53 ss., 88 ss.; “Le décret. ..”, pp. 415-416; “Motu proprio…”, pp. 119 SS.; Salaverri, pp. 725-726.

Embora não desejemos entrar na análise de questões colaterais e subtis, não podemos deixar de consignar aqui que a posição destes últimos teólogos não nos parece clara.

Em certos textos eles insinuam que a Providência Divina nunca permitirá que haja erros nas decisões do Magistério ordinário. Assim, não se pronunciam sobre o mérito da questão, mas negam-se a estudar a hipótese: “Não examinaremos o caso em que o fiel imaginaria ter a evidência da verdade de uma proposição condenada pelo Santo Ofício” (Choupin, “Le décret…”, p. 416).

Em outras passagens admitem a possibilidade de erro, afirmando que, caso seja ele evidente, “deve-se permanecer firme na adesão dada ao decreto da Sagrada Congregação, tendo-o pelo menos como provável, até que a própria Congregação ou um tribunal mais alto decida diversamente sobre a matéria” (Salaverri, p. 726).

Não nos parece que estes autores tenham olhado de frente a hipótese de se conjugarem no mesmo caso os seguintes fatores:

1) as circunstâncias da vida concreta obrigam o fiel, em consciência, a tomar posição ante um problema;

2) ele tem a evidência de que — como diz Dom Nau no texto acima citado — há uma oposição precisa entre o ensinamento do Magistério ordinário a esse respeito e os outros testemunhos da Tradição;

3) a decisão infalível que poderia pôr termo à questão — à qual alude o Pe. Salaverri — não é proferida.

Afigura-se-nos, portanto mais objetiva a posição daqueles que, pelo menos no terreno meramente especulativo, não se recusam a examinar essa hipótese.

Os Documentos do Concílio Vaticano II são infalíveis?

A esta altura, uma pergunta não poderá deixar de aflorar aos lábios do leitor: o Concílio Vaticano II usou da prerrogativa da infalibilidade?

A resposta é simples e categórica: não. Em nenhuma ocasião os Padres Conciliares tiveram a vontade de definir, isto é, em nenhuma ocasião preencheram a terceira das condições de infalibilidade, acima indicadas.

Já na fase preparatória da sagrada Assembléia o Santo Padre João XXIII declarara que esta não definiria dogmas novos, mas devia ter apenas um caráter pastoral. Tais declarações de João XXIII não nos parecem entretanto suficientes para autorizar a afirmação de que o Concílio não usou de seu poder de definir.

Com efeito, a soberania do Papa é absoluta na Igreja de Deus. Ele está acima de toda lei eclesiástica. Seu poder não tem limites, a não ser os da lei divina e da lei natural. Todo ato pontifício que contrariasse a estas seria nulo, mas nenhum Concílio e nenhuma lei anterior, dele próprio ou de seus Antecessores, podem obrigar o Papa reinante. Logo, nada impedia que, tendo João XXIII convocado um Concílio pastoral, ele mesmo ou seu Sucessor resolvesse posteriormente transformá-lo em Concílio dogmático.

E, por outro lado, em princípio nada impede que um Concílio pastoral defina um dogma, pois nenhum católico ousaria sustentar que um dogma é algo de antipastoral!

O que prova que o Vaticano II não desejou definir nenhum dogma são as suas atas e o teor dos seus documentos, em nenhum dos quais se encontra de modo inequívoco a manifestação da vontade de definir.

Veja-se a propósito a declaração de 6 de março de 1964 da Comissão Doutrinária (“Osservatore Romano”, edição em francês, 18-12-1964, p. 10). Essa declaração tem enorme importância não só por ter sido repetida posteriormente pela mesma Comissão (cf. loc. cit.), e aplicada oficialmente a mais de um esquema (cf. “Osservatore Romano”, edição em francês, 26-11-1965, p. 3), mas sobretudo porque o Santo Padre Paulo VI a indicou como norma para a interpretação de todo o Concílio (Discurso de 12-1-1966, p. 170).

Algum teólogo poderia discordar do que acabamos de afirmar, não fossem diversos pronunciamentos de Paulo VI que vieram, de modo definitivo e irrevogável, dirimir essa importante questão.

Ao encerrar o Concílio, declarou Sua Santidade que, neste, “o Magistério da Igreja […] não quis pronunciar-se com sentença dogmática extraordinária” (Discurso de 7-12-1965, p. 817).

Posteriormente, em ocasiões menos solenes, mas de modo ainda mais claro e circunstanciado, Paulo VI reafirmou que o Concílio “evitou proclamar em forma extraordinária dogmas dotados da nota de infalibilidade”, mas “conferiu a seus ensinamentos a autoridade do supremo Magistério ordinário” (Discurso de 12-1-1966, p. 170); e teve como um de seus pontos programáticos “o não dar novas definições dogmáticas solenes” (Discurso de 8-3-1967).

Um Concílio só tem a autoridade que o Papa lhe quer dar. Logo, esses pronunciamentos pontifícios, posteriores à promulgação dos Documentos conciliares, põem fim a todas as dúvidas que pudessem subsistir.

Em artigo publicado em 1965 na “Revista Eclesiástica Brasileira”, Fr. Boaventura Kloppenburg, depois de analisar o problema da qualificação teológica da Constituição Conciliar “Lumen Gentium”, declara-se “inclinado a concluir que todas as verdades data opera propostas como doutrinas reveladas pela Lumen Gentium são de fato verdades de fé solenemente definidas” (“Subsídios…” p. 218). Depois dos citados pronunciamentos de Paulo VI, tal sentença não pode mais ser sustentada. Ver a respeito: “Renovatio”, pp. 323 ss.; Dom Cirilo Gomes, p. 816; Lavalette, p. 258.

O documento do Concílio Vaticano II sobre a Igreja se intitula “Constituição Dogmática”. Deduz-se daí que nele haja alguma definição de dogma? A pergunta pode parecer supérflua, mas fazemo-la para prevenir o leitor contra tal erro, em que alguns têm incorrido. Soubemos mesmo de um professor de Teologia que nele incidiu, afirmando que o título de “Constituição Dogmática” é suficiente para provar que tudo que a “Lumen Gentium” contém é dogma.

Evidentemente o adjetivo “dogmática” apenas significa, neste caso, que se trata de matéria relacionada com o dogma. Do mesmo modo, não é dogma tudo que se lê num manual de Teologia Dogmática.

Não procuremos, pois, dar ao Vaticano II um assentimento que ele próprio de nós não pediu. Acatemos, isto sim, os seus ensinamentos em toda a amplitude da autoridade de que se revestem, compreendendo mesmo que, na medida em que prolongam ensinamentos anteriores da Igreja, podem constituir fatores de enorme peso para o estabelecimento da infalibilidade pela continuidade de um mesmo ensinamento.

Sentir com a Igreja

Aturdido, o orbe católico assiste todos os dias a novos atos de indisciplina dos progressistas contra o Magistério da Igreja, tantas vezes apontados pelo Papa Paulo VI. A todos os católicos eles dirigem contínuos incitamentos a abandonarem a doutrina tradicional da Igreja, inclusive em pontos que estão garantidos pelo sinal da infalibilidade. Permaneçamos, diante de tais perigos, firmes na fé, sempre prontos a tributar ao Magistério eclesiástico o acatamento máximo, com assentimento externo e interno, que a fé tem o direito de esperar de nós.

Para isso, é fundamental conhecer a doutrina da Igreja sobre seu próprio ensino, da qual êste artigo não pôde apresentar senão algumas linhas gerais.

Assim poderemos melhor compreender, admirar e seguir o que Santo Inácio inculca sobre o Magistério eclesiástico, em suas regras para sentir com a Igreja. Transcrevemos na íntegra as palavras do Santo, pedindo a Nossa Senhora, Mãe da Igreja, que inspire a todos os seus filhos uma dócil, entusiástica e perfeita submissão à Sé do Pedro:

“Primeira regra. Renunciando a todo o juízo próprio, devemos estar inteiramente dispostos a obedecer em tudo à verdadeira Esposa de Jesus Cristo Nosso Senhor, a Santa Madre Igreja Hierárquica”.

“Nona regra. Louvar finalmente todos os preceitos da Igreja, procurando sempre razões em seu favor, nunca, porém, em seu desfavor”.

“Décima terceira regra. Para acertar sempre com a verdade, devemos seguir esta norma: o que a nossos olhos se apresenta como branco, tê-lo-emos por preto, se assim o declarar a Santa Igreja, convencidos de que entre Cristo Nosso Senhor, o Esposo, e a Igreja, sua Esposa, reina o mesmo espírito, que nos governa e rege para a salvação das nossas almas. De fato, o mesmo Espírito Divino que nos deu os dez Mandamentos rege e governa também nossa Santa Madre Igreja”.


AUTORES CITADOS

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Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

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Formado na Faculdade de Direito da PUC/SP, foi colaborador da revista Catolicismo e notabilizou-se pela publicação em 1970 do livro “Considerações sobre o Novo Ordo Missae” que tratava sobre a missa instituída pelo Papa Paulo VI, substituindo o ritual tradicional consolidado por São Pio V. Traduzido em diversas línguas e lançado inicialmente na França no mesmo ano com o título: “La Nouvelle Messe de Paul VI, qu’en penser?” Faleceu em 19 de setembro de 2018, aos 88 anos, nascido em 10 de dezembro de 1929, filho de Martin Afonso Xavier da Silveira e Dulce Vidigal Xavier da Silveira.

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