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Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo

Quasímoda

Por Jacinto Flecha

3 minhá 11 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 9:24:12 PM


BEP-1263592

Depois de quase três horas em torno de uma mesa de cerveja, meus quatro colegas e eu já havíamos percorrido as novidades da nossa área profissional, as fofocas sobre os outros colegas, as últimas piadas sobre o governo ineficiente, as dificuldades reais ou camufladas da economia. Teriam ampliado muito os assuntos, se eu permitisse piadas indecentes, perdesse tempo com futebol, etc. Eu tinha um motivo real para sair, e anunciei minha intenção:

— Gente, eu preciso passar pelo alfaiate, e já está quase na hora de ele fechar.

— Alfaiate?! Isso ainda existe? Achei que fosse uma espécie em extinção.

— Em extinção, é verdade. Mas ainda há alguns espécimes raros. E eles encontram gente de bom gosto como eu, que valoriza essa mão-de-obra.

O meu uso de flechas não se limita ao papel, e sei que uma cutucada como esta é muito útil para mudar o rumo de uma gozação. Logo um dos colegas comentou:

— Agora estou entendendo por que você anda sempre bem vestido.

— Eu achava isso tão evidente, que nunca disse a vocês, mas sempre uso roupa sob medida. Tentei comprar roupa feita, mas minha aparência ficou como a de um aleijado. Acabei dando-a para alguém não tão exigente, e virei freguês de um bom alfaiate. Não me agrada nem um pouco usar roupa tipo “o dono dela era maior”. Ou menor, ou mais gordo, ou mais magro. Ou até mais corcunda, como aquele de Notre Dame, acho que se chamava Quasímodo.

Um colega mais espirituoso esclareceu:

— É que a moda virou quase moda — ou quasímoda, se você preferir.

Um dos amigos, com formação em ciências exatas, ponderou:

— Não consigo entender essa espécie de milagre que as fábricas de roupa fazem. Cada homem, com seus quatro membros, barriga, pescoço, etc., existe em três dimensões — altura, largura e profundidade — e cada dimensão varia numa faixa muito ampla, gerando inúmeras combinações. No entanto, com poucos números disponíveis as fábricas conseguem atender às medidas de todo mundo.

— Atender, atendem, mas eu não diria que satisfazem. As pessoas hoje não são exigentes, não se importam se está sobrando na altura, faltando na largura, enrugando na profundidade. Tenho visto fotos de desfiles onde aquelas modelos esquálidas usam roupas lamentáveis, mas elogiadas como requintes da próxima estação.

E o das ciências exatas completou:

— As fábricas já viciaram os compradores, tornando-os pouco exigentes. Em certas peças, só produzem tamanhos pequeno, médio e grande, insuficientes para corpos tão diferentes. Quanto ao preço, é tanto maior quanto menos tecido usaram. Nem preciso dizer que o tecido se reduz sempre. Gradualmente, Intencionalmente, coletivamente, como quem recebeu uma palavra de ordem.

— Onde as pessoas não exigem boa qualidade, não é possível progresso autêntico, pois até o conforto e aparência pessoal se tornam bens desprezíveis ou inatingíveis. Elogia-se muito o progresso técnico, mas em muitos aspectos as pessoas eram mais bem servidas antigamente.

Depois desta minha avaliação, tive dúvida se daria a eles mais um motivo para zombaria. Concluí que valia a pena, e acrescentei:

— Por exemplo, durante muito tempo eu sofri com diversos tipos de sapatos comprados em loja, que sempre me apertavam em algum lugar, ou então havia sobra no bico e eles se deformavam. Resolvi encomendar uma forma própria, e acabaram-se os meus problemas de dor nos pés.

— Você então usa sapatos feitos à mão, com forma especial?

— Exatamente. Veja só este par aqui. Bonito, confortável, e não acaba nunca, pois é feito com o bom e tradicional cromo alemão. Sempre do jeito que eu gosto. É claro que as fábricas de sapatos e roupas não têm nenhum interesse em incentivar bons costumes como os meus. Mas estou muito satisfeito, e ainda dou trabalho a quem merece, gente que procura tornar seus produtos cada vez melhores.

A conversa se espichou durante uns bons copos de cerveja, e acabei deixando o alfaiate para o dia seguinte. Ele tomou com naturalidade minha falta da véspera, agradecendo-me quando contei como defendi a profissão dele.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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