Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
39 min — há 4 anos — Atualizado em: 4/5/2021, 7:17:52 AM
Morte e Ressurreição do Divino Crucificado
Na Semana Santa do ano passado, reproduzimos parte do capítulo 7º do livro Jesus Cristo, Vida, Paixão e Triunfo, de autoria do missionário redentorista francês Padre Augustin Berthe*. Os textos então selecionados narravam as dores padecidas por Nosso Senhor na Via Dolorosa, carregando a pesada cruz até o alto do Calvário, enquanto era escarnecido pelo populacho aliciado pelos chefes dos sacerdotes fariseus. Quase desfalecido sob o peso da cruz, naquele caminho de dor Ele foi consolado por sua Mãe Santíssima num encontro — o mais pungente da História — que O reanimou a prosseguir até a plena consumação de seu holocausto, a fim de redimir o gênero humano.
Como matéria de capa para a Semana Santa deste ano, continuaremos a narração do Padre Berthe após a Crucifixão e Ressurreição, contidas no capítulo 8º do mesmo livro**.
Verdadeiramente Jesus ressuscitou, como haviam anunciado os profetas e também Ele próprio, em sua vida terrena. Em nossos dias, podemos venerar uma sagrada relíquia, na qual se comprova cabal e cientificamente que nosso Redentor ressuscitou. Essa relíquia, o Santo Sudário, é o lençol fúnebre que serviu de mortalha para o sepultamento do corpo do Filho de Deus. Desde o século XIV, ele é guardado com toda segurança na catedral de Turim, Itália [Vide Catolicismo, abril/1983, abril/1988, abril/2001 e março/2002].
Da Redação de Catolicismo
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* O Pe. Augustin Berthe, C.SS.R. nasceu a 15 de agosto de 1830 em Merville, diocese de Cambrai (França). Faleceu em Roma em 22 de novembro de 1907. Ordenado sacerdote em 1854, tornou-se grande missionário e pregador da sua Congregação. Foi professor de Retórica, reitor de diversas casas redentoristas na França e consultor geral da Congregação em Roma. Escreveu numerosos artigos e livros, publicados em diversas línguas com tiragens muito elevadas.
** Os subtítulos foram inseridos por nós.
Após a Crucifixão, o triunfo de nosso Redentor
“Não venhais procurar entre os mortos um Vivo. Jesus já não está aqui; ressuscitou, conforme prometeu. Lembrai-vos, pois, do que Ele vos dizia na Galileia: É preciso que o Filho do Homem seja entregue aos pecadores. Será crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia”(Lc 24, 5-10).
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 843, Março/2021
No momento em que Jesus exalou o último suspiro, um cataclismo súbito transtornou toda a natureza. O último brado do Deus moribundo ecoou até os abismos. A terra pôs-se a tremer, como se a mão do Criador cessasse de mantê-la em equilíbrio. As rochas se partiram em consequência daquelas espantosas comoções. Até a rocha do Calvário, sobre a qual se levantava a Cruz do Salvador, fendeu-se violentamente até o mais profundo.
No vale de Josafá abriram-se os sepulcros, e muitos mortos ressuscitaram, aparecendo envoltos nos seus longos sudários pelas ruas de Jerusalém, espalhando por toda parte o espanto e a consternação. Era Deus que forçava todos, vivos e mortos, a proclamarem a divindade do seu Filho.
No Templo, o terror ainda era maior. Os sacerdotes, que acabavam de imolar as vítimas, pararam perturbados até o íntimo da alma, enquanto o povo estarrecido esperava pelo final do estranho cataclismo. De repente ouviu-se um ruído sinistro do lado do Santo dos Santos. Voltaram-se todos os olhos para o véu de jacinto, púrpura e escarlate que fechava a entrada do santuário impenetrável, onde Deus se manifestava uma vez por ano ao sumo sacerdote. O véu misterioso se rasgou de alto a baixo, rompendo assim a antiga aliança para ceder o lugar à nova (Mt 27, 51; Lc 23, 45).
Sacerdotes, cessai de imolar vítimas figurativas. A única vítima agradável ao Senhor, vós a imolastes no Calvário! Povo de Israel, escutai a profecia de Daniel: “Depois de 70 semanas de anos, será morto o Messias. O povo que o há de renegar já não será para o futuro o seu povo; a oblação e o sacrifício hão de cessar; a abominação da desolação morará no Templo, e a desolação perdurará até o fim” (Dan 9, 26-27). Sacerdotes e doutores, as 70 semanas de anos passaram. Junto ao véu rasgado do santuário, confessai que crucificastes o Messias, o Filho de Deus!
Era verdadeiramente o Filho de Deus
Em meio a essas cenas de desolação, um silêncio lúgubre reinava no Calvário, entrecortado de tempos em tempos pelos gritos lancinantes que davam os dois ladrões. Depois da morte de Jesus, as santas mulheres tinham-se afastado um pouco, com Maria e o apóstolo João.
Só o centurião, imóvel no meio dos seus soldados, não podia despregar os olhos do divino Crucificado. Ainda lhe ecoava aos ouvidos o último brado que Jesus dera, e a vista dos prodígios operados na sua morte acabou de lhe abalar o coração. Dirigindo-se, pois, a todos os que se encontravam no Calvário, exclamou: “Era um justo, era em verdade o Filho de Deus”. E todas as testemunhas daquele drama sublime, impressionadas até o íntimo da alma, voltaram para as suas casas batendo no peito, e dizendo como aquele romano: “Sim, era verdadeiramente o Filho de Deus” (Lc 23, 47-49).
O mesmo brado se ouviu das profundezas do inferno. Quando Jesus deu o último suspiro, Satanás compreendeu seu erro. Tinha amotinado a Sinagoga contra o Justo, e aquele Justo era o Filho de Deus. Quisera o demônio, com ódio insensato, aquela morte que no entanto dava a vida ao gênero humano; e assim trabalhara, sem o saber, para remir aqueles filhos de Adão que considerava como seus perpétuos escravos. Gritava ele desesperado: “Era o Filho de Deus, e eu o servi nos seus desígnios!”.
Naquele momento pôde Satanás ver a alma de Jesus separada do seu corpo, quando descia ao misterioso limbo onde, desde longos séculos, esperavam-na os filhos de Deus. Ali se encontravam os patriarcas e profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, David e todos os justos que tinham desejado a vinda do Salvador, e n’Ele tinham posto a sua esperança. Ao entrar naquele templo dos santos, Jesus foi acolhido com um brado tal, que ecoou naquele momento ao pé da cruz e nos infernos: “É Ele! É o Filho de Deus! É o Redentor que nos vem anunciar a nossa próxima libertação!”.
Preparação para o sepultamento de Jesus
Nesse meio tempo, alguns soldados enviados por Pilatos subiam silenciosamente o monte Calvário. Os romanos abandonavam às aves de rapina os cadáveres dos supliciados, mas a lei dos judeus proibia deixá-los suspensos no patíbulo depois do pôr-do-sol. Como ia se iniciar o Sábado, tornava-se ainda mais urgente respeitar as prescrições legais. Os príncipes dos sacerdotes pediram então a Pilatos que mandasse recolher os três supliciados, e em seguida depor seus corpos.
Para esta última execução, subiam ao Gólgota aqueles soldados armados de enormes maças. Aproximaram-se de um dos ladrões e lhe partiram as pernas e o peito. A mesma sorte coube ao segundo ladrão. Chegando perto de Jesus, logo notaram na palidez do rosto, na inclinação da cabeça e na rigidez dos membros, que algumas horas antes Ele deixara de viver. Julgaram inútil, portanto, quebrar-lhe as pernas.
Contudo, para maior segurança, um soldado Lhe trespassou o lado com uma lança. O ferro atingiu o coração, e da ferida saiu água e sangue. Deste modo se cumpriu a palavra da Escritura: “Fixarão os seus olhos n’Aquele a Quem crucificaram”; e também esta, concernente ao Cordeiro Pascal: “Nem um só dos meus ossos se há de quebrar” (Ex 12, 46; Sl 34, 21).
O apóstolo João, que estava com as santas mulheres, viu todos os pormenores desta cena misteriosa. Viu entrar o ferro da lança no Coração de Jesus, viu correr o sangue e a água — aquelas duas fontes de vida saídas do Divino Coração: a água batismal que regenera as almas, e o sangue eucarístico que as vivifica. E João deu testemunho do que tinha visto, a fim de a todos inspirar fé e amor (Jo 19, 31-37).
Para concluir o seu ofício, dispunham-se os soldados a desprender os supliciados e enterrá-los, como de costume, com os instrumentos do seu suplício. Apresentaram-se então dois homens, que haviam pedido o corpo de Jesus. Um deles, José de Arimateia, pertencia à nobreza e tinha voz no Supremo Conselho. Amigo como era da justiça, e afável e bom por natureza, recusara associar-se à negra conspiração tramada contra Jesus. No íntimo, era discípulo do Salvador e esperava o Reino de Deus, mas o terror inspirado pelo Sinédrio o havia impedido de manifestar a sua fé.
Ao morrer o Salvador, José de Arimateia concebeu o desígnio de Lhe dar honrosa sepultura. Animado subitamente de uma coragem heroica, não receou ir ter com Pilatos e pedir-lhe o Corpo de Jesus. Muito tinha o governador romano por que se penitenciar a respeito do Crucificado e dos seus amigos. Acedeu de bom grado ao que lhe era pedido, mas quis primeiro certificar-se da morte, pois lhe parecia demasiado prematura. Chamou o centurião encarregado de guardar os supliciados, e ouvindo dele que Jesus já não vivia, ordenou-lhe que entregasse o corpo a José.
Com José ia Nicodemos, aquele doutor da lei que, desde a sua conversa noturna com Jesus, nunca tinha deixado de O defender das injustas acusações dos chefes do povo. José levava um sudário para amortalhar o corpo, e Nicodemos uma composição de mirra e aloés para O embalsamar. Com o auxílio de João e de mais alguns discípulos, despregaram da Cruz o Corpo do Salvador; e depois, carregando o precioso Corpo, foram colocá-lo sobre uma pedra a alguns passos da Cruz.
E ali, afinal, as santas mulheres puderam contemplar o rosto inanimado do Mestre, a quem tinham seguido com tanta dedicação. Ali pôde a Mãe de Jesus banhar com suas lágrimas as sagradas chagas e cobri-las de beijos. Mas foi preciso concluir bem depressa aquelas demonstrações de dor e ternura, pois o sol estava no ocaso e ia começar o sábado.
Cerimonial junto ao Santo Sepulcro
José estendeu sobre a pedra o sudário, que devia servir de mortalha. Colocaram o corpo sobre aquele lençol, cobriram-no de perfumes conforme o costume judaico, e por fim cobriram com as extremidades do lençol fúnebre os membros e a cabeça do seu muito amado Mestre.
Perto do lugar onde Jesus foi crucificado, num jardim pertencente a José de Arimateia, havia um sepulcro aberto na rocha, o qual ainda não fora utilizado. Deu-se José por feliz em poder consagrá-lo à sepultura do Salvador.1 Estava dividido em dois compartimentos abertos na rocha, que se comunicavam entre si.
Num nicho feito no segundo destes compartimentos foi posto o corpo do Salvador, como muito bem observaram Maria Madalena e as santas mulheres, pois tinham combinado voltar ao sepulcro, logo depois de passado o sábado, para proceder com menos precipitação ao embalsamamento de Jesus (Lc 23, 50-56; Jo 19, 38-42).
Tendo assim prestado os últimos serviços ao seu bom Mestre, saíram os discípulos do monumento e rolaram para a entrada uma pedra enorme, com o fim de lhe impedir o acesso. Depois, com o coração triste, os olhos marejados de lágrimas e oprimidos pelo peso da dor, entraram na cidade. Maria e as santas mulheres tiveram também de resignar-se a deixar o Calvário. Foram encerrar-se no cenáculo, para lá passar o dia de sábado.
Hipocrisia, temor e fúria dos deicidas
Tudo parecia concluído. O Profeta de Nazaré morrera na cruz, como um vil escravo. Os apóstolos, aterrorizados, tinham desaparecido. Umas quantas mulheres, depois de O terem seguido até o sepulcro, voltaram para as suas casas derramando lágrimas.
Dir-se-ia que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus triunfavam incontestavelmente. Contudo, estranhamente, pareciam temer ainda Aquele personagem prodigioso, que tantas vezes os tinha espantado com o seu poder. Aquelas trevas que envolveram a cidade durante a sua agonia; aquele tremor de terra no momento da sua morte; aquele véu do Santo dos Santos — foram para eles como presságios sinistros. O que mais os inquietava é que o Crucificado anunciara sua ressurreição três dias depois da sua morte.
Era tal o pavor deles diante dessas ameaças, que sem se importar com o descanso sabático foram logo ter com Pilatos, e disseram-lhe:
— Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor, quando ainda vivia, anunciou que ressuscitaria ao terceiro dia depois da sua morte. Fazei-nos, pois, o favor de mandar guardar o seu sepulcro até o fim do terceiro dia, para os seus discípulos não lhe retirarem o cadáver e dizerem depois ao povo que ressuscitou dentre os mortos. Pois este segundo erro ainda seria mais perigoso que o primeiro.
Pilatos execrava aqueles homens, sobretudo depois que eles lhe extorquiram uma sentença que a sua consciência lhe censurava como um crime. Por isso respondeu-lhes com desprezo: “Tendes a vossa guarda: ide lá, e mandai guardar esse sepulcro como bem vos parece” (Mt 27, 62-66).
Os príncipes dos sacerdotes e os chefes do povo foram ao jazigo onde repousava o corpo do Crucificado. Selaram a pedra que defendia a entrada e colocaram soldados à volta do monumento, a fim de impedirem que alguém se aproximasse. Feito isto, retiraram-se plenamente seguros. Parecia-lhes impossível que um morto tão bem preso e tão bem guardado lhes pudesse escapar.
Já se tinham esquecido de que Jesus, no Horto de Getsêmani, tinha prostrado ao chão os soldados, ao simplesmente pronunciar o próprio Nome; e bem poderia, se quisesse, prostrá-los de novo junto do sepulcro. Deus assim dispunha que eles tomassem aquelas ridículas precauções, a fim de que os próprios judeus fossem obrigados a verificar oficialmente o triunfo do Crucificado!
Ressurreição de Jesus Cristo
Ao predizer a sua morte na cruz, Jesus acrescentou que ressuscitaria ao terceiro dia: “Destruam este templo (referia-se Ele ao templo do seu Corpo), e Eu o reconstruirei em três dias”. E até aos fariseus, que Lhe pediam um prodígio do Céu para provar a sua divindade, anunciou-lhes que o grande sinal da sua missão divina seria a sua Ressurreição: “Assim como Jonas ficou três dias e três noites no ventre da baleia, assim ficará o Filho do Homem três dias no seio da terra”. Este é o milagre por excelência, o milagre que há de lançar o mundo aos pés do Filho de Deus. Jesus anunciou, é preciso que a sua palavra se cumpra.
Mas a guarda romana, composta de 16 soldados, vigiava cuidadosamente o Crucificado do Gólgota. De três em três horas, novas sentinelas iam render as que tinham acabado o seu turno. O Filho de Deus esperava, na paz e silêncio do sepulcro, o momento fixado pelos decretos eternos.
Ao romper da aurora do terceiro dia, voltando do limbo a sua alma, reuniu-se ao corpo. Sem nenhum movimento na colina, Cristo glorificado saiu do sepulcro, e os guardas sequer perceberam que estavam vigiando um sepulcro vazio.
Momentos depois começava a terra a tremer violentamente. Um anjo desceu do Céu, à vista dos soldados aturdidos, rolou a pedra que fechava a entrada da gruta, e sentou-se sobre ela como um triunfador no seu trono. O seu rosto brilhava como o relâmpago, o seu vestido era alvo como a neve, os olhos despediam chamas e fixavam os guardas, que caíram com o rosto no chão, quase mortos de pasmo. Era o Anjo da Ressurreição, que descia do Céu para anunciar a todos que Jesus, o grande Rei, o vencedor da morte e do inferno, acabava de sair do sepulcro.
Conluio para negar a Ressurreição
Passado aquele primeiro momento de assombro, os guardas fora de si fugiram para a cidade, e foram contar aos príncipes dos sacerdotes os fatos prodigiosos de que tinham sido testemunhas. Os sacerdotes, apavorados e desconcertados, conferenciaram logo entre si sobre o modo como poderiam ocultar a verdade ao povo, e de antemão pô-lo de pé atrás contra as manifestações que sem dúvida ocorreriam.
Mandando imediatamente convocar os anciãos, não encontraram melhor artifício para se livrar do caso do que subornar os soldados a peso de dinheiro. Prometeram a cada um deles uma soma avultada, se estivessem dispostos a explicar ao povo que, enquanto eles dormiam, os discípulos de Jesus tinham levado o corpo do seu Mestre.
Os soldados objetaram que, se Pilatos ouvisse falar do furto do cadáver, teriam de lhe dar contas de como procederam. Respondeu-lhes o Conselho que se encarregava de desculpá-los perante o governador. Deste modo, livres de perigo, os soldados se apossaram do dinheiro que lhes deram, e propalaram entre os judeus a fábula ridícula do suposto roubo. Com isto nada mais conseguiam do que desonrar-se, pois era bem fácil lançar-lhes em face: Se vocês estavam dormindo, como dizem, não poderiam ver nem ouvir nada durante o sono. Como então se atrevem a afirmar que os discípulos levaram o cadáver?2
O dia da Ressurreição terá um nome particular: Domingo, o Dia do Senhor, o dia do eterno aleluia, porque “nesse dia a Vida e a Morte combateram num assombroso duelo, e o Senhor da Vida venceu a morte. O Senhor ressuscitou verdadeiramente! Aleluia!”. Assim hão de cantar os filhos do Reino que Jesus, saído do sepulcro, vai agora estabelecer no mundo inteiro e perpetuar até o fim dos séculos.
Um Anjo anuncia a Ressurreição
Depois da prisão do Mestre, os apóstolos esconderam-se todos, salvo João, que não desamparou a Virgem Maria durante a Paixão. Dos outros, nenhum apareceu no Calvário, sequer para levar Jesus ao sepulcro. Durante três dias, conservaram-se cuidadosamente escondidos, pois receavam que os tomassem por cúmplices do Crucificado. Pouca razão tinha o Sinédrio para supô-los capazes de ir roubar o corpo, eles que nem se atreviam a aparecer nas ruas.
No sábado, restabelecida a calma na cidade, dirigiram-se um após outro ao cenáculo, consternados e aniquilados. Parecia-lhes que estava tudo perdido. O passado se lhes afigurava um sonho, o Reino futuro uma quimera, e Jesus um mistério impenetrável que os confundia e oprimia.
O coração não podia desapegá-los de um Mestre cuja dedicação e inefável ternura bem conheciam, mas não sabiam o que pensar daquele taumaturgo que de repente se tornara impotente contra os sinedritas, a ponto de se deixar prender, condenar e crucificar por eles, como um vil criminoso! Desanimados e desesperançados, choravam e se lamentavam no meio das Santas Mulheres, enquanto João lhes contava as plangentes cenas do pretório e do Calvário.
Passou-se assim o dia do sábado, sem que nenhuma esperança lhes reanimasse as almas abatidas. Começava já o terceiro dia após a morte de Jesus, e ninguém pensava na Ressurreição. O Salvador repousava no sepulcro.
As Santas Mulheres, em vez de esperarem diante do sepulcro para vê-Lo sair, preocupavam-se em embalsamá-Lo, já que o tinham feito na véspera muito às pressas. Terminado o sábado, foram elas comprar perfumes para O amortalhar com mais cuidado, e evitar assim que se corrompesse prematuramente.
Quanto aos apóstolos, estavam todos num estado de marasmo e esquecimento, sem esperança nem fé, quando já o Anjo da Ressurreição tinha posto em fuga os guardas espantados. Os acontecimentos provaram bem quanto o escândalo da cruz os tinha tornado incrédulos.
Mal raiou a aurora do domingo, Maria Madalena, Maria de Cleofas e Salomé saíram de Jerusalém e foram para o Calvário com as mãos cheias de perfumes, muito preocupadas em saber quem retiraria a enorme pedra que impedia o acesso à gruta sepulcral.
Mais impaciente, Madalena tomou a dianteira. Mas ao chegar ao sepulcro, espantou-se quando viu a pedra já removida, e a entrada completamente livre. Persuadida de que tinham roubado o corpo, deixou as companheiras, e sem perda de tempo correu ao cenáculo para contar aos apóstolos o que vira: “Levaram o corpo do Mestre, e não sabemos onde O puseram”.
Enquanto isso suas duas companheiras, chegando ao sepulcro, penetraram na câmara onde tinha sido depositado o Corpo de Jesus. À direita do sepulcro viram um anjo, cujo aspecto majestoso e vestes cintilantes encheram-nas de assombro. Disse-lhes o anjo: “Não temais: sei que vindes procurar Jesus, o Crucificado. Já não está aqui. Ressuscitou, como havia dito. Vinde e vede o lugar onde foi deposto. Ide já e dizei aos discípulos de Jesus que Ele irá adiante de vós para a Galileia. Lá é que O vereis, como Ele vos prometeu”. As duas mulheres, trêmulas e assustadas, saíram do sepulcro e fugiram, sem se atrever a contar a outros a mínima palavra sobre aquela aparição (Mt 28, 1-7).
Aparição de Jesus a Santa Maria Madalena
Pedro e João, ouvindo o relato de Madalena, foram com ela ao sepulcro de Jesus. João, sendo mais novo e mais ágil, chegou primeiro, espreitou o interior da sepultura, viu as mortalhas postas no chão, porém não entrou. Alguns instantes depois chegou Pedro, e penetrou no jazigo para certificar-se do que tinha ocorrido. Viu as faixas a um lado, e o sudário que cobria o corpo dobrado à parte.
Depois entrou João no sepulcro, fez as mesmas observações e concluíram ambos, como Madalena, que tinham roubado o corpo. Nenhum deles imaginou que Jesus tivesse ressuscitado, pois um espesso véu, como diz o próprio São João, lhes toldava o espírito, de tal modo que as profecias da Escritura sobre a morte e ressurreição do Messias eram para eles letra morta. Desorientados, voltaram ao cenáculo, procurando explicar aquela misteriosa desaparição.
Maria Madalena, porém, não pôde resignar-se a ir com eles. Sentada junto do Sepulcro, pôs-se a chorar, pensando ansiosa onde teriam ocultado o corpo do seu Mestre. E com os olhos banhados em lágrimas, de novo se inclinava para examinar com mais atenção o interior do jazigo, quando dois anjos lhe apareceram, dizendo:
— Mulher, por que choras?
— Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.
Ao proferir estas palavras, sentiu passos atrás de si. Voltou-se de repente, e encontrou-se em presença de um ‘desconhecido’, que lhe perguntou também:
— Mulher, por que choras?
Era o Divino Ressuscitado, mas ela não O reconheceu. Pensou tratar-se do jardineiro, e absorta sempre no seu primeiro pensamento, respondeu:
— Senhor, se o levaste, dize-me onde O puseste, e eu irei buscá-lo.
Como não haveria Jesus de abrir os olhos àquela Madalena penitente, que Ele tinha visto chorar ao pé da cruz, e que agora tornava a encontrar, inconsolável, junto do seu sepulcro? Com aquele acento divino que penetra até o mais profundo da alma, pronunciou Jesus esta simples palavra: “Maria!”. E ela, pelo tom daquela voz que tantas vezes a comovera, reconheceu Jesus.
— Meu bom Mestre! – exclamou ela, transportada de alegria, e logo Lhe caiu aos pés, abraçando-os. Agarrava-se Àquele a Quem acabava de achar, como se Ele lhe fosse fugir ainda. Disse-lhe Jesus:
— Não me detenhas. Em breve, é certo, vos deixarei para voltar ao meu Pai, mas esse momento ainda não chegou. Vai já ter com os meus irmãos, e dize-lhes: Não tardarei em subir para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus (Jo 20, 11-17).
Aparição de Jesus às Santas Mulheres
Deste modo apareceu Jesus primeiro a Maria Madalena, para com este favor incomparável recompensar o incomparável amor da Santa penitente. Apareceu igualmente ao grupo das Santas Mulheres, que não O tinham desamparado nas suas dores. Pouco depois da partida de Madalena, foram ao sepulcro Joana, esposa de Chusa, e outras mulheres da Galileia, pensando encontrar lá o Corpo do seu Mestre e prestar-Lhe as últimas honras. Mas não O encontrando, ficaram junto do sepulcro grandemente consternadas. Aos seus olhos se apresentaram dois anjos em trajes resplandecentes de luz. Elas baixaram os olhos, cheias de temor, porém um dos mensageiros celestes animou-as:
— Não venhais procurar entre os mortos um Vivo. Jesus já não está aqui; ressuscitou, conforme prometeu. Lembrai-vos, pois, do que Ele vos dizia na Galileia: É preciso que o Filho do Homem seja entregue aos pecadores. Será crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia (Lc 24, 1-10).
De fato, por estas palavras do anjo as Santas Mulheres lembraram-se perfeitamente de que Jesus lhes predissera a sua morte e ressurreição. O anjo acrescentou:
— Voltai depressa a Jerusalém, e dizei aos discípulos e a Pedro que Jesus ressuscitou e irá adiante de vós para a Galileia.
Iam pressurosas anunciar esta boa nova, quando de repente um homem as fez parar, e disse: Mulheres, Deus vos salve. Era o próprio Jesus. Elas o reconheceram e se lançaram aos seus pés, abraçando-os, e adoraram com amor o seu Senhor e seu Deus. Consolou-as o bom Mestre, e disse-lhes antes de se despedir:
— Agora não temais. Ide dizer a meus irmãos que vão para a Galileia, onde Me verão” (Mt 28, 6-10).
Tais são os fatos pelos quais Jesus, desde a aurora de domingo, se manifestou às Santas Mulheres, a quem constituiu testemunhas da sua Ressurreição junto dos seus apóstolos. Mas, a fim de que ninguém pudesse tachar de credulidade aos que em breve deviam pregar Jesus ressuscitado ao mundo, permitiu Deus que os apóstolos, obstinados na sua cegueira, rejeitassem os testemunhos daquelas Santas Mulheres, sem deles querer saber.
Madalena, a primeira a voltar do sepulcro com o coração a transbordar de alegria, entrou no cenáculo exclamando:
— Vi o Senhor! Vi-O com os meus olhos, e eis o que me encarregou de vos dizer.
No entanto, por mais que afirmasse e contasse detalhadamente as circunstâncias da aparição com que Jesus a favoreceu, em nada quiseram crer os apóstolos e discípulos presentes no cenáculo. Em vão as suas companheiras, a quem foi concedido igual favor, vieram por seu turno afirmar que tinham visto, ouvido e adorado o Salvador ressuscitado. Trataram-nas como alucinadas e visionárias. Só Deus podia tirar os apóstolos do abismo de desalento e desesperança em que os mergulhara a Paixão e Morte do seu Mestre (Mc 16, 9-11).
Aparição de Jesus a alguns discípulos
Na tarde daquele mesmo dia, dois daqueles discípulos incrédulos tomaram a resolução de voltar para as suas casas. O que mais os partidários do Crucificado podiam esperar em Jerusalém, senão insultos e perseguições? Eles habitavam em Emaús, pequena aldeia escondida entre montes, a uns 100 quilômetros de distância de Jerusalém. Pensavam eles que lá encontrariam, a par de um refúgio, o esquecimento das suas amargas decepções.
Enquanto caminhavam desconsolados e abatidos, conversavam, como era natural, acerca dos tristes acontecimentos daqueles últimos dias. E procuravam inutilmente achar-lhes uma explicação, quando um desconhecido que ia na mesma direção se aproximou com ar benévolo. Era Jesus, mas com uma aparência que não lhes permitiu reconhecê-lo, e perguntou:
— Qual é o assunto da vossa conversa? Pareceis dominados por uma grande tristeza.
Parece que esta pergunta os surpreendeu, pois um dos dois caminhantes, chamado Cleofas, perguntou:
— Tu és o único forasteiro em Jerusalém que ignora o sucedido lá durante estes últimos dias?
— Então, o que foi?
— Ora, foi o fim trágico de Jesus de Nazaré, aquele Profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. Tereis sabido, sem dúvida, como os príncipes dos sacerdotes e os nossos anciãos O entregaram aos tribunais, O condenaram à morte e O crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse Ele o Redentor de Israel.
O desconhecido ia ouvindo com atenção, e o seu olhar interrogativo parecia perguntar aos discípulos por que perderam a confiança. Cleofas acrescentou:
— Hoje é o terceiro dia depois que estes fatos se passaram. E o que poderíamos nós esperar? Verdade é que esta manhã, desde a aurora, umas mulheres nos contaram certas coisas estranhas. Tendo ido ao sepulcro de Jesus, não encontraram nele o corpo. Pretenderam até ter visto uns anjos que lhes teriam afirmado a ressurreição d’Ele. Movidos pelo que elas diziam, foram alguns dos nossos ao sepulcro e verificaram a exatidão das suas palavras. O sepulcro estava realmente vazio, mas não encontraram Jesus.
Mal tinha Cleofas exposto as suas dúvidas, quando o desconhecido, fitando os dois discípulos e animando-se gradualmente, exclamou:
— Ó homens cegos, como é duro o vosso coração, e quão vagarosos sois em dar fé às palavras dos profetas! Pois não era necessário que morresse Cristo, e assim entrasse na sua glória?
Em seguida, começando por Moisés, referiu todas as profecias que falavam do Messias e explicou-lhes o sentido das Escrituras, com tal encanto e autoridade, que os dois incrédulos ficaram arrebatados de admiração. Quando se aproximavam da aldeia de Emaús, o desconhecido parecia querer continuar a sua viagem. Os dois discípulos, porém, pediram-Lhe que passasse a noite em casa deles:
— Ficai conosco, porque já é tarde e o sol está se pondo.
Jesus cedeu às suas instâncias. No entanto, durante a refeição da tarde, Jesus tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e apresentou-o aos seus dois companheiros. De repente se abriram os olhos deles, e reconheceram o bom Mestre. Mas Ele desapareceu da sua presença.
Aparição de Jesus aos Apóstolos
Ficando a sós, Cleofas e o amigo sentiram-se tomados por uma santa alegria:
— Não é verdade que o coração nos ardia cá dentro, quando Ele pelo caminho nos falava e explicava as Escrituras?
E não esperaram até o dia seguinte para comunicar a grande nova aos seus irmãos. Retomando logo o caminho de Jerusalém, entraram no cenáculo, onde encontraram os apóstolos com certo número de discípulos. Continuavam a conversar sobre os sucessos do dia, e contavam que, além das aparições às Santas Mulheres, tinha Jesus aparecido ao apóstolo Pedro. Referiram detalhadamente os discípulos de Emaús o que lhes sucedera naquela tarde, e como tinham reconhecido o Mestre ao partir o pão. Estas narrativas estimulavam os incrédulos, mas sem chegarem a convencê-los (Lc 24, 13-35).
À hora da refeição, puseram-se os apóstolos à mesa, com as portas da sala cautelosamente fechadas, porque receavam que os fariseus os acusassem de ter roubado o Corpo de Jesus. Enquanto discutiam energicamente entre si os novos testemunhos a favor da Ressurreição, Jesus apareceu subitamente no meio deles, e disse:
— A paz seja convosco. Não temais, sou Eu a Quem vedes.
Perturbados e atemorizados, no primeiro momento os apóstolos, sem poderem crer nos olhos e ouvidos, tomaram-no por um fantasma. Ele os repreendeu:
— Por que vos perturbais desse modo, e pensamentos vãos vos passam pelo espírito? Vede as minhas mãos e os meus pés, tocai-os, e vereis bem que é o vosso Mestre Quem vos fala. Um espírito não tem carne nem ossos como os que Eu tenho.
Enquanto dizia isto, mostrava-lhes as mãos, os pés e a chaga do lado. Apesar da imensa alegria que os invadia, ainda pareciam duvidar, e Ele perguntou:
— Tendes alguma coisa de comer?
Eles Lhe ofereceram uma posta de peixe frito e um favo de mel, que Jesus comeu na presença deles (Lc 24, 36-43).
Jesus revela a missão dos apóstolos
Desvanecidas então todas as suas dúvidas, os apóstolos caíram de joelhos aos pés do Mestre, com demonstrações de júbilo e amor indescritíveis. Disto se aproveitou Jesus para repreendê-los, com suavidade, da falta de fé que os impedira de crer nos primeiros testemunhos da sua Ressurreição. Em seguida, recapitulando todos os fatos da Paixão, por eles tão mal compreendidos, lembrou-lhes os seus divinos ensinamentos:
— Quando Eu ainda estava convosco, disse-vos muitas vezes que devia cumprir-se tudo o que de Mim está escrito nos livros de Moisés, dos Profetas e Salmos; e que, por conseguinte, era preciso que Cristo sofresse e ressuscitasse ao terceiro dia depois da sua morte, para que depois, em seu Nome, se pregasse a penitência e perdão dos pecados a todas as nações, a começar por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destes grandes acontecimentos” (Lc 24, 44-48).
Não só deviam ser testemunhas de Cristo, mas também os depositários do seu poder, encarregados de dispensar às almas as graças que Ele lhes merecera com a sua morte. Naquele mesmo cenáculo já os tinha constituído sacerdotes do sacramento do seu amor. Hoje, que de novo com eles se encontrava, depois de ter oferecido o seu Sangue pela remissão dos pecados, ia fazer deles ministros do sacramento da penitência e reconciliação.
Continuando a conversar com eles, Jesus tomou uma atitude grave e solene, e com um tom de voz cheio de majestade, disse-lhes de novo:
— A paz esteja convosco. Como o meu Pai Me enviou, assim Eu vos envio a vós.
Depois soprou sobre eles, dizendo:
— Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.
Tendo assim comunicado aos apóstolos o poder divino de lavar as almas no seu precioso Sangue, desapareceu Jesus, deixando-os a todos reconfortados (Jo 20, 21-23).
Incredulidade de São Tomé – ver para crer
Tomé, um dos 12, não se encontrava com os seus companheiros quando Jesus lhes apareceu. Logo que entrou, começaram todos a dizer-lhe alvoroçados: “Vimos o Senhor”. Porém Tomé, muito incrédulo, respondeu que não aceitaria outro testemunho que não fosse o dos sentidos:
— Se eu não Lhe vir nas mãos as aberturas dos pregos, e se não Lhe meter o dedo pelas chagas e a minha mão na abertura do lado, não hei de crer.
Tendo feito esta declaração, persistiu na sua incredulidade, apesar da insistência de todos os seus irmãos. Oito dias depois, lá estavam ainda os discípulos reunidos no cenáculo, e Tomé com eles. De repente, não obstante estarem fechadas as portas, Jesus apareceu de novo no meio da assistência, e disse: A paz esteja convosco! Logo, dirigindo-se ao incrédulo, interpelou-o nestes termos:
— Tomé, olha as minhas mãos e mete aqui o teu dedo; aproxima a tua mão e mete-a na chaga do meu lado. E agora não sejas incrédulo, mas homem de fé.
Vencido pela evidência, exclamou Tomé:
— Meu Senhor e meu Deus!
Cheio de júbilo e de amor, Tomé caiu de joelhos aos pés de Jesus, que prosseguiu:
— Tomé, tu creste porque viste. Bem aventurados os que crêem sem ter visto! (Jo 21, 24-29).
Não é possível levar a incredulidade mais longe do que fizeram os apóstolos. Sobre este fato capital da Ressurreição – predito muitas vezes, e pelo qual consequentemente deviam esperar — recusaram acreditar no testemunho dos anjos, de Maria Madalena, das Santas Mulheres, dos dois discípulos que acabavam de ver Jesus ressuscitado e conversar com Ele, e até no testemunho dos seus próprios olhos.
Só depois de O terem tocado e de O terem visto comer, eles caíram de joelhos aos pés de Jesus. E ainda então, quando todas as testemunhas oculares, apóstolos e discípulos contaram a Tomé que viram e ouviram Jesus ressuscitado, e que com eles comera, este insistiu em dizer que não acreditaria antes de meter ele mesmo o dedo nas chagas das mãos e na abertura do lado. Jesus prestou-se a todas essas exigências, Tomé introduziu as suas mãos nas chagas de Jesus, em presença de todos os seus irmãos, e afinal caiu de joelhos, exclamando: Meu Senhor e meu Deus!
É claro que Jesus permitiu esta incredulidade cega, e verdadeiramente inexplicável, porque quis fazer dos seus apóstolos testemunhas irrecusáveis da sua Ressurreição. Quando fossem por todo o mundo pregar a Ressurreição de Jesus, ninguém poderia tachar de credulidade esses homens que se mostraram tão incrédulos, nem acusar de impostura esses apóstolos que, depois de terem desamparado o seu Mestre no momento da sua Paixão, afinal se deixaram degolar, para com isso atestar a verdade da Ressurreição.
Avançam os estandartes do Rei
A vida dos homens e a sua ação terminam geralmente com a morte. Mas a vida de Jesus e o seu reinado na Terra, ao contrário, começam no momento em que Ele morreu pela salvação do mundo.
Naquele dia, seu Pai O investiu na realeza sobre essa raça de Adão, que Jesus acabava de arrancar à morte e ao inferno. E por isso a cruz, que foi o instrumento da sua vitória, tornar-se-á o estandarte do seu reinado — Vexilla Regis — e por ela converterá todos os povos: judeus, romanos, idólatras e bárbaros. Por isso Jesus suspirava pelo batismo de sangue: Quando for levantado entre o céu e a terra, atrairei todos a Mim (Jo 12, 32).
No dia de Páscoa, ao sair do túmulo, Jesus não encontraria quem acreditasse na sua Ressurreição. A única exceção era a sua Mãe, a Mãe das Dores, a única cuja fé não naufragara no momento da Paixão. Ao pé da cruz, Maria viu sofrer e morrer o seu Filho, mas sua fé não sofreu o menor eclipse. Naqueles três dias de trevas havia apenas uma alma luminosa, portanto, para fundar o seu Reino. Ela nunca esqueceu que o seu Jesus, seu Filho e seu Deus, ressuscitaria ao terceiro dia, como anunciara.
Por isso, ao mencionar as diversas aparições de Jesus aos apóstolos incrédulos, para reavivar sua fé, cala-se a Escritura sobre as aparições inegáveis de Jesus a Maria. Desnecessárias, para esse efeito, Àquela cuja fé jamais vacilara. Houve três dias, portanto — especialmente o sábado, quando Jesus jazia no Sepulcro — em que Maria era sozinha a Igreja nascente. Ao lado do novo Adão, a nova Eva, a Mãe dos crentes.
Em oito dias Jesus conquistou os seus apóstolos, as Santas Mulheres e certo número de discípulos que, tendo-O visto com os olhos, aderiram a Ele de todo o coração e se tornaram os zelosos missionários da sua Ressurreição. Durante aquela primeira semana, a Igreja inteira estava encerrada no cenáculo.
Para fazê-la crescer, era preciso deixar Jerusalém, onde só podiam reunir-se a portas fechadas, para não excitar o furor dos deicidas. Logo após as festas pascais, retomaram os apóstolos o caminho da Galileia, segundo a ordem de Jesus. Naquele país querido do seu coração, Ele devia passar ainda 40 dias na Terra para consolar os seus, fortificá-los, dar-lhes as últimas instruções sobre o Reino de Deus.
A pesca milagrosa na Galileia
Enquanto esperavam que o Mestre se manifestasse de novo, retomaram os apóstolos as suas ocupações ordinárias. Uma tarde, achavam-se nas margens do lago sete dentre eles — Simão Pedro, Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu com mais outros dois. O mar estava favorável. Pedro disse aos companheiros:
— Vou pescar.
— E nós vamos contigo – responderam os outros.
Subiram a uma barca e lançaram as redes. Mas, apesar dos seus esforços, nada apanharam durante toda a noite. Chegada a manhã, avistaram um homem de pé na praia, que parecia interessado no que faziam. Era Jesus, mas eles não O reconheceram. Disse-lhes Ele em tom familiar:
— Rapazes, tendes algum peixe que se coma?
Ante a resposta negativa, ele determinou:
— Deitai a rede à direita da barca, e logo achareis.
Obedeceram, pois grande parecia a segurança daquele homem. Logo a rede encheu-se com tal quantidade de peixes, que mal a podiam erguer. Ao ver aquela pesca verdadeiramente prodigiosa, João sentiu o coração a dizer-lhe que era o bom Mestre: É o Senhor! — disse ele a Pedro. Este, sempre impetuoso, vestiu a túnica e atirou-se ao mar para chegar mais depressa aonde Jesus estava. Os outros aproximaram a barca, distanciada apenas uns cento e trinta metros, e arrastaram a rede cheia de peixes. Descendo à praia, viram uns carvões acesos, sobre este fogo um peixe a assar, e ao lado pão. Convidou-os Jesus a tomar parte na refeição que lhes tinha preparado:
— Trazei alguns dos peixes que agora pescastes.
Correu Pedro à barca, e quando tirou a rede para terra, encontrou 153 grandes peixes. Apesar daquele peso enorme, malha nenhuma da rede se rompeu. Disse-lhes então Jesus:
— Aproximai-vos agora, e comei.
São Pedro eleito Vigário de Cristo na Terra
Juntaram-se todos à volta de Jesus. Como outrora, o bom Mestre tomou o pão e o distribuiu, e também o peixe. Já não havia, porém, a doce familiaridade dos passados dias. Na presença do divino Ressuscitado, os temerosos apóstolos estavam calados, e não se atreviam a fazer uma pergunta. Esperaram que ele se dignasse a tomar a palavra (Jo 21, 1-14).
Uma vez que Ele tinha patenteado aos seus olhos, por duas vezes, a verdade da Ressurreição, o fim desta terceira aparição era lembrar-lhes a grande missão que lhes confiava, e sobretudo mostrar a missão de Pedro como chefe designado da sua Igreja. Terminada a refeição, dirigindo-se Jesus a Pedro, fez-lhe esta pergunta:
— Simão, filho de João, tu me amas mais que estes?
Pedro compreendeu a pungente alusão. Tinha afirmado que permaneceria fiel, mesmo que todos os seus companheiros abandonassem o Salvador, e Jesus pedia-lhe contas daquela palavra de jactância, que ele tão cedo desmentira com a sua tríplice negação. Profundamente humilhado, respondeu com simplicidade:
— Senhor, Vós sabeis que vos amo.
— Apascenta os meus cordeirinhos! – disse-lhe Jesus.
Depois, como se receasse não ter sondado bem o coração do apóstolo, antes de lhe confiar aquela função de pastor, perguntou-lhe segunda vez:
— Simão, filho de João, tu me amas?
Não perguntava se O amava mais que os outros, mas se O amava realmente. Ao pensar que Jesus parecia duvidar do seu amor, Pedro humilhou-se ainda mais profundamente, e apelou para Aquele que lia no íntimo dos corações.
— Senhor, Vós bem sabeis que vos amo.
— Apascenta os meus cordeiros! – respondeu-lhe Jesus.
Contudo, o olhar do Salvador continuava pregado no apóstolo. Pela terceira vez, interpelou-o solenemente:
— Simão, filho de João, amas-me tu de coração?
Desta vez, a confusão cedeu lugar à tristeza. Pedro pareceu pedir misericórdia:
— Senhor, Vós sabeis tudo, Vós bem sabeis quanto vos amo.
— Apascenta as minhas ovelhas! – repetiu-lhe Jesus.
Por esta última palavra, compreendeu Pedro que Jesus lhe tinha querido fazer expiar a tríplice negação com uma tríplice proclamação de amor. E à medida que as proclamações lhe saíam do coração, mais humildes e mais ardentes, colocava-lhe o Divino Pastor sob o cajado os cordeirinhos, os cordeiros e as ovelhas, isto é, todo o seu rebanho.
E ficava Pedro sendo aquilo que Jesus lhe indicara em Cesareia de Filipe: o fundamento visível do novo Reino, o Pastor Universal, o Vigário de Cristo na Terra. Por isso ardia Pedro em desejo de dizer — e desta vez do mais íntimo do coração — que estava disposto a todas as dedicações e sacrifícios por amor da glória do seu Mestre e salvação do rebanho que Ele se dignara confiar-lhe.
Mas Jesus não lhe deu tempo. Adiantando-se ao seu pensamento, disse-lhe:
— Pedro, em verdade te digo, quando eras novo, cingias-te a ti mesmo e ias para onde bem te parecia. Mas dia virá em que, já velho, estenderás os braços e outro te cingirá e levará para onde tu não queres.
Era isto anunciar-lhe o martírio. Pedro pôde ver de antemão as cadeias que o haviam de prender, os carrascos a arrastarem-no ao suplício e os seus braços estendidos na cruz. Disse-lhe então Jesus: Segue-me! E Pedro avançou atrás das pegadas do seu Mestre, decidido a sofrer tudo por amor d’Ele.
A alguma distância os seguia o apóstolo João, o discípulo privilegiado de Jesus, companheiro inseparável de Pedro. Quis Pedro saber se o seu amigo compartilharia as provações que Jesus acabava de lhe fazer entrever. Designando aquele que os seguia, perguntou Pedro:
— E este, o que lhe reservais, Senhor?
Jesus deu-lhe esta misteriosa resposta:
— Se Eu quero que ele fique neste mundo até que Eu venha, que te importa isso a ti? Quanto a ti, segue-Me.
Por ocasião destas palavras, correu entre os irmãos o rumor de que João não morreria, e que seria arrebatado ao Céu. Ora, Jesus dissera simplesmente que João não haveria de morrer antes de ver o Filho do Homem manifestar o seu poder pelo castigo da cidade deicida. Pedro morreria de morte violenta, à imitação de Jesus, mas João ficaria neste mundo até o dia em que a morte, por ordem do Mestre, lhe rompesse os fios da existência (Jo 21, 15-23).
Missão de expandir a Igreja por todo o mundo
Tais foram as particularidades que assinalaram aquela aparição de Jesus nas margens do lago da Galileia. E por muitas vezes, durante aqueles 40 dias, apareceu deste modo, quer aos apóstolos reunidos, quer a um deles em particular. Tiago menor, parente de Jesus, gozou deste insigne favor (I Cor 15, 7). Estas manifestações ensinaram aos antigos discípulos que Jesus tinha verdadeiramente ressuscitado, como anunciara, e com isto o número dos crentes foi crescendo dia a dia.
Antes de deixar este mundo, ordenou Jesus aos apóstolos que se reunissem todos num monte próximo, no cimo do qual, em presença da sua Igreja nascente, a missão de propagar e governar o Reino de Deus seria conferida solenemente aos 12 que escolhera. No dia fixado, dirigiram-se os apóstolos para o monte designado, seguidos de mais 500 discípulos (I Cor 15, 6), vindos da Galileia e de Jerusalém.
A Igreja, que havia alguns dias estava toda encerrada no cenáculo, já cobria agora todo o planalto do monte. De repente apareceu Jesus no meio da assembleia, e todos caíram de joelhos diante d’Ele e O adoraram como seu Deus e Salvador. Alguns, contudo, mal podiam crer nos seus olhos e pensavam se não teriam diante de si algum espírito ou fantasma. Mas Jesus bem depressa lhes dissipou todas as dúvidas.
Com a autoridade e majestade de Deus, tomou a palavra no meio da multidão silenciosa e admirada. Dirigindo-se aos apóstolos e a todos os que deviam trabalhar com eles na preparação do seu Reino, disse:
— Todo o poder Me foi dado no Céu e na Terra. Ide, pois, pelo mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinai a guardar os Mandamentos que vos dei. Quem crer e for batizado, será salvo. Quem não crer, será condenado! (Mc 16, 15-16; Mt 28, 18-20).
E ao ver os seus representantes levarem a todos os povos o seu Evangelho, o seu Batismo e os seus Mandamentos, conferiu-lhes Jesus, com o dom dos milagres, o sinal autêntico da sua divina missão:
— Os que em Mim crerem terão o poder de expulsar os demônios em meu Nome, falarão línguas novas, não temerão o veneno da serpente nem quaisquer outros; porão as mãos nos doentes e os doentes ficarão curados (Mc 16, 17-18).
Armados destes poderes prodigiosos, os apóstolos converterão os homens de boa vontade. Mas quem os defenderá contra os malvados e sectários, dispostos a tratá-los como trataram o seu Mestre? Ao terminar o seu discurso,exclamou Jesus:
— Não temais. Eis que Eu estarei sempre convosco até a consumação dos séculos (Mt 28, 20).
E desapareceu depois desta solene promessa, deixando os apóstolos e discípulos cheios de confiança na vitória do seu Mestre. Pois, afinal, quem será capaz de vencer Aquele que venceu a morte?
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Notas:
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