Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
4 min — há 6 anos
23Em prédio alto, vários andares, colunas e vigas de concreto, trincas de alvenaria enfeiam, porém não ameaçam a estabilidade. Trincas na estrutura, em especial a corrosão nas armaduras, não reparadas, podem causar o desmoronamento do edifício.
Desde os anos 40 do século passado as potências contrárias ao totalitarismo (comunismo, em outra palavra) constituíram estrutura de poder, baseada em acordos internacionais, que impediu parte do mundo de afundar na escravidão (alguns países imergiram). Tal estrutura teve como esteio os Estados Unidos. Ao lado, em posição preeminente, Inglaterra, Japão, Alemanha, França, outros ainda. Sua coligação mais forte foi a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O Japão, por óbvio, dela não participa, mas exerce função análoga no oriente.
Para vários desses países, havia a questão premente da reconstrução. E o acordo tácito de cavalheiros — no miolo da confiança mútua —, foi, reconstruímos o país, os Estados Unidos cuidam da defesa para nós. Em troca, agiremos como aliados muito próximos. O episódio mais simbólico desse longo período foi a visita de John Kennedy a Berlim, junho de 1963, no meio de gravíssima crise entre União Soviética e Estados Unidos, quando o mandatário norte-americano proclamou em discurso: “Ich bin ein Berliner” (sou um berlinense). Podem ficar tranquilos, os Estados Unidos cumprem compromissos. Pacta sunt servanda.
Após o fim da União Soviética, apareceram outros adversários da aliança ocidental, como as políticas expansionistas (quase um eufemismo, melhor seria, imperialistas) da Rússia e da China. A aliança comandada pelos Estados Unidos continua a garantia maior contra a queda na tirania e barbárie. Em que pé está a aliança ocidental? Ou, mais ao ponto, como está a confiança mútua?
Estará viva na medida em que vigorarem os tratados que a constituem. Vigorarem, tiverem vigor. Atrás da letra dos acordos, relevância maior tem a comunhão de aspirações, os interesses comuns, a sensação fundada de que nada mudou. A letra mata, o espírito vivifica.
Como em um casamento, sob tantos aspectos um contrato, vale mais a confiança mútua que a tinta dos papeis assinados. As primeiras trincas na confiança entre os esposos podem anteceder por anos o dia em que rasgarão contenciosamente o contrato nupcial. No caso de países, por décadas. Infelizmente estão visíveis as trincas nas relações entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos. Fica a pergunta: serão na alvenaria? estarão na estrutura?
Em café da manhã na capital belga, em meio a dignitários dos Estados Unidos e da Europa, presente imprensa, Donald Trump afirmou: “O que tenho a dizer é muito triste. A Alemanha faz um gigantesco contrato de petróleo e gás com a Rússia e nós devemos proteger a Alemanha contra a Rússia. A Alemanha paga bilhões de dólares por ano à Rússia. Assim, os Estados Unidos protegem a Alemanha, protegem a França, protegem todos esses países. E muitos desses países celebram contratos de óleo e gás com a Rússia em que pagam bilhões de dólares à Rússia. Assim, devemos protegê-los contra a Rússia, mas eles estão pagando bilhões de dólares à Rússia. Penso que não é correto. No fim, a Alemanha terá quase 70% do país controlado pela Rússia por meio do fornecimento de gás. A Alemanha está totalmente controlada pela Rússia. Eles obterão entre 60% e 70% de sua energia da Rússia. Devemos proteger a Alemanha da Rússia. Por que ela está pagando bilhões de dólares à Rússia? A Alemanha está cativa da Rússia. Vocês estão enriquecendo a Rússia”.
Trump deseja que a Alemanha ponha mais dinheiro na defesa própria. Que façam o mesmo outros países europeus. Aliás, muitos deles já firmaram compromisso a respeito. O Presidente alega, estão ricos, podem gastar mais com sua proteção. O argumento soa convincente, é assunto a ser discutido. Contudo, dessa forma, em público? Parecendo um pito na quarta maior economia do planeta, um país de enorme importância, qualificado por aliado, com poucos véus, de protetorado de potência adversária? Poucos dias antes Donald Trump, de forma inesperada, havia afirmado, os “piores inimigos” dos Estados Unidos muitas vezes são os ditos “melhores amigos”.
Obviamente, as palavras do café da manhã foram rebatidas em público pela chanceler Angela Merkel. Houve problemas parecidos, embora de menor gravidade, com Therese May. Trincas.
O que está oculto nos entreveros? Claro, há um assunto econômico a ser resolvido e existem obrigações financeiras diferentes, nascidas de circunstâncias novas. Acima delas, em geral oculta, paira a questão da liderança natural, nascida dos fatos, que coloca os Estados Unidos com deveres especiais inegáveis. Que, diga-se de passagem, via de regra não quiseram eludir no passado, evitando quase sempre o isolacionismo suicida. Bem compreendidos, tais deveres podem ser considerados decorrência direta de um “manifest destiny” — tantas vezes entendido de maneira torta — dos Estados Unidos no século passado e no presente. Noblesse oblige.
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