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Gaetano Chierici (1838-1920) - Amor de mãe
Gaetano Chierici (1838-1920) – Amor de mãe

O fato se passou na sala de espera de um consultório médico. Várias pessoas aguardavam sua vez de serem atendidas, entre elas eu.

Chamou-me a atenção uma senhora, ainda jovem, com seu filhinho. Ela se portava com muita dignidade e distinção. Vestido caindo abaixo dos joelhos, bem composta, olhar recatado. O menino estava nessa fase da existência em que se descobre a alegria de viver, de falar, de andar. Serelepe, ele corria de um lado para outro dentro da sala, mas sempre voltando a um ponto fixo, a mãe.

Ela o vigiava com o olhar, parecia comprazida com a movimentação do pimpolho, mas não lhe dizia nada. Em certo momento, porém, ele começou a mexer no abajur da sala. Temerosa talvez de que ele provocasse um pequeno desastre, o que não era de se excluir, ela o chamou.

— Luizinho, vem cá. Meu filho, não mexa no abajur. Diz um velho ditado que um menino prevenido vale por dois. É arriscado o abajur cair e o médico ficará zangado com você.

— Sim senhora, mamãe, disse ele, continuando suas andanças pela sala, sem mexer mais no abajur.

Em certo momento, voltando para onde estava sua mãe e pondo as pequenas mãos sobre os joelhos dela, perguntou, numa atitude inocente de intimidade e confiança:

— Mamãe, o que é mesmo que disse o velho deitado?

Todos na sala esboçaram um sorriso. Menos a mãe, que com toda a seriedade respondeu.

— Não, meu filho, não é o velho deitado, é um velho ditado.

— E qual a diferença, mamãe?

Eva Soares (1964-2010) - Pintura acrílica
Eva Soares (1964-2010) – Pintura acrílica

Foi aí que, junto com todos os presentes, pude apreciar uma cena delicada e admirável a uma só vez. A senhora se inclinou ligeiramente para o menino e, acariciando-o, explicou-lhe detalhadamente, em linguagem acessível àquela mente infantil, com numerosas imagens e comparações, a diferença existente entre um velho deitado e um velho ditado.

Entretanto não eram apenas as palavras. Enquanto falava, ela fazia sentir ao menino tanto afeto, tanta proteção, tanto carinho, tanto esmero no que dizia, sem dar a entender em nada o quanto sua pergunta era cômica e até extravagante, que o garoto olhava para ela encantado e embevecido. Ao mesmo tempo, ela falava com autoridade, seu tom de voz era o de quem ensina e quer ser compreendida, mas sem qualquer aspereza nem acidez.

O menino sentia bem, embora de modo incipiente, tanto quanto a uma criança é dado sentir, que se andasse no bom caminho, teria sempre a seu lado a proteção materna a ampará-lo nas dificuldades e agruras da vida. Sentia também, por contraste, que caso viesse a rolar por descaminhos, causaria uma dor incomensurável à sua mãe e não teria seu apoio nem seu beneplácito.

Na sala, o silêncio se fez. Ninguém sequer se mexia. Todos estavam emocionados diante daquela cena tão singela, mas que tocava ao sublime.

Lembrei-me então de outra senhora que tive a dita de conhecer – eu ainda jovem, e ela já na extrema velhice. Era a mãe do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, a tradicional dama paulista Da. Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira. Era aquela bondade, aquela afabilidade, aquela firmeza de princípios morais e religiosos, transmitidos com inabalável certeza e incomparável suavidade!

Chegara a vez de o menino ser atendido no consultório. Sua mãe o tomou com delicadeza pela mão — “Vamos meu filho” — e passou pela porta divisória. Pensei: “Qual! Esta senhora só pode ser católica!” Só o espírito católico é capaz de, com tanta certeza e determinação, transmitir uma seriedade tão afável, de modo tão aprazível e com tanta ternura. Lembrei-me da Virgem Maria e do Menino Jesus.

Este post tem 8 comentários

  1. Waldene Sobrinho

    Infelizmente nos dias de hoje, os adultos, as mães principalmente, não tem esse dom da paciencia, o dom da maternidade, pois o dia a dia das pessoas, as preucupações, interferem na qualidade da atenção, do carinho que é dispensado para a criança.

  2. HELIO FLORENCIO PINTO

    Lindo e real! É que está fazendo falta hoje na família, não vivemos mais como antigamente e estamos pagando caro por isso. Lembro também de minha mãe, quanto éra carinhosa, afável, amorosa, preocupada e principalmente CRISTÃ. Essa é a grande diferença do verdadeiro CRISTÃO CATÓLICO com os demais. Mansidão, paz, ternura, etc…, atributos que só vamos encontrar em JESUS.

  3. Carmen Lucia Xavier

    Essa cena retrata a verdadeira missão de “ser mãe”. O que está acontecendo com as mulheres na atualidade??? Como a maternidade é vista para a mulher na sua vida moderna, agitada e cheia de compromissos? Infelizmente as mulheres deixaram que lhe surrupiassem o dom de ser mãe em prol do egoísmo, da profissão, do prazer pelo prazer , da competição com o homem e quem mais saiu perdendo com isso foi toda a humanidade . Que homens teremos no futuro se a maternidade perdeu seu espaço para as babás, para os meios de comunicação , para as creches ,deixando as nossas crianças carentes do amor e da educação que só uma mãe presente pode suprir.

  4. Fernando de la Riva Averhoff

    Ensina-se mais pelo exemplo. Este relato é muito didático, além de belo. Inspira as melhores intenções, os mais elevados sentimentos.
    Muito bom. Obrigado.

  5. Cézar Pacheco

    Boa tarde! Lendo esse texto com todo respeito será q a atitude dessa mãe foi pelo fato de ser Católica? Nao querendo polemizar ou desfazer denominaçao de ninguém, nao seria os seus princípios ou a criaçao dessa mãe perante este fato? Portanto, no meu ponto de vista foi uma decisao da maneira educada de como essa mãe conduz o seu filho.Abraço fraternal!!!

  6. Rocha

    Se essa admirável mãe for de outra denominação – coisa de que duvido muito -, ainda assim o FATO é que a atitude dela foi uma atitude Católica.

    DEUS seja louvado!

  7. Maria de Fátima

    Quanta sabedoria divina e humana nessa bela história!
    Parabéns a vocês que incentivam a Fé, a Sabedoria, o Discernimento a todos.
    Obrigado por existirem.
    Abraço!
    Maria de Fátima de Oliveira Cabral de Souza

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