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CORRECTION / TOPSHOT - Taliban fighters stand guard in a vehicle along the roadside in Kabul on August 16, 2021, after a stunningly swift end to Afghanistan's 20-year war, as thousands of people mobbed the city's airport trying to flee the group's feared hardline brand of Islamist rule. (Photo by - / AFP) / ÒThe erroneous mention[s] appearing in the metadata of this photo by Zakeria HASHIMI has been modified in AFP systems in the following manner: [-] instead of [Zakeria Hashimi]. Please immediately remove the erroneous mention[s] from all your online services and delete it (them) from your servers. If you have been authorized by AFP to distribute it (them) to third parties, please ensure that the same actions are carried out by them. Failure to promptly comply with these instructions will entail liability on your part for any continued or post notification usage. Therefore we thank you very much for all your attention and prompt action. We are sorry for the inconvenience this notification may cause and remain at your disposal for any further information you may require.Ó
  • Luis Dufaur

Adesonrosa saída dos Estados Unidos do Afeganistão a 20 anos do atentado contra as Torres Gêmeas e a guerra antiterrorista dela decorrente fincou mais um marco do longo processo de declínio ocidental. Plinio Corrêa de Oliveira vinha alertando havia décadas que o Islã ressuscitava não com o vigor dos míticos Maomé ou Saladino, mas com o fogo satânico da Revolução gnóstica e igualitária, devoradora dos restos da Cristandade. Essa previsão está se cumprindo hoje diante dos olhos de todos, mas a atualidade do caso afegão convida-nos a aprofundar a esclarecedora percepção do fundador da TFP brasileira.

      Em dezembro de 1979, analisando o processo comunista mundial, Dr. Plinio deduziu racionalmente que na Ásia “o bloco chinês precisará constituir um todo que tenha homogeneidade e fazer no Oriente uma aliança asiática à maneira da União que existe na Europa”. E acrescentou, talvez para surpresa de muitos, que “os ocidentais vão ser levados a apoiar a China, e haverá uma aliança do Ocidente com a China”.

      O presidente Nixon já tinha viajado a Pequim entre 21 e 28 de fevereiro de 1972, abrindo a transferência maciça de capitais e fábricas que tiraria o império maoísta da miséria, construindo seu presente gigantismo. Em 1º de março de 1979 os dois países formalizaram o reconhecimento diplomático mútuo, arguindo temores pela invasão soviética do Afeganistão. Os EUA foram imitados pelos países europeus e asiáticos inseridos na economia de propriedade privada e livre iniciativa.

      O Ocidente em nada precisava da China, pelo contrário, era esta que necessitava em tudo dos ocidentais para se tornar a potência comunista hegemônica universal com a qual Mao Tsé-Tung sonhou, mas não realizou nem na mais mínima medida. “No meu ponto de vista — pregou Mao — seria preciso unificar o mundo […]. A China então poderia se apresentar como ‘centro da revolução mundial’”[1]. Na ótica chinesa, o rival imediato era asiático, ou seja, a Rússia, embora essa rivalidade fosse suspeita, pois a China pregava o comunismo como os soviéticos. O Ocidente fechou os olhos e enriqueceu Pequim, pensando em desequilibrar em seu favor a falsa disputa.

Motivo da debilidade do Ocidente

O vice-chefe do governo provisório talibã, Mawlawi Abdul Salam Hanifi, tão logo tomou posse, visitou o embaixador da China, Wang Yu

      Plinio Corrêa de Oliveira não teve ilusões e anunciou que esse jogo daria “na maior chantagem da História”, pela qual a América do Norte e a Europa, com o apoio da América do Sul, tendo de sobejo os meios para derrubar o monstro comunista, por espírito de diálogo “se posicionariam como cada vez menores e mais amedrontáveis diante do colosso chinês”.

      Acrescentava que o Ocidente carecia do petróleo da região islâmica — considerada também o quintal dos imperialismos chinês e russo, como observou a Associated Press,[2] sobre a qual iam estendendo seus tentáculos. Por isso, Dr. Plinio em 1979 previu que “se tornará indispensável os EUA desembarcarem no Golfo Pérsico e tomarem conta dos poços de petróleo […] porque, do contrário, a navalha do adversário estará na nossa carótida”.

      Acrescentou ainda que “toda essa montagem parte de uma grande mentira na qual o Ocidente ex-cristão afunda há séculos: ele some na noite da debilidade porque não quis aceitar a força da luz que vem de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora”.

      Então, ele anunciava a tragédia de dimensão apocalíptica pela qual o Ocidente afundava diante de imensos Molochs diabólicos — russo ou chinês —, acreditando na mentira da inferioridade da (ex-) civilização cristã em face da grandeza enganosa dos colossos da iniquidade.

      Preparava-se assim — dizia Dr. Plinio — “o castigo mais espetacular da História. A queda da Atlântida numa noite de tempestade ou o próprio Dilúvio não são nada em comparação com isso. Porque no Dilúvio as pessoas morreram, mas não queriam morrer. Hoje há um desejo de acreditar na própria ruína e de correr com as próprias pernas rumo ao caos. A área de civilização que foi o doce Reinado de Jesus Cristo, conduzida pelo demônio, irá praticar, completamente desvairada, o suicídio numa morte histórica”.

Novos tentáculos da China no Afeganistão

Dez dias antes da retirada americana, tropas russas fazem exercícios militares com o Tajiquistão e o Uzbequistão, a 20 quilômetros da fronteira com o Afeganistão

      O atual caso afegão é ilustrativo dessa autodemolição: o vice-chefe do governo provisório talibã, Mawlawi Abdul Salam Hanifi, tão logo tomou posse, visitou o embaixador da China, Wang Yu, e Pequim lhe reiterou o apoio. Quando o último soldado americano partiu, o Partido Comunista Chinês (PCCh) desatou em impropérios contra a democracia americana. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês, Hua Chunying, atacou o estilo de vida americano e objetou sua ação no Afeganistão.[3] Elogiou o regime talibã, que agora estaria “mais sóbrio e racional […] com práticas boas, positivas e pragmáticas”. Em troca, o porta-voz talibã disse à TV chinesa que Pequim cooperará com o novo regime.[4] Em ruas e casas, os fanáticos torturavam e assassinavam opositores.

      O governo talibã se associou ao bloco chinês enquanto ainda se espalhava o vírus proveniente de Wuhan com suspeitas de guerra bacteriológica; Pequim multiplicava provocações militares na fronteira com a Índia, criava bases aeronavais no Mar do Sul da China usurpando ilhas de vizinhos, hostilizando naves de guerra americanas, australianas, filipinas e de outros países, enquanto seus caças violavam o espaço aéreo de Taiwan.

      O Afeganistão é para a China o que os Sudetos anexados foram para Hitler no preâmbulo da II Guerra Mundial, observou um jornal chinês sediado em New York.[5] A ambição hegemônica não se satisfaz com a humilhação americana em território afegão e quer mais. Thomas L. Friedman chegou a supor no The New York Times[6] que a próxima guerra enfrentará os EUA amolecidos, mas ainda poderosos, e a China astuciosa e agressiva. “Não se pode achar que a era da guerra contra o mal terminou em Cabul — escreveu o vice-presidente da TFP americana, John Horvat, autor do best-seller Return to Order —, pelo contrário, ingressamos num período muito mais perigoso da decadência interna moral e religiosa do Ocidente, de seus costumes e de suas instituições”.

Tentáculos russos no Afeganistão

Zamir Kabulov (círculo), representante especial do presidente Putin no Afeganistão, reunido com líderes talibãs na embaixada russa, enquanto estes tomavam a capital

      O tentáculo chinês não foi o único a agir.Sob a administração Trump, os serviços de inteligência americanos constataram que o corpo especial russo Unidade 29155 pagava prêmios aos talibãs ou a criminosos associados para matar soldados ocidentais.[7]O então presidente foi informado e o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca debateu o problema, mas faltou coragem para uma reclamação diplomática. A mesma informação foi posta na mesa do novo presidente, mas Biden nada fez. A agência Reuters registrou a amigável relação dos talibãs com a embaixada russa em Cabul.[8] Zamir Kabulov, representante especial do presidente Putin no Afeganistão, estava “conversando” com os talibãs enquanto estes tomavam a capital. E se disse satisfeito porque a embaixada se sentiu bem protegida pelos fanáticos com os quais “vai elaborar um mecanismo permanente de segurança” tendo em vista sua conduta favorável.

*   *   *

      A patética queda de Cabul nos leva mais uma vez à previsão feita por Plinio Corrêa de Oliveira em 1979 sobre a defecção do Ocidente, a qual ele via agigantar-se como um “acontecimento terrível e, ao mesmo tempo, de grandiosas conotações trágicas em que resplandece o castigo de Deus. Não quiseram ouvir Fátima e tantas outras misericordiosíssimas advertências. A História dirá que [os moles embebidos do relativismo da Revolução anticristã] se deixaram derrotar pelos gnomos que os mataram, e que capitularam porque queriam ser derrotados, pois acreditaram na mentira anticristã que os levou à extinção”.

      Não há então esperança? Sim, contamos com Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças. Mas arguir-se-á: “As pessoas não veem em que estado foi posta a Igreja Católica?” E a resposta brota nos lábios: “Sim, como o Sagrado Corpo de Cristo após os atrozes ferimentos de sua Crucifixão e Morte. Entretanto, Ele ressuscitou, reina nos Céus em pompa e majestade, de onde prepara o reerguimento de Seu Corpo Místico que resplandecerá no Reino de Maria. É hora de apelarmos à Mãe de Deus num gesto supremo de amor e confiança”.


Notas:

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 850, Outubro/2021.

[1]) Jung Chang e Jon Halliday, “Mao”, Gallimard, Paris, 2005, 843 p., págs. 500-501 e 609.

[2]) https://apnews.com/article/34ccb6eaba88a5035d657d8ec58640f7.

[3]) https://www.theepochtimes.com/china-claims-to-offer-real-democracy-in-wake-of-us-defeat-in-afghanistan_3984765.html

[4]) https://www.youtube.com/watch?v=NxQK-TfDBbM

[5]) https://www.theepochtimes.com/afghanistan-in-context-xi-jinping-has-occupied-the-sudetenstan_3979113.html

[6])https://www.nytimes.com/2021/09/07/opinion/china-us-xi-biden.html?action=click&module=Well&pgtype=Homepage&section=OpEd%20Columnists

[7])https://www.nytimes.com/2020/06/26/us/politics/russia-afghanistan-bounties.html

[8]) https://www.reuters.com/world/asia-pacific/russia-will-evacuate-some-embassy-staff-afghanistan-official-2021-08-16/