Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
12 min — há 7 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:46:39 PM
Dezenas de milhares de católicos concentrados no último dia 25 de junho diante da Catedral de Vilnius, capital da Lituânia, assistiram à beatificação de Dom Matulionis, Bispo de Kaisiadorys, herói da resistência ao comunismo e mártir, assassinado em 1962 pela sanha impiedosa dos esbirros da Moscou soviética. A cerimônia da beatificação foi dirigida pelo Cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.
Figura ímpar da Hierarquia católica do pequeno país báltico — o primeiro a se levantar contra o colosso soviético em 1990, ao proclamar a sua tão desejada independência sem apoio algum das potências ocidentais —, o Beato Teófilo Matulionis é modelo de fidelidade à fé e de santa intransigência em face dos inimigos da Igreja.
A Pseudo-Reforma convulsionou os países católicos da Europa, cujas populações tornaram-se majoritariamente protestantes. Por toda a parte as igrejas foram queimadas, demolidas ou transformadas em lugar do culto herético. Na Lituânia, a igreja de Siluva, pequena aldeia ao norte do país, não escapou ao ódio demolidor dos protestantes e foi arrasada.
O seu pároco, contudo, conseguiu esconder os paramentos e os vasos sagrados numa arca, bem como os documentos relativos à propriedade da igreja. Passaram-se os anos e a poeira do esquecimento baixou sobre a memória do povo. Em 1608 já quase ninguém se recordava da igrejinha de Siluva.
Mas, no dia 8 de setembro daquele ano, dá-se um fato extraordinário. O Céu intervém e Nossa Senhora aparece a dois pastorzinhos sobre uma pedra no campo, no mesmo local onde se situava a igreja destruída cerca de meio século antes. dirigindo-se a eles, a Mãe de Deus, muito triste, se queixou: “Este local, onde meu Filho era outrora adorado, transformou-se agora num campo onde pastam vacas e ovelhas”.
Pediu-lhes que rezassem e fizessem penitência para que a Lituânia voltasse ao redil da Santa Igreja. Em certa medida, os rogos de Nossa Senhora em Siluva foram atendidos e a Lituânia voltou a ser de novo católica e profundamente devota da Mãe de Deus. Por isso é chamada “Terra de Maria”. Nem os 123 anos de domínio da Rússia czarista, nem meio século sob o tacão da bota soviética conseguiram extinguir sua fé católica.
O reino unido polaco-lituano foi desmembrado e repartido entre a Áustria, a Prússia e a Rússia. De 1795 a 1917 os russos não pouparam esforços no sentido de “reeducar” a Lituânia: eliminação da Igreja Católica e a introdução da assim chamada “igreja ortodoxa”; substituição da língua lituana pelo russo; troca das autoridades regionais e locais por funcionários de Moscou.
Tais medidas produziriam grande insatisfação popular, expressa nos dois grandes levantamentos de 1830 e 1863, ambos abafados no sangue. Não obstante, a Religião católica permaneceu viva e a moral da Igreja continuou a ser ensinada por sacerdotes que exerciam na clandestinidade o seu ministério.
A língua lituana sobreviveu apenas nos lares, onde era falada e lida em livros introduzidos no país por vendedores ambulantes. A queda do Czar, como consequência da revolução comunista em 1917, favoreceu o movimento em prol da independência da Lituânia. Era o momento propício para ela se desligar de Moscou. O que tornou realidade em fevereiro de 1918, quando foi proclamada a sua independência.
Em agosto de 1939 a Alemanha nazista e a Rússia Soviética assinaram o pacto de não agressão Ribbentrop-Molotov, contendo cláusulas secretas que repartia entre as duas potências áreas de sua influência na Europa do Leste. A Polônia tombava sob o jugo alemão, enquanto a Lituânia, a Letônia e a Estônia tornavam-se “zonas de interesse soviético”.
Nove dias depois da assinatura do Pacto, em 1º de setembro, a Alemanha invadiu a Polônia, enquanto a Rússia, por sua vez, avançou sobre a Finlândia e anexou os países bálticos. Pouco depois a Lituânia seria ocupada por tropas nazistas, quando a Alemanha declarou guerra à Rússia.
Antes mesmo do fim da II Guerra Mundial, a Lituânia foi submetida novamente ao jugo soviético. Dezenas de milhares de lituanos — praticamente toda a elite do país — foram enviados para a Sibéria. E milhares de resistentes se embrenharam nas florestas e morreram combatendo os invasores comunistas. A implacável perseguição religiosa excluiu os católicos da vida pública do país.
A pobreza e a miséria não pouparam senão os membros da Nomenklatura. A espionagem generalizada criou um clima de desconfiança até mesmo no interior das famílias. O descontentamento cresceu. Quando a inconformidade atingiu um auge, a Lituânia se levantou como um só homem e, no dia 11 de março de 1990, proclamou seu desligamento da União Soviética.
Foi nesse contexto histórico — que abrange um período de quase duzentos anos — de resistência, primeiro às tentativas de russificação e depois de bolchevização do país, que Dom Teófilo Matulionis nasceu e viveu, lutou e morreu.
Ele nasceu no dia 22 de junho de 1873 em Kudoriskis, uma aldeia no sul da Lituânia. Frequentou o ginásio russo e estudou no seminário da Arquidiocese de Mohilev, em São Petersburgo. Ordenado sacerdote em 1900, D. Klopotovski, arcebispo metropolita de Mohilev, designou-o para uma paróquia na Letônia. O Pe. Matulionis tornou-se também pároco da igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Bikava.
A partir de novembro de 1910 exerceu o seu múnus como vigário na igreja de Santa Catarina, na prestigiosa Nevsky Prospekt, na antiga capital russa. Alí ele presenciou e sentiu os efeitos dos horrores perpetrados pela revolução comunista de 1917 e a perseguição à Igreja. Em 1918 o arcebispo D. Ropp nomeou-o pároco da igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais além da Porta do Neva.
Em 1922 recrudesce a perseguição à Igreja católica. Lênin urgia o fim da resistência da Igreja a seus decretos e promoveu o confisco de seus bens, a começar pelos templos, que depois deveriam ser alugados aos fiéis. No dia 7 de dezembro de 1922 foi fechada a igreja do Sagrado Coração de Jesus, cujo pároco era o Pe. Matulionis.
Em março do ano seguinte o Pe. Matulionis foi preso, juntamente com outros sacerdotes, processado e condenado a três anos de prisão, dos quais cumpriu dois anos e quinze dias. Em 1929 ele foi secretamente sagrado bispo por D. Anton Malecki para a região de São Petersburgo, tendo por missão dirigir a Igreja local.
No mesmo ano foi novamente preso e desterrado para o campo de trabalhos forçados nas ilhas Solovetsky, situadas no Báltico, ao norte da Rússia. Libertado em fins de 1933, por ocasião de uma troca de prisioneiros entre a República Independente da Lituânia e a Rússia soviética, foi recebido apoteoticamente em Kaunas, onde se estabeleceu.
No ano seguinte Dom Matulionis visitou o Vaticano, sendo recebido por Pio XI. Quando ele se ajoelhou diante do Sumo Pontífice para lhe oscular o anel e pedir sua bênção, Pio XI o levantou e, ajoelhou-se diante dele, disse: “O senhor é um mártir. Dê-me primeiramente a sua bênção”.
Em 1943 Pio XII nomeou-o bispo de Kaisiadorys. Apesar das ameaças e intimidações, o intrépido bispo nunca deixou de criticar a perseguição que os regimes nazista e comunista faziam contra a Igreja e a moral católica. Em particular, apontava a dissolução dos costumes, o amor livre e a prática abominável do aborto, crime monstruoso por sacrificar vidas inocentes, além de impedir o crescimento da população.
No ano seguinte, com o recuo das forças de ocupação nazistas, os russos soviéticos se instalaram novamente na Lituânia. Odiado pelos comunistas, Dom Matulionis foi preso pela terceira vez e enviado para o cárcere de Vladimir. Posteriormente deportaram-no para a Sibéria, onde trabalhou nos pântanos, arrastando troncos para a construção de estradas.
Com a saúde deteriorada, sua libertação ocorreu somente 10 anos depois, em abril de 1956. Retornando à Lituânia, Dom Matulionis não pôde contudo exercer seu múnus episcopal, pois foi proibido de residir em sua diocese. Próximo aos limites desta, na cidade termal de Birstonas, teve que viver em prisão domiciliar, sendo vigiado pelo serviço secreto russo.
Dom Teófilo Matulionis passou 16 anos encarcerado nas enxovias soviéticas e perseguido a vida inteira pelos comunistas. Abateram-se sobre ele sofrimentos de toda espécie, físicos e morais. Calúnias e insultos, doenças e fome nas prisões. Entretanto, o que mais lhe atormentou ao longo das intérminas perseguições de que foi objeto não foi a violência física, mas a profunda dor moral e espiritual pelos contínuos entraves ao seu apostolado visando arrancar almas do pecado e conquistá-las para o Céu.
Mesmo antes de ouvir falar das aparições de Nossa Senhora em Fátima e de conhecer-lhe a Mensagem, o sentido de seu apostolado era consoante com os pedidos da “Virgem mais branca que o sol”. Fustigava o pecado do aborto, a prática do amor livre, o abandono quase geral da observância dos Mandamentos. Pregava incansavelmente a necessidade da conversão e da penitência, estimulava a devoção aos Sagrados Coração de Jesus e de Maria e tinha o foco de sua atenção voltado para a conversão da Rússia.
Em fevereiro de 1962 foi-lhe concedido o título pessoal de Arcebispo. Os últimos meses da vida de Dom Matulionis transcorreram na casa paroquial de Seduva, ao norte do país. Foi ali que agentes comunistas o espancaram barbaramente na véspera de sua morte, causada por uma injeção letal aplicada depois por uma enfermeira da KGB.
Morto “in odium fidei”, Dom Matulionis é o primeiro mártir do regime soviético a ser elevado à honra dos altares.
“No decurso de toda a minha existência, poucas foram as fisionomias que encontrei tão profundas e tão lúcidas, e ao mesmo tempo tão impregnadas de bondade”
Prefaciando a edição brasileira do livro do Pe. Pranas Gaida, Dom Teófilo Matulionis – Bispo, prisioneiro e mártir do comunismo(Artpress, São Paulo, 1991 — publicado por iniciativa do Revmo. Pe. Pranas Gavenas, SDB), Plinio Corrêa de Oliveira comenta assim a figura desse grande herói da Fé:
“Sempre me pareceu algum tanto desordenado — salvo circunstâncias muito especiais — ver antes as fotos que ilustram uma obra, e só depois lhe ler o texto. Entretanto, foi precisamente o que fiz, logo que tive em mãos o livro do Pe. Pranas Gaida. Deitei os olhos sobre a capa e me deparei com uma fotografia do grande bispo lituano. E, de imediato, sua fisionomia me causou profunda impressão.
Realmente, no decurso de toda a minha existência, poucas foram as fisionomias que encontrei tão profundas e tão lúcidas, e ao mesmo tempo tão impregnadas de bondade, quanto a do falecido bispo de Kaisiadorys, na Lituânia. Passei, então, com avidez, à leitura do texto conciso, denso e atraente da narração de sua vida. No início, dois sentimentos me dividiam. Um era o desejo de conhecer pelo menos os principais lances da história de Dom Matulionis, ao longo dos quais lhe fora dado formar sua nobre e resoluta personalidade. O outro era o receio de encontrar no livro algo que, de leve embora, deslustrasse, por pouco que fosse, sua insigne personalidade. Porém, antes de chegar ao termo da narração de sua dura e heroica existência, já não temi encontrar qualquer decepção.
Pois não tardei em me certificar de que a alma do grande bispo e mártir era feita de uma só peça. E que, assim, ou se mantinha de pé em meio ao fragor de todas as lutas, ou, se cambaleasse e viesse a perder o equilíbrio, cairia inteira ao chão. E se me tornara a cada passo mais provável que Dom Matulionis conservara sua alma íntegra e pura até o glorioso dia em que, atendendo ao chamado de Deus, se evolou desta Terra para o Céu.
O bispo-mártir me faz lembrar o célebre dístico que glorifica a Santa Cruz na qual o Filho de Deus, com o seu sacrifício redentor, abriu para os homens as portas do Céu: Stat Crux dum volvitur orbis. Enquanto a Terra gira sem cessar, a cruz se ergue imóvel.
Esse dístico lembra a vida de verdadeiro Pastor, de Dom Matulionis. E enquanto em torno dele e de sua atuação, de sua diocese e de sua pátria queridas, nos acontecimentos do cenário político internacional o nazismo e o comunismo dançavam incessantemente sua farândola criminosa e macabra, Dom Matulionis se mantinha altaneiro e sempre fiel à Igreja de Cristo, cuja Santa Cruz sua destra empunhou e levantou bem alto, desde os primeiros passos da vida até os últimos.
Como seminarista, depois pároco e por fim bispo — quer sob o regime czarista, quer depois sob a férula cruel do regime comunista que o perseguiu sem tréguas nem compaixão e o arrastou mais de uma vez ao cárcere, quer nos esplendores dos templos e da liturgia católica, quer enfim na magnificência dos Paços apostólicos do Vaticano, nos quais visitou o Papa Pio XI, então reinante —, Dom Matulionis foi sempre o mesmo. Como o mesmo continua nos páramos celestes em que, aos pés da Santíssima Virgem e de seu Divino Filho, estará rezando pelos compatriotas existentes na Lituânia ou esparsos pelo mundo.”
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