Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 3 anos — Atualizado em: 9/15/2021, 6:06:12 AM
Os norte-americanos não fugirão da dor. Em 17 de agosto último postei no meu blog artigo intitulado “Saturação funesta”, análise primeira, no calor dos fatos, da retirada norte-americana do Afeganistão (está na rede). Nele afirmava eu no primeiro parágrafo para deixar bem claro: “Provocada pelo cansaço, a retirada vergonhosa dos Estados Unidos do Afeganistão significou a derrota do forte sonhador pelo fraco fanatizado. Um calafrio de insegurança percorreu de alto a baixo a coluna vertebral de todos os aliados dos Estados Unidos na região. A opinião pública dos Estados Unidos, no geral, cansou-se da guerra do Afeganistão. Bateu o desalento. Não aceita mais sacrifícios. Em especial, os contribuintes, que lá enterraram cerca de 2 trilhões de dólares. Tudo isso estrila nos ouvidos da classe política. Lamento supor, desejaria que acontecesse o contrário, mas os norte-americanos não fugirão da dor. Não vai demorar, despencarão multiplicados os sacrifícios sobre o povo dos Estados Unidos em decorrência da presente atitude do governo de Washington. De passagem, o maior e mais importante campo de batalha de momento e nos meses futuros não estará no Afeganistão, mas no interior da opinião pública norte-americana. Ali se estará decidindo em larga medida o futuro próximo do povo afegão. E até dos aliados dos Estados Unidos, se não da própria nação do norte.”
Despencarão multiplicados os sacrifícios. Errei feio no prazo que estimava, em parte por otimismo, acho. E houve gente que achou meu texto um pouco pessimista. É, a vida ensina. Imaginava que os sacrifícios prenunciados viriam, mas pensava que não eram iminentes. Precisavam ser imediatos? Foram e o fato soa como aviso. Em 26 de agosto, antes da evacuação completa das tropas, marcada para cinco dias depois, atentado monstruoso próximo ao aeroporto esbofeteou os Estados Unidos.
Valhacouto de celerados. Vamos adiante. No artigo citado, escrevi: “O Afeganistão será de novo santuário de organizações terroristas que ali se prepararão para atacar países do Ocidente”. Santuário é palavra adequada, digamos, quase um eufemismo, ainda que seja corrente a palavra entre jornalistas com a acepção de lugar de refúgio onde o fugitivo não pode ser alcançado. Para o caso afegão seria melhor, pois mais próximo do real, empregar valhacouto de celerados. O Afeganistão está hoje lotado de organizações terroristas que se aliam, brigam entre si, preparam atentados, roubam, sequestram, vendem ópio, cobram “pedágios”, enganam e despertam ilusões lá e fora de lá. Parte delas, motivos religiosos e étnicos, ainda recebe doações provenientes de países do Golfo. É o para nós misterioso mundo das seitas muçulmanas. Entre tais organizações terroristas se alteia o ISIS-K (Estado Islâmico no Khorasan, braço do antigo Estado Islâmico, mais precisamente, em inglês, Islamic Stateo fIraq and Syria – Khorasan). Tem, e é natural, as doutrinas e métodos do Estado Islâmico que anos atrás atormentou populações enormes em parte da Síria e do Iraque e do qual hoje, derrotado militarmente, os militantes se abrigam no Afeganistão. Ninguém sabe à vera, com objetividade, como estão as relações do ISIS-K com os talibãs — se boas, ruins, aliados de ocasião, se o grupo tem permissão ou não dos talibãs para perpetrar atentados. Quando muito, suposições plausíveis é do que se dispõe. E agora o fato novo, o atentado.
Atentado nas imediações do aeroporto. O ISIS-K por meio de um homem-bomba realizou atentado nas proximidades do aeroporto de Cabul, matando (até o momento em que escrevo), 14 militares norte-americanos, ferindo 18, assassinando no total mais de 170 pessoas, entre as quais crianças e mulheres. O atentado provocou o maior número de baixas para as forças dos Estados Unidos desde 2011, quando 31 militares morreram em queda de helicóptero. O crime pavoroso, pelo caráter prenunciativo e desafiante, caracterizando nova derrota na política exterior do governo Biden, abriu feridas. Deixou claro, uma vez mais, que a evacuação se dá em ambiente convulsionado, inseguro e de provocação acintosa à maior potência militar do planeta, que parece não ter condições de proteger nem seus próprios homens. O norte-americano médio, empurrado pela lógica, fica diante da encruzilhada: derrotismo ou reação. Cabeça erguida ou cabeça abaixada e envergonhada.
Palavras melancólicas. O presidente Joe Biden reagiu com discurso duro, embora melancólico. Não prometeu contra-atacar e vencer, não acenou com vitória, não mostrou determinação de acabar com o terrorismo no Afeganistão. Assegurou uma coisa, continuar fazendo a retirada em curso de maneira ordeira e segura: “Estes membros das forças armadas entregaram suas vidas. Foram heróis. Heróis que se engajaram em uma missão perigosa e altruísta para salvar a vida de outros. São parte de um esforço de transporte aéreo e de evacuação. As vidas que perdemos hoje são vidas entregues para o serviço da liberdade, dos outros e dos Estados Unidos. Aviso aos que perpetraram este ataque: não perdoaremos, não esqueceremos, vamos caçá-los e pagarão. Os terroristas não nos deterão. Não interromperão nossa missão. Continuaremos a evacuação.” Soou aquém do necessário.
Impacto na opinião pública dos Estados Unidos. Dizia acima, o cenário mais importante da crise afegã não está no Afeganistão, é a opinião pública nos Estados Unidos. Ali se decidirá o caso. Pela primeira vez na administração Biden, o número dos que aprovavam o presidente (46,9%) passou a ser menor do que a porcentagem dos que o reprovavam (49,1%). Prestígio caindo. Pode ser que os norte-americanos estejam em número crescente desagradados com os rumos da política externa. Não há como negar, foram chocantes a fraqueza, a indecisão e a desorientação manifestadas pelo governo nos últimos acontecimentos. A saudável reação do público, talvez já se expressando nos índices de reprovação, é um raio de esperança. Para os afegãos. Para os Estados Unidos. Para nós.
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