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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Eleições sem a furiosa esquerdista


Banda de musica

Não é nenhuma novidade comparar o cenário político a um teatro, em que cada espécime da troupe representa um papel para o qual foi designado e atua de acordo com o script. Alguns que não gostam de palhaços, animais amestrados e malabaristas identificam esse espetáculo com um circo. Outros preferem a imagem de uma orquestra, com o maestro dando as ordens, o spala sinalizando o tom, os instrumentistas no sobe-desce das suas intervenções, o coro traduzindo sons em palavras.

A sala de concertos prevê todas as condições para evitar protestos e manifestações durante a apresentação, e o respeitável público se limita a caras contrafeitas, grunhidos e movimentos inquietos nas poltronas, quando nota que o espetáculo não convence. Deixa para manifestar no final seu agrado ou desagrado, num plebiscito escrutinado por quota maior ou menor de aplausos.

Mas acho que a atividade política deste nosso Pindorama parece identificar-se mais com uma furiosa. O leitor certamente sabe o que na linguagem informal se conhece como furiosa: aquela simpática bandinha de música, infelizmente em processo de extinção, que já foi a alegria de quase todas as cidades pequenas e grandes. A retreta por ocasião de festas e solenidades era obrigatória. Entre os instrumentistas havia sempre um vizinho, parente ou conhecido, e o espectador procurava observar como ele se saía, para depois tirar uma “casquinha” ou manifestar sua admiração. O som volumoso da furiosa repercutia ao longe, mexia com todos, ninguém lhe era indiferente.

Dosadas e distribuídas ao longo das músicas, as intervenções dos diversos instrumentos iam produzindo em conjunto os seus efeitos sonoros e psicológicos. Tristes ou alegres, estridentes ou discretos, agudos ou graves, cada um se manifestando mais intensamente ou menos, ou então se calando, conforme a impressão que a música devia provocar. O som cristalino do clarim, cantando vitória ou convocando para atos heroicos; o vozeirão profundo e conservador do contrabaixo, opondo-se a aventuras radicais; a vibração difusa do tarol, invasiva e persistente como um boato; flautas e flautins para imprimir alegria juvenil; a voz peremptória e autoritária dos pratos, tentando impor disciplina com base no “pare com isso!”. Trompa, oboé, bombardino, saxofone, cada um contribuindo para a charanga com sua mensagem própria. E também a pancada monótona e compassada do bumbo, impondo seu ritmo indiscutível. Tudo ordenado para o gran finale, quando cantam vitória em uníssono.

O diretor do espetáculo escolhe o que é mais adequado às circunstâncias. Ora lança cantilenas de paz e amor, para disfarçar alguma carranca rubicunda; entoa um hino patriótico, quando em litígio com jornalistas ou rebeldes de várias categorias; ataca de Capitão Caçulo, se quer provocar entusiasmo; descola um passo doble – olé! – quando em vantagem numa disputa; solta o Cisne Branco, se precisa pacificar a galera; apela a Saudades de Matão, se o público não gosta do que seus cupinchas estão fazendo; o Peixe Vivo pode servir, quando as críticas vêm dos próprios camaradas.

Em busca de aplausos do respeitável público, o coreógrafo pode entoar uma discutível melhora dos índices econômicos. Mas a grande maioria não entende de PIB, balança comercial, cotação do dólar, taxa de crescimento, e quer apenas ouvir harmonias bem mais simples: cadê o meu emprego? Onde eu vou vacinar os meus filhos? E a escola que me prometeram? Quem me protege contra ladrões e assassinos?

A coreografia dos meses recentes fugiu dessas preocupações mesquinhas, pois não tinha resultados para mostrar. E como estão sendo os aplausos? Decepcionantes, ao contrário do que faz crer o malabarismo interpretativo do coreógrafo. Jornalistas que não se limitam a copiar o script do coreógrafo classificam a descida da serra, na economia nacional, como indisfarçável e retumbante catástrofe.

Interessados em arrancar estrondosos aplausos na próxima exibição, os organizadores do espetáculo devem estar contabilizando as estatísticas, lambendo as feridas e procurando ensaiar melhor. Tarefa difícil, talvez impossível. Como conseguir harmonia onde todos desafinam e chamam os outros de desafinados? Onde instrumentistas querem executar partituras diferentes? E a partitura, se é que ela existe, será aquela que o respeitável público deseja? Não haverá alguns instrumentos atrapalhando o conjunto? Ou serão todos os instrumentos?

Examinemos o caso do bumbo. Ah, esse pesado marcador de ritmo deveria estar em todo o repertório, porque… bem, porque tem de marcar o ritmo, que inclui Reforma Agrária, ambientalismo radical, justiça social, invasões, igualdade, sustentabilidade – toda a cantilena comunista. Sem falar em greves turbulentas, índios pintados e vestidos a caráter, quilombolas que nem sabem o que é isso. Vozes altissonantes foram silenciadas, obedientes a um comando, pois tudo indica que o efeito delas é indesejável. No fundo, essa cantilena não agrada ao distinto público. As pessoas ouvem, não gostam e se calam. Mas aguardam o momento adequado para manifestar seu desacordo: a hora das eleições.

O diretor do espetáculo sabe disso, e resolve o problema de modo muito simples: silencia o bumbo na hora das eleições. Por exemplo, o leitor tem ouvido a música – desculpe: a estridência – do MST nos meses que precedem as eleições? Sumiu, evaporou-se, deu uma de morto. Por quê? Porque o som estridente e ameaçador das suas foices, facões e bandeiras vermelhas seria prejudicial em momento mais adequado a uma lânguida valsinha. Se o Brasil profundo gostasse do bumbo e da estridência, o coreógrafo não precisaria escondê-lo, o maestro não teria de apelar para a valsinha.

Apesar de toda a cautela em esconder o bumbo, apesar de bem ensaiada a valsinha, o resultado das eleições será decepcionante para o diretor do espetáculo. Aprenderá ele a lição? Não creio. Daqui a pouco, toda a pancadaria do bumbo recomeçará, contrariando as advertências do contrabaixo. Deixará no respeitável público a sua lembrança, que de novo pesará negativamente nas eleições seguintes. E poderá conduzir a um decepcionante gran finale, ao qual se seguirão palmas ainda mais minguadas, que de fato significam derrota.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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