Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 10 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:51:54 PM
Régine Pernoud (*)
Ao se abordar a Idade Média, uma mudança de método impõe-se: a história da unidade francesa é a da linhagem capetiana; a conquista da Sicília é a história dos descendentes de uma família normanda, demasiado numerosa para o seu patrimônio.
Para compreender bem a Idade Média, é preciso vê-la na sua continuidade, no seu conjunto. Talvez por isso ela é muito menos conhecida e muito mais difícil de estudar do que o período antigo, porque é necessário apreendê-la na sua complexidade, segui-la na continuidade do tempo, através dessas cortes que são a sua trama.
E é preciso fazê-lo não apenas em relação às que deixaram um nome pelo brilho dos seus feitos ou pela importância do seu domínio, mas também nas gentes mais humildes das cidades e dos campos, que é preciso conhecer na sua vida familiar se quisermos dar conta do que foi a sociedade medieval.
Isto se explica, pois durante esse período de perturbações e de decomposição total, que foi a Alta Idade Média, a única fonte de unidade, a única força que permaneceu viva foi precisamente o núcleo familiar, a partir do qual se constituiu pouco a pouco a unidade francesa.
A família e a sua base fundiária foram assim, devido às circunstâncias, o ponto de partida da nossa nação.
Esta importância dada à família traduz-se por uma preponderância, muito marcada na Idade Média, da vida privada sobre a vida pública.
Em Roma, um homem só tem valor enquanto exerce os seus direitos de cidadão, enquanto vota, delibera e participa nos negócios do Estado.
As lutas da plebe para obter o direito de ser representada por um tribuno são, a este nível, bastante significativas.
Na Idade Média, raramente se trata de negócios públicos. Ou melhor, estes tomam logo o aspecto de uma administração familiar, são contas de domínio, regulamentos de rendeiros e de proprietários.
Mesmo quando os burgueses reclamam direitos políticos, no momento da formação das comunas, é para poderem exercer livremente o seu ofício e não serem mais incomodados pelas portagens e pelos direitos de alfândega.
A atividade política, em si, não apresenta interesse para eles. De resto, a vida rural é então infinitamente mais ativa que a vida urbana, e tanto numa como noutra é a família, não o indivíduo, que prevalece como unidade social.
Tal como se apresenta no século X, a sociedade assim compreendida tem como traço essencial a noção de solidariedade familiar saída dos costumes bárbaros, germânicos ou nórdicos.
A família é considerada como um corpo em cujos membros circula um mesmo sangue, ou como um mundo reduzido, desempenhando cada ser o seu papel com a consciência de fazer parte de um todo.
A união não repousa, como na antiguidade romana, sobre a concepção estatista da autoridade do seu chefe.
Repousa sim sobre esse fato de ordem biológica e moral, de acordo com o qual todos os indivíduos que compõem uma mesma família estão unidos pela carne e pelo sangue, por interesses solidários, e nada é mais respeitável do que a afeição que naturalmente anima uns para com os outros.
Tem-se muito vivo o sentido desse caráter comum dos seres de uma mesma família.
Aqueles que vivem sob um mesmo teto, que cultivam o mesmo campo e se aquecem no mesmo fogo — ou, para usar a linguagem do tempo, os que participam do mesmo “pão e pote”, ou que “comer da mesma gamela”, “que cortam a mesma côdea” — sabem que podem contar uns com os outros, que o apoio da sua corte não lhes faltará.
O espírito de grupo é, com efeito, mais potente aqui do que poderia ser em qualquer outro agrupamento, já que se funda sobre os laços inegáveis do parentesco pelo sangue e se apóia sobre uma comunidade de interesses não menos visível e evidente.
Étienne de Fougères protesta no seu Livre des manières [Livro de boas maneiras] contra o nepotismo dos bispos. Todavia, reconhece que estes fariam bem em rodear-se dos seus parentes, “se estão de boas relações”, pois nunca podemos ter certeza da fidelidade dos estranhos, diz ele, enquanto pelo menos os nossos não nos faltarão.
Partilham-se portanto as alegrias e os sofrimentos. Recolhem-se em casa os filhos daqueles que morreram ou estão em dificuldades, e todas as pessoas de uma mesma casa se agitam para desagravar a injúria feita a um dos seus membros.
O direito de guerra privada, reconhecido durante grande parte da Idade Média, é apenas a expressão da solidariedade familiar, e correspondia inicialmente a uma necessidade.
Quando da fraqueza do poder central, para o defender-se o indivíduo só podia contar com a ajuda da sua corte, e sem ela ficaria sozinho, entregue durante toda a época das invasões a perigos e misérias de toda espécie.
Para viver, era preciso enfrentar, agrupar-se. E que grupo valeria mais que uma família resolutamente unida?
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