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11 min — há 3 anos
Alguns traços biográficos do bem-aventurado Angélico:
“Guido di Pietro nasceu por volta de 1387, em Florença. Aos 20 anos, tendo ouvido, numa noite de Natal, um sermão do grande dominicano Fra Giovanni, decidiu ingressar entre os Pregadores, tendo sido admitido como noviço no convento de São Domenico, de Fiesole. O jovem já demonstrava grande aptidão artística, mas julgou dever sacrificá-la a Deus. Seus irmãos de hábito dissuadiram-no da idéia, encorajando-o a desenvolver seus dons. Para isso, o prior ordenou logo que ornasse os livros de hora da biblioteca conventual. Sua vida, inicialmente tranqüila, foi alterada cerca de três vezes por mudanças de convento.
“Na primeira ocasião, por motivo do Cisma do Ocidente, pois o superior de Fiesole, o beato Jean Dominici [Giovanni di Domenico] não aceitava o papa que a república de Florença admitira. Essas mudanças, contudo, contribuíram para o enriquecimento espiritual e artístico de Fra Giovanni, principalmente o período passado em Foligno, perto de Assis, que o santo frade visitava com freqüência. Como bom dominicano, tinha um grande entusiasmo pela obra de São Tomás de Aquino; conhecia perfeitamente esta obra, com ela nutria sua piedade e sobre ela, inconscientemente, lançava os fundamentos de sua obra futura. Era na Suma Teológica que descobria sua nova razão de viver e seu ideal estético.
“É preciso três dons para a beleza, dizia Santo Tomás: em primeiro lugar, a integridade e a perfeição, pois as coisas inacabadas, como tais são deformadas; depois, é preciso uma proporção e harmonia entre as partes. Enfim, a clareza e o esplendor. Consideramos como belas as coisas de cores claras e brilhantes. E Fra Giovanni fez desta lei sua regra de ouro. Em 1418, os dominicanos de Fiesole voltam ao seu convento e o santo frade entrega-se agora, cheio de satisfação, à sua arte. Sua primeira grande obra foi um quadro destinado à Cartuxa de Florença; seguem-se outras, cada vez mais numerosas. Os monges, cheios de admiração. ‘Fra Giovanni não pinta, ele reza’, diz um deles.
“Sua arte com efeito era cântico, prece. Jamais tomava seus pincéis sem invocar o Todo Poderoso e é em estado de graça que ele colocava seus anjos nos jardins floridos do Céu. Seus anjos eram tão belos e tão puros que sua música se difundia em notas cristalinas sobre as arcadas do convento, enquanto ele lhes dava vida. Era então que, de tempos em tempos, um velho frade abria a porta da cela do pintor, olhava maravilhado e voltava sem ruído, escondido em seu capuz. Foi esse admirador discreto e esquecido que lhe deu o nome de glória: o de Angélico. Um único religioso, antes dele, fora digno de usá-lo: São Tomás, seu guia e mestre. A partir desse dia, Fra Angélico só teve um cuidado na terra: merecer o epíteto ‘divino’ e tornar-se o ‘Santo Tomás’ da pintura.
Em 1435, Fra Angélico foi encarregado de pintar os afrescos do velho Convento de São Marcos, em Florença. Entregou-se de corpo e alma ao trabalho e, todos os dias, antes da aurora, um espetáculo tornou-se familiar aos monges de São Marcos: de pé sobre um andaime que o fazia tocar o teto da estreita cela, um curioso penitente recitava seu Rosário: Fra Angélico rezava antes de começar a pintura. Ajoelhados no solo, dois jovens monges imploravam também. Três pobres lâmpadas a óleo iluminavam a cena, fazendo tremer as sombras e brilhar as tonsuras. Depois, o pincel do Angélico, que se dizia feitos com cabelos de anjos, começava a correr e a colorir. Seu azul era inigualável. “Pinto como o céu do Paraíso”, costumava dizer sorrindo. Fra Giovanni obteve em Roma a estima e a amizade do Santo Padre. Um dia, este o julgou digno do Arcebispado de Florença, que estava vago. Mas o Angélico suplicou ao Papa que designasse em seu lugar um dos irmãos de sua ordem, seu amigo, religioso cheio de ciência e humildade. E foi assim que Fra Angélico nomeou um arcebispo que seria canonizado cem anos mais tarde, Santo Antonino, que combateu tenazmente a Renascença…
“O humilde religioso, que se tornara um dos artistas mais célebres do seu tempo, ainda estava em Roma quando a última doença veio surpreendê-lo no convento dos Frades Pregadores de Santa Maria Sopraminerva. À tarde do dia 18 de fevereiro de 1485, o mosteiro estava envolvido por um silêncio cortante. Cada religioso esperava, seja em sua cela, seja no coro o instante em que o sino soaria para anunciar o último suspiro de Fra Angélico. Às 8 horas, o breve e doloroso sinal tocou. Em alguns minutos, a cela e o corredor encheram-se de monges ajoelhados. A melodia da Salve Regina elevou-se no silêncio, enquanto o rosto de Fra Giovanni se iluminava com um calmo sorriso. A lenda conta que, neste momento, uma lágrima deslizou sobre a face de todos os anjos de seus quadros, esses anjos que ele pintou, sem saber que traria a auréola de seu inimitável gênio e de sua santidade.”
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É uma lindíssima ficha bibliográfica, porque é uma lindíssima bibliografia. Tornou-se difícil até selecionar algum aspecto para fazer um comentário dessa vida.
Antes de tudo, é bonito notar um dos princípios da Civilização Católica que aqui se afirma e é um princípio da reversibilidade dos planos. Toda forma de ordem, de beleza, de virtude que existe num plano, é susceptível de ser revertida num outro plano. Por causa disso, se houve um Tomás de Aquino na ordem da filosofia e da metafísica, deve haver um Tomás de Aquino na ordem da pintura, como deve haver um outro na ordem da música e em todas as outras ordens. Isto por causa de um princípio, que é o princípio monárquico do universo, de que todos os talentos devem se reduzir ou sublimar em um talento supremo; que todas as obras devem encontrar seu ponto de encaixe em uma obra suprema e que, portanto, deve haver supremos em todas as ordens e direções. E supremos cuja supremacia obedece aos mesmos princípios que estão nas ordens do ser. O ser, enquanto tal, tem propriedades e obedece a certas regras que não são senão um desdobramento dos princípios que lhe são inerentes. Por causa disso, a regra da pintura, da música, da arte, de dirigir os povos, enfim tudo o mais é aplicação dos mesmos princípios gerais a vários campos diferentes.
De maneira tal que, tendo nós supra-sumos de homens em cada campo, utilizando as mesmas regras conhecidas até ao fundo e assimiladas à sua personalidade, aplicando-as em seu respectivo campo, temos então que toda vida humana forma uma harmonia maravilhosa, em que os mesmos princípios fundamentais se revertem e se explicam uns pelos outros e constitui aquela totalidade que, com certeza, formará o Reino de Maria.
Quando, então, se entrar numa catedral, nela se verá a expressão da ordem política, econômica e social vigentes. Nela se ouvirá uma música que é a melodização da catedral e da ordem política, econômica e social então vigentes. Quando se desenrolar a liturgia, esta terá a pompa que torna extrínseca a ordem interna da Igreja Católica. Mas como a ordem temporal verdadeira não é senão uma projeção, na ordem inferior própria, dos princípios da ordem superior espiritual da Igreja Católica, então isso, por sua vez, vai produzir outra harmonia. E o homem viverá inundado de harmonias e não de contradições berrantes. De harmonias que formarão uma espécie de imensa sinfonia de harmonias, cujo ponto de unidade nos fala continuamente de Deus.
Temos aqui São Tomás de Aquino e o Beato Angélico. A ficha observa muito bem, um e outro chamados “Angélicos”: o “Doutor Angélico” e o “Pintor Angélico”. Se pelo mais negro crime da História – depois da traição de Judas – a Idade Média não tivesse sido trucidada prematuramente, teríamos tido esses “Angélicos” em vários terrenos. Tivemos o “guerreiro angélico” com São Luís IX e São Fernando de Castela.
Teríamos, assim, uma porção de outras coisas nessa linha angélica. Teríamos uma ordem angélica, coerente, luminosa, sobrenatural, profundamente lógica, que seria, então, a ordem da Civilização Cristã e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Daí, uma ordem mais própria para Anjos do que para homens em que estes últimos seriam encaminhados por aqueles ao Paraíso.
O que há por detrás disso? Algo que é preciso mencionar, que não diz respeito diretamente à obra de Fra Angélico, mas que esta é uma fulguração. E o que há de melhor na obra de Fra Angélico como também na obra de São Tomás de Aquino é a virtude da sabedoria. Essa virtude arquitetônica por onde o homem apetece como supremo bem – já nesta existência – essa coerência, essa profunda harmonia interior das coisas, muito mais do que qualquer refrigerantezinho ou máquinas para fazer asneiras… Primeiro porque sua natureza encontra sua plena expansão nessa harmonia, mas em segundo lugar – e esta é a razão mais alta – porque essa harmonia, no fundo, diz algo, uma palavra inefável, total, que é o melhor símbolo de Deus. Deus se simboliza nesta harmonia de todas as coisas. E quem ama essa harmonia de todas as coisas, ama o símbolo de Deus, ou seja, ama o próprio Deus.
É um pouco como quem olhando para nosso leão, ama o Grupo. Esse leão nos exprime. E quem ama aquele leão, ama algo da alma que é uma das facetas características nossas, sem as quais nós não seríamos nós. Assim como um leão pode exprimir um movimento, a fortiori, o universo inteiro pode exprimir Deus Nosso Senhor. E nesta suprema harmonia, há exatamente uma expressão de Deus, que não é a visão beatífica, mas é um antegozo dela. E quem ama isto, fica com a alma preparada para amar a visão beatífica.
Não pensem que essa harmonia é igualitária. É uma harmonia monárquica, que tem seu ponto central no sublime, no mais alto, que se encaixa num ponto supremo da ordem criada, do qual depois todas as harmonias derivam.
Qual é essa harmonia? No que ela melhor se manifestou? Na ordem meramente criada, em Nossa Senhora. Entre as meras criaturas, Ela não é somente a mais perfeita, mas dentro dessa concepção que estamos considerando, o mais perfeito não é apenas o primeiro inter pares, mas é aquele que contém em si a perfeição de todos os outros perfeitos que estão em baixo.
De maneira que todos os perfeitos que estão em gamas sucessivas em baixo, são por ele capituladas, compendiadas e contidas. Nossa Senhora tinha em si todas as formas e todos os graus de perfeição de todas as meras criaturas, compendiadas nEla e nEla elevadas a um grau de sublimidade que não tinha paralelo com nenhuma outra criatura. Ela não era, portanto, a síntese de tudo aquilo, mas era a síntese posta num estado de sublimidade que deixava fora de qualquer paralelo todas as coisas que vinham embaixo. Quer dizer, entre Ela e nós não há um abismo, mas uma série insondável de abismos insondáveis, de tal maneira Ela é a mais perfeita de tudo isto junto.
Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua humanidade santíssima, era mais do que Ela. Então, a perfeição de todas as perfeições tinha que ser forçosamente a Sagrada Face de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por que? Pelo olhar e pela fisionomia espelhava todas as formas e graus de perfeições de alma possíveis no homem, mais algo de divino, portanto, algo de inefável.
Por outro lado, Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo perfeito, o que Ele deveria ter de mais perfeito era a face, que era a condensação de todas as perfeições do corpo. Estou certo de que se alguém conseguisse conhecer essa Face mesmo como era – não depois de um tal ou qual desfiguramento da tortura da Paixão – compreenderia que as proporções de seus traços tinham que conter todas as regras de harmonias do universo. Estudando-se a Sagrada Face, tinha-se que conseguir conhecer toda a beleza do universo; decifrava-se a beleza do universo e a ordem do universo pelas proporções… da Sagrada Face.
Da beleza e também de outra coisa que os homens tão raramente encontram reunida à beleza: a graça. Muitas vezes encontram-se formas de beleza mas, em geral, dissociadas da graça. “Graça” aqui entendida no sentido de charme, encanto. Muitas vezes se encontram formas de encanto, mas dissociadas da verdadeira beleza. O que Ele tinha como encanto, como atração…! O encanto que ia desde a majestade mais empolgante e mais incapaz de ser fitada por nós, até a graça preciosa e atraente, mais meiga, mais afável, mais capaz de se fazer pequena e nos acariciar. Tudo isto junto era uma atração e um charme por detrás da beleza perfeita e com a expressão de uma inteligência infinita e de uma santidade transcendente que nos faria ter a idéia do que seria a fisionomia dEle.
No fundo, foi o que Santo Tomás viu e a respeito do que ele meditou; no fundo, foi o que o Beato Angélico viu e que ele cantou por sua vida inteira; no fundo é o que no Reino de Maria se verá. Ver-se-á, através de todas essas harmonias, algo que nos faça pensar na face imaculada, sacratíssima, régia, materna e meiguíssima de Nossa Senhora e na face para a qual não há palavras, em que cessam os adjetivos, em que tudo é silêncio e adoração reverente: a Face de Nosso Senhor Jesus Cristo.
É compreendendo essas harmonias que se prepara para compreender a Sagrada Face e para a visão beatífica por toda a eternidade.”
Plinio Corrêa de Oliveira
557 artigosHomem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".
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