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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Não pactuar com a Revolução — o exemplo de Santo Afonso de Ligório


Tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789

No prólogo de sua completíssima biografia de Santo Afonso de Ligório,[i] o erudito historiador e hagiógrafo francês Padre Berthe [quadro abaixo] debuxa em rápidos traços a situação religiosa na França no início do século XX.

Escrevendoem 1906, referindo-se aos nefastos efeitos da diabólica Revolução Francesa: “Já faz 100 anos que a Revolução ataca aIgreja de Deus com um furor sempre crescente. […] Atualmente ela derruba agolpes de machado todas as instituições cristãs: laiciza a família, a escola, ohospital, a caserna, o cemitério e até a rua, proibida doravante ao Deus feitohomem”.

Pe. Augustin Berthe

Entretanto, após investir contra o altar e o trono, aRevolução de 1789 fez um recuo tático: com a Concordata de Napoleão eparticularmente com a Restauração dos Bourbons em 1814, ela permitiu que asituação religiosa na França de certo modo se recompusesse e a Igreja recomeçassea inspirar a vida pública dos franceses. Contudo, como os revolucionários não estavamdormindo, mas tinham apenas mudado de tática, ganharam amplamente as eleiçõesem 1879 e começaram a trabalhar para acabar coma influência da Igreja sobre oEstado, ainda relativamente forte.

Assim, nesse mesmo ano suprimirama obrigação do repouso dominical, e no ano seguinte interditaram ascongregações religiosas e expulsaram a Companhia de Jesus. Em 1881 secularizaramos cemitérios, até então ligados à Igreja, e em 1882 laicizaram a escolaprimária, tirando-a do âmbito religioso.

Mas isso ainda não satisfazia a sanha dosrevolucionários: em 1884 eles suprimiram as orações públicas na Câmara dosDeputados e restabeleceram o divórcio. No ano seguinte fecharam as Faculdadesde Teologia geridas pelo Estado e laicizaram os hospitais, que até então sob atutela da Igreja. Em 1886 laicizaram o pessoal de ensino nos estabelecimentoslaicos e em 1887 retiraram os símbolos religiosos dos tribunais. Em 1889decretaram a convocação dos seminaristas e clérigos para o serviço militar, e finalmente,em 1904, romperam as relações diplomáticas com a Santa Sé e decretaram aseparação da Igreja e do Estado[ii].

Enquanto os revolucionários demoliam assim toda ainfluência da Igreja na esfera temporal, o que faziam os católicos,majoritários no país? Como foi possível — pergunta o Padre Berthe — “reduzir os católicos a esse estado deescravidão” na outrora Filha Primogênita da Igreja, sem que houvesse umareação proporcional?

Para o ilustre eclesiástico, isso só se deu porqueos católicos em geral se esqueceram de que a Igreja é militante e, portanto,que devem lutar contra o demônio, o mundo e a carne. Mas, sobretudo, porque “a maioria não quis compreender que ocataclismo de 1789 não foi uma revolução comum, mas a Revolução dos povoscontra Deus e contra seu Cristo, a apostasia das nações”.

Eis como o Pe. Berthe descreve a consequência dessaapostasia dos católicos: “Cegosvoluntários, em presença das ruínas que se acumulavam, continuavam a repetir ‘queo mal não é tão grande, que todos os séculos se assemelham, e que os homenssempre foram os mesmos’. Eles dormirão em seu otimismo até o dia em que, com areligião e a moral destruídas, a sociedade desmoronará sob os golpes dosocialismo”.

Mas é preciso citar os “colaboracionistas” — aquelescatólicos “esclarecidos e progressistas”como os há hoje —, “que julgavam que sedevia poupar [a Revolução], aceitando seus princípios, louvando como ela a liberdade,o progresso, a civilização moderna, aconselhando mesmo à Igreja de sereconciliar com o direito novo, de sacrificar suas imunidades, e de se mostrarmenos intransigente em matéria de moral, de ascetismo, de exegese, de história,de tradições”.

É o que sucede também em nossos dias quando, paraadaptar a Igreja ao “espírito do mundo”, se leva tudo de roldão, provocando odesfazimento da vida de família com a avalanche homossexual, a teoria degênero, o aborto etc., tendo como consequência, sobretudo, a terrível crise quedevasta a Santa Igreja.

Continuando com o Padre Berthe, por causa dessacolaboração ou pela falta do espírito de luta, “se nós perdemos bom número de nossas posições, é porque não as quisemosdefender muito vigorosamente. […] Em tempo de guerra, todo homem é soldado;em tempo de perseguição, todo cristão deve dizer como os Macabeus: ‘Antes amorte à apostasia!’”.

Qual é a solução que nos apresenta? A que ele propõeera válida para o início do século XX, mas hoje, por causa da profunda crise naIgreja, precisaria de uma adaptação, a qual exigiria uma nova envergadura paracombater o mal.

Afirma o autor: “Omelhor meio de reanimar nos corações a santa chama do entusiasmo cristão écolocando sob os olhos dos católicos a vida e os combates daqueles que sefizeram cavaleiros de Cristo e de sua Igreja. Nos primeiros séculos, quando osangue corria aos borbotões, liam-se nas assembleias as Atas dos mártires, e oshomens, as mulheres e as crianças, levados pelo exemplo, corriam em busca dosuplício”.

O Padre Berthe apresenta Santo Afonso Maria deLigório [quadro ao lado] como modelopara enfrentar a crise: “Lancemos umsimples golpe de vista sobre sua longa carreira e dar-nos-emos conta dasvitórias que obteremos sobre os inimigos de Deus se soubermos lutar com o mesmoespírito, a mesma coragem, as mesmas armas desse campeão de nossa santa e nobrecausa”.

Ele então sintetiza em poucas linhas o perfil dessegrande santo: “Quando o jovem cavaleironapolitano estava na idade de compreender o que se passava no mundo, três tiposde sectários — os jansenistas, os regalistas e os filósofos — trabalhavam emconcerto para arruinar o catolicismo. Voltaire e Rousseau semeavam por todaparte os princípios da Revolução que oprimem hoje o mundo inteiro. Não tendo nocoração outra paixão senão a de propagar o reino de Jesus Cristo salvando asalmas resgatadas pelo seu sangue, Afonso abandonou seu palácio, seu direito deprimogenitura, suas esperanças de futuro [era famoso advogado no Fórum deNápoles], suspendeu sua espada no altar de Nossa Senhora da Misericórdia eentrou na milícia sagrada, a fim de levar seu socorro ao povo de Deus”.

Continua o Padre Berthe: “Revestido dessa armadura [da penitência], ele empunha o gládio emarcha contra o inimigo. Seu gládio não é o da palavra, como a espuma dosretóricos, mas o gládio do grande Apóstolo, que penetra até a divisão da alma edo espírito e quebra todas as resistências. […] Por toda parte veneram osanto, o taumaturgo, o profeta, porque Deus está visivelmente com ele, a Virgemse digna iluminá-lo com um brilho todo celeste enquanto ele prega ao povo”.

O grande Doutor da Igreja, no entanto, deseja fazerrender todos os talentos que recebeu do Criador. “Ele deseja que todos os cristãos se compenetrem de seu espíritocavalheiresco. Por seus numerosos escritos dirigidos às diversas classes da sociedade,ele se esforça para despertar por toda parte a fé, o amor de Jesus Cristo, ozelo pela salvação das almas. Suas calorosas exortações vão encontrar os bisposem seus palácios, os padres em seus presbitérios, os religiosos e as religiosasem suas celas, os próprios reis em seus tronos”.

Finalmente, conclui o Padre Berthe: “E quando esse grande homem, apóstolo,fundador, bispo, asceta, moralista, apologista, tinha assim, durante meioséculo, sustentado a Igreja e repelido o mundo, Deus lhe pôs sobre os ombros acruz de seu Divino Filho, e o fez subir, durante 20 anos, a montanha doCalvário. […] Crucificado em seu coração até se ver caluniado junto ao Papa eexpulso da Congregação da qual era fundador, ele exclamou: Fiat! Crucificado em sua alma até sentir-seabandonado pelo próprio Deus, ao bordo do inferno, cercado de demônios que oincitavam ao desespero, ele aceita a prova, triunfa de todos seus inimigos emorre sorrindo à Virgem Maria, que vem buscá-lo para conduzi-lo ao Céu. […]Os católicos mais ou menos seduzidos pela ilusão liberal aprenderão do santoDoutor a morrer antes que transigir com a Revolução ou ceder a Satã um só dosdireitos que pertencem a Cristo e à sua Igreja”.


[i]R.P.Berthe,Saint Alphonse de Liguori – 1696 – 1787,Tomo I, Librairie de laSainte Famille, Paris, 1906.

[ii]. Cfr. https://journals.openedition.org/lerhistoria/1370

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Plinio Maria Solimeo

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