Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
8 min — há 10 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:51:12 PM
Antigamente, falar em morador de rua era falar numa situação de extrema miséria, própria a suscitar compaixão. De uns tempos para cá, porém, o conceito mudou. Morar na rua tornou-se não uma necessidade, mas uma opção.
Uma opção que tem seus problemas, é verdade, mas também suas vantagens para os que a escolhem: refeições grátis oferecidas por ONGs e igrejas; privilégios concedidos pelo Poder Público, pois não pagam impostos nem arcam com os inconvenientes da manutenção de uma casa; inviolabilidade de sua situação garantida por lei; não se dedicam a nenhum trabalho fixo (exceção feita, talvez, dos que puxam carrocinhas com material reciclável).
Não ignoramos, é claro, que continuam existindo os que são atirados a essa triste situação por necessidades prementes e involuntárias. Merecem eles toda a nossa comiseração e o nosso auxílio para que possam sair dela. Mas é preciso reconhecer que estes vão se tornando minoria dentre os moradores de rua.
Vários fatores morais contam-se entre as causas dessa “moderna” opção. Entre eles o vício avassalador do uso de drogas, que não se quer deixar por nenhum preço; a embriaguez inveterada, que leva a ficar abraçado à garrafa como parte integrante do próprio ser; o hábito de pequenos (ou grandes) furtos; a preguiça persistente, pela qual o indivíduo (de ambos os sexos) prefere ficar estendido nas calçadas a fazer qualquer esforço de maior monta; e assim outros.
Espalhados por toda parte, ao menos nas grandes cidades, “habitam” entretanto certos pontos de preferência a outros. É o caso, por exemplo, do centro velho de São Paulo, onde é deprimente a paisagem humana que ali se escancara. Corpos estendidos nas ruas, nas praças, dormindo com ou sem coberturas improvisadas, em meio à imundície mais repugnante, à rudeza mais soez, ao esquecimento mais brutal de que possuem uma alma humana que os coloca, ou deveria colocá-los, em situação superior à dos animais.
Até na Avenida Paulista, cartão postal da cidade, já há um morador de rua estabelecido e que não quer ser incomodado (cfr. “O Estado de S. Paulo”, 3-12-14).
Por essa mesma avenida [foto] transito habitualmente, e posso constatar a existência de indivíduos que, se não são diretamente moradores de rua, poder-se-ia talvez qualificá-los de quase tais. Homens e mulheres aparentando ser hippies, afincadamente dedicados, ao que parece, a economizar a água do banho, com roupas esmulambadas, sentados no chão, eles com a barba desgrenhada como os cabelos delas, tendo diante de si um pano estendido, pouco limpo, sobre o qual esparramam colares estranhos, amuletos e bugigangas várias, à espera de que algum passante pare e compre algo.
E são numerosos, especialmente na região próxima à rua Augusta, sendo que alguns deles, sem cerimônia, estendem-se na calçada e dormem a sono solto, sem cuidar de que alguém possa furtar alguma de suas quinquilharias, muito pouco atraentes, as quais eles próprios parecem não ter muito interesse em vender.
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Esse fenômeno dos moradores de rua — ou quase —, por mais que seja aviltante, note o leitor, não é isolado. Ele é o rés do chão, a parte talvez mais aparentemente repulsiva de uma decadência geral do padrão humano no mundo de hoje.
Se permanecer como morador de rua pode chegar a ser, para uma camada da população, uma opção, é porque existe uma outra camada, um pouco superior, que não se propõe a morar nas ruas, mas vive no desleixo de si mesma, nas maneiras cada vez mais vulgares, no vestir-se do modo mais relaxado e tendente ao nudismo, com um vocabulário cada vez mais grosseiro, na imoralidade mais abjeta, e nada disso por pobreza.
E assim sucessivamente, subindo de camada em camada, até as mais altas, poderíamos constatar um rebaixamento geral do padrão civilizatório e cultural. Com as devidas e honrosas exceções, é claro.
Vejam-se, por exemplo, as fotos e gravuras do século XIX ou anteriores, ou mesmo as do início do século XX; a comparação com os modelos humanos atuais se torna gritante.
O bonito agora é, por exemplo, assistir a uma aula na rua, como a proporcionada por Guilherme Boulos, guindado pela imprensa a coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto [foto]. Em 11 de dezembro último ele “lecionou” na praça Roosevelt, centro de São Paulo, propugnando a palavra de ordem do momento: o “direito à cidade” contra “o discurso hipócrita” do direito de propriedade…
Essa “aula pública”, à qual compareceram estudantes de arquitetura, grupos de sem-teto, artistas etc., foi organizada pelo “Coletivo Arrua” (o nome diz tudo), que também convida para festas na rua (cfr. “Portal Ponte”, mantido por conhecidos jornalistas, 11-12-14). O título da reportagem é sintomático da mistura (feita no andar de baixo) que se tem em vista: “Líder dos sem-teto reúne ricos e pobres em ‘aula pública’ no centro de SP”.
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Essa situação tão anormal faz pensar. O que levou a esse deslizamento do padrão humano? Procurar uma resposta para tal indagação interessa a mim, interessa ao leitor e interessa a todos, pois, como dizia o filósofo romano Terêncio (+159 a.C.), “eu sou homem, e nada do que é humano me é estranho”.
Como foi possível que nossa civilização, que se jacta de tão adiantada, tendo alcançado um teor de avanço científico tão protuberante, venha a produzir como um de seus frutos característicos esse rebaixamento generalizado da condição humana? E isso ao contrário de outras épocas, cuja índole foi de procurar elevar a humanidade, quer do ponto de vista espiritual, quer moral ou material.
Apenas para exemplificar, falemos do campo da cultura. Tenha-se em mente a chamada arte moderna com seus rabiscos incompreensíveis; as atuais grafitagens que poluem os muros e paredes de nossas cidades; a “música” constituída de berros e gritos; as danças do pula-pula insano e pornográfico.
No campo da política, onde estão os Churchills, os De Gaulles, os Adenauers? Onde as visões e os planos de grandes estadistas? Política virou quase sinônimo de corrupção, de mediocridade, de possibilidade de galgar cargos e posições.
Na religião, dói-nos dizê-lo, onde estão os Mindszentys, capazes de enfrentar de peito aberto, por amor de Deus, os carrascos comunistas, em lugar de se dobrar covardemente diante deles a pretexto de diálogo? Onde os grandes apóstolos como Santo Inácio de Loyola, os grandes teólogos como Santo Tomás de Aquino? Em lugar deles um irenismo malsão vai dissolvendo num magma nauseabundo todas as doutrinas, todas as convicções, e mesmo todas as religiões.
Outro dia, um amigo me dizia que se sentiu constrangido a sair de uma igreja onde fora rezar, devido ao ambiente de promiscuidade religiosa e moral que lá encontrou. Preferiu ir rezar na rua!
Tudo decaiu, tudo baixou de nível. O ímã da condição humana não atrai mais para o alto, para o sublime, para Deus; ele puxa para baixo, para a degradação, para a sujeira e o desleixo, dos quais o morador de rua é símbolo e meta.
Diz um ditado popular que o demônio nunca dá o que promete. Ele prometeu aos homens que, se abandonassem a civilização cristã e aderissem à liberdade total e sem freios, a um igualitarismo absoluto e sem hierarquia, a um laicismo sem Deus nem religião, teriam então o progresso humano e a perfeita fraternidade. O que vemos?
Um progresso científico real, mas que o homem não sabe mais utilizar para evitar a degradação. Uma fraternidade que não mais se realiza na pujança das individualidades ricas e complementares, mas na ausência de personalidades autênticas, afundadas cada vez mais no pântano de uma espécie de não-ser coletivo.
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Dissertando sobre o futuro da Revolução anticristã que vem carcomendo o Ocidente desde os séculos XIV e XV, Plinio Corrêa de Oliveira previa, em 1976, que esse processo “tem de passar pela extinção dos velhos padrões de reflexão, volição e sensibilidade individuais, gradualmente substituídos por modos de pensamento, deliberação e sensibilidade cada vez mais coletivos. É, portanto, neste campo que principalmente a transformação se deve dar”.
Nesta perspectiva, prosseguia ele, “até que ponto é dado ao católico divisar as fulgurações enganosas, o cântico a um tempo sinistro e atraente, emoliente e delirante, ateu e fetichisticamente crédulo com que, do fundo dos abismos em que eternamente jaz, o príncipe das trevas atrai os homens que negaram Jesus Cristo e sua Igreja?”.
Por fim, uma observação prudencial se impõe. E é também no mesmo mestre da Contra-Revolução que a encontramos e a fazemos nossa: “Bem sabemos quanto são passíveis de objeções, em muitos de seus aspectos, os quadros panorâmicos, por sua natureza vastos e sumários como este. Necessariamente abreviado pelas delimitações de espaço, este quadro oferece seu despretensioso contributo para as elucubrações dos espíritos dotados daquela ousada e peculiar finura de observação e de análise que, em todas as épocas, proporciona a alguns homens prever o dia de amanhã” (cfr. Revolução e Contra-Revolução, Parte III).
Gregorio Vivanco Lopes
173 artigosAdvogado, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Autor dos livros "Pastoral da Terra e MST incendeiam o Brasil" e, em colaboração, "A Pretexto do Combate Á Globalização Renasce a Luta de Classes".
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