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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

PEREGRINANDO DENTRO DE UM OLHAR


Foto: Felipe Del Campo

Parte III. Em continuação ao post de ontem, LÁGRIMAS, MILAGROSO AVISO

Plinio Corrêa de Oliveira

“Folha de S. Paulo”, 12-11-1976

Fisionomia igual não conheço. Tenho-a bem diante de mim, e, movido pelo hábito inveterado de tudo observar e explicar para meu próprio uso, fito-a com atenção. E de repente percebo que entro dentro dela.

Sim, essa fisionomia única como que deflui da face e especialmente dos olhos. Envolve-me no ambiente que ela cria. Ao mesmo tempo, convida-me a entrar fundo no seu olhar.

— Que olhar! Nenhum é tão límpido, tão franco, tão puro, tão acolhedor. Em nenhum se penetra com tal facilidade. Contudo, nenhum também apresenta profundidades que se perdem em tão longínquo horizonte. Quanto mais dentro desse olhar se caminha, tanto mais ele atrai para um indescritível ápice interior e profundo.

— Que ápice? — O estado de alma que eu seria tentado a dizer cheio de paradoxo, se a palavra “paradoxo”, da qual tanto se abusa na linguagem corrente, não me morresse nos lábios por desrespeitosa.

Toda perfeição — diz a Escola — resulta do equilíbrio de contrários harmônicos. De nenhum modo é um equilíbrio precário entre contradições flagrantes (e, dizendo-o, penso nesta pobre paz, esclerosada e vacilante, que o mundo contemporâneo procura preservar à custa de tantas concessões e tantas vergonhas), mas uma harmonia suprema entre todas as formas de bem.

É precisamente este vértice, no qual todas as perfeições se conjugam, que vejo erguer-se no fundo desse olhar. Vértice incomparavelmente mais alto do que as colunas que sustentam o firmamento. Vértice do alto do qual um imperativo cristalino, categórico, irresistível exclui toda forma de mal, por mais leve e miúdo que seja.

Pode alguém passar a vida inteira caminhando dentro desse olhar, sem jamais tocar nesse vértice. — Caminhada inútil? — Não. Dentro desse olhar não se anda; voa-se. Não se passeia; faz-se peregrinação.

Aquela montanha sagrada, súmula de todas as perfeições criadas, o peregrino, sem jamais alcançá-la, cada vez a vê mais claramente à medida que voa em direção a Ela.

Ao longo desta peregrinação da alma, o olhar no qual voa, já não o envolve, apenas. Mas penetra nele. Quando o peregrino cerra os olhos, julga vê-lo à maneira de luz no mais profundo de si mesmo. Tenho a impressão de que, se durante toda a vida, ele for fiel nesse voo, quando cerrar definitivamente os olhos, esta luz brilhará no fundo de sua alma por toda a eternidade.

O olhar é a alma da fisionomia. — Que fisionomia essa, que tenho diante de mim! A um tolo, pareceria inexpressiva. A um observador destro ela manifesta uma plenitude de alma maior do que a História, porque toca na eternidade. Maior do que o universo, porque espelha o infinito.

A fronte parece conter cogitações que, a partir de um Presepe e a terminar em uma Cruz, abarcam todo o acontecer humano.

Foto: Paulo Campos

A face toda, o nariz, cuja linha possui um “charme mais belo do que a beleza” segundo diz o poeta, os lábios silenciosos, mas que dizem tudo a todo momento, parecem louvar a Deus em cada criatura segundo as características de cada uma; e pedir a Deus por toda miséria como se estivesse a condoer-se das peculiaridades de cada uma delas… Estes lábios têm uma eloquência perto da qual a de Demóstenes ou a de Cícero não seriam senão barulheira. — O que dizer da cútis: nívea? — O qualificativo diz tudo e não diz nada. Pois, para descrevê-la seria preciso imaginar um níveo que deixasse reluzir em sua profundidade, com discrição infinita, todos os matizes do arco-íris, e com isso mesmo inspirasse na alma de quem a contempla todos os encantos da pureza.

Sim, peregrinei neste olhar tão cheio de surpresas. E, inesperadamente, percebo que o olhar peregrina ao mesmo tempo dentro de mim. Pobre e misericordiosa peregrinação, não de esplendor a esplendor, mas de carência a carência, de miséria a miséria. É só abrir-me a ele que, para cada defeito, ele me oferece um remédio, para cada obstáculo uma ajuda, para cada aflição uma esperança.

Mas, afinal, quem tenho diante de mim? — Uma imagem de madeira como tantas outras, sem nenhum valor artístico especial.

É só fitá-la, entretanto, que, sem se mover, sem a mínima transformação, essa Imagem começa a fazer luzir todos esses esplendores.

— Como? — Não sei também. Mas se o leitor quiser, venha ver.

É a Imagem de Nossa Senhora de Fátima, a qual verteu lágrimas em Nova Orleans, a propósito dos pecados dos homens e dos castigos que estes assim acumulam sobre si.

Por toda parte aonde vai, a Imagem atrai multidões. Há pouco, em Caracas, só em um dia, 40 mil pessoas. Ela está vindo de Fortaleza, onde cerca de 10 mil bravos cearenses a veneraram. No Crato, em 10 horas, 8 mil pessoas afluíram para vê-la e rezar ante Ela. Em Recife foram 5 mil.

Insisto, leitor. Se crês na descrição que fiz, convido-te a que faças por tua vez esta magnífica peregrinação dentro do olhar da Virgem. Se não crês, vem ver; melhor convite eu não poderia te fazer.

Reza então por ti. Reza pela Santa Igreja conturbada e atormentada como nunca. E por esse enorme Brasil de Maria.

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Plinio Corrêa de Oliveira

Plinio Corrêa de Oliveira

550 artigos

Homem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".

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