Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
9 min — há 9 anos
Continuação do post: Retrospectiva 2015: Conflito análogo a uma “guerra civil” na Igreja? – Parte II
2015 foi um “annus horribilis” do socialismo bolivariano, cujo naufrágio na Venezuela tornou-se patente já nos primeiros meses. À insatisfação causada pela carência de produtos básicos — alimentares, hospitalares, de higiene pessoal, e muitos outros — o governo reagia prendendo executivos das respectivas redes distribuidoras ou os próprios fabricantes. A mídia estava quase toda nacionalizada e o governo se irritava com a atuação de jornalistas estrangeiros. Altas patentes das Forças Armadas foram presas por “conspiração”, enquanto o presidente do Legislativo, Diosdado Cabello, foi apontado como chefe de uma rede de generais que controla a exportação de droga. Maduro racionou a energia elétrica e sugou as moedas estrangeiras, a ponto de companhias internacionais fecharem seus negócios e empresas aéreas cancelarem seus voos. As Forças Armadas reprimiram protestos, invadiram fábricas para impedir que se tirassem fotos das filas em busca de alimentos. A inflação oscilou entre 200% e 500%, as cédulas perderam valor (a maior vale R$ 0,42), fazendo com que os próprios bandidos se desinteressem de roubá-las. O governo não tinha sequer papel para imprimir. Nos mercados oficiais, só se compram farinha, leite, xampu, papel higiênico e outros produtos essenciais, num sistema de rodízio semanal definido pelo último número do RG! A carência de itens chegou a 75% em agosto e gerou saques e violências com mortos. Nos hospitais, os parentes dos doentes procuram fora insumos médicos. Mais de mil médicos cubanos enviados ao exterior para sustentar o regime procuraram asilo nos EUA, a fim de fugir da miséria e da violência.
Maduro forjou atritos fronteiriços visando uma onda de popularidade nacionalista. Muitos colombianos tiveram de abandonar o país em condições dramáticas, cruzando córregos a pé, com os pertences nas costas. Eles foram arrancados de suas casas como nos tempos stalinistas[76]. O pretexto foi a acusação de atuação de que atuavam em máfias de contrabandistas, muitas vezes, aliás, ligadas ao governo chavista.
Os distritos eleitorais foram reconfigurados, rebaixando o número de deputados elegíveis em regiões opositoras e aumentando as cadeiras em bastiões chavistas. Líderes opositores foram encarcerados e candidaturas adversas, vetadas. Muitos venezuelanos fugiram da opressão socialista, da miséria e da criminalidade buscando o exterior.
Em dezembro, a oposição conquistou — mesmo com as irregularidades denunciadas — dois terços das cadeiras do Legislativo. Maduro reconheceu a derrota, mas logo convocou o exército para uma “guerra não convencional” contra “a direita e a burguesia, que entregam a partir das posições que conquistaram”[77].
Em março e abril, manifestações multitudinárias tomaram as ruas em protestos contra o governo federal. De acordo com a PM, em 15 de março participaram 1,9 milhão de cidadãos em 212 municípios, sendo 1 milhão só em São Paulo. Em 12 de abril os números foram um pouco menores. As multidões, invocando a brasilidade, o hino, a bandeira, o verde-amarelo, patentearam que o governo perdera a credibilidade e, psicologicamente, a condução do País[78]. As tentativas petistas de efetuar manifestações em sentido contrário fracassaram.
Em agosto, a presidente Dilma Rousseff bateu o recorde histórico de reprovação: 71%. Os frequentes “panelaços” e buzinaços foram um meio habitual de protesto da população. O discurso da presidente em cadeia nacional foi recebido com panelaços em pelo menos 16 capitais e Brasília. Membros dos governos federal, estaduais e municipais ligados ao PT e aliados, além do ex-presidente Lula, dificilmente podiam comparecer em locais públicos, cerimônias oficiais ou restaurantes sem serem invectivados. “O panelaço é, em última instância, uma tremenda vaia”, registrou o jornal “O Globo”.
As manifestações de agosto, segundo a PM, mobilizaram cerca de 790 mil pessoas, em 168 cidades de todos os estados do País. Como nos casos anteriores, os organizadores avaliaram que o número real foi muito maior. “Nossa bandeira jamais será vermelha” foi um dos brados característicos da multidão em São Paulo. A ascensão do conservadorismo social e cultural, que foi reconhecida até por intelectuais de esquerda, cristalizou-se nessas grandes manifestações. Em 13 de dezembro, as manifestações de protesto contra o governo petista tomaram as ruas de uma centena de cidades do País. No Brasil tomou corpo um “crescente movimento de direita” que “dá voz à maioria silenciosa”[79].
Em setembro, o escândalo da Petrobrás atingiu o Planalto, após o STF aprovar pedido de apuração contra figuras do governo. Uma incessante torrente de denúncias, delações e prisões de grandes empresários e políticos acentuou a percepção da existência de uma corrupção generalizada nas altas esferas, em especial no esquema de governo montado pelo PT durante mais de uma década. Os danos causados ao erário público foram estimados em muitas centenas de milhões de reais. No início de dezembro foi iniciado na Câmara Federal o processo que pode desfechar no impeachment da presidente Dilma.
Em meio a esses escândalos, a economia brasileira entrou em recessão. No último ano e meio, o PIB atingiu uma queda de 5,8%, superada apenas pela ocorrida na Rússia e na Ucrânia em guerra, bem como na infeliz Venezuela[80]. No ranking internacional, nossa economia caiu da sétima colocação para a nona, tendo sido superada pela da Índia. A agência de avaliação de risco Standard & Poor’s retirou do Brasil o grau de investimento — uma espécie de selo de bom pagador[81]. A inadimplência atingiu mais da metade das empresas em operação, segundo o Serasa.[82]
A ascensão do conservadorismo incluiu o campo religioso e o cultural. Uma amostra: segundo o Painel Nacional de Televisão (PNT), a imoralíssima Babilônia passou a ser oficialmente a novela das 21 horas menos assistida da rede Globo na história do horário[83]. Ela e o popular Jornal Nacional foram superados pela novela Os Dez Mandamentos, que focalizou temas bíblicos[84].
Na Argentina, Cristina Kirchner começou o ano com “um cadáver no colo”[85]: o promotor Alberto Nisman, assassinado quando ia apresentar no Congresso o resultado das investigações do atentado perpetrado contra uma associação hebraica, que matou mais de uma centena de pessoas. O relatório indiciava figuras do governo relacionadas com o extremismo árabe anti-EUA. O crime evocou a eliminação de dissidentes na Rússia e sua sombra acompanhou o governo populista argentino até a débâcle final. O Senado americano requereu um “inquérito claro” e o “The New York Times” pediu uma “investigação internacional” sobre a “morte suspeita” do promotor[86].
O governo “nacionalista” multiplicou laços com a China e a Rússia. A presidente franqueou à combalida petrolífera russa Gazprom a exploração das imensas jazidas de gás da Patagônia. Também propiciou exercícios militares conjuntos e troca de informações policiais. Putin considerou a Argentina como “melhor aliado na América Latina” e prometeu investimentos. Mas estes se revelaram inconsistentes quando o Banco de Desenvolvimento russo não depositou os US$ 2,6 bilhões prometidos para uma barragem[87]. Com a China, Cristina Kirchner assinou dezenas de acordos, alguns deles secretos, que permitiram a instalação de uma base chinesa na Patagônia com objetivos também militares e em cujo recinto não vigora a soberania argentina.
O governo peronista sofreu reveses eleitorais até o advento de eleições nacionais em outubro, quando foi seriamente derrotados em todos os níveis. Circunscrições eleitorais-chave, governos estaduais e grandes prefeituras passaram para o domínio da oposição. No segundo turno, a enorme onda de insatisfação conduziu o oposicionista Mauricio Macri à Casa Rosada. A catástrofe peronista-bolivariana pressagiou um recuo geral da esquerda latino-americana. O novo presidente anunciou que vai desestatizar a economia, enfrentar os governos antidemocráticos da Venezuela, de Cuba e da Bolívia, e estreitar os laços diplomáticos e econômicos com os EUA. Cristina Kirchner não suportou a derrota. Ausentou-se da cerimônia de transmissão da presidência, fazendo temer futuros atritos nacionais.
Na Bolívia, o presidente Evo Morales tenta uma reforma legal para se reeleger, mas a ideia é rechaçada por quase 60% dos eleitores. No Equador, o presidente Rafael Correa, após rápida polêmica com o presidente Macri recém-eleito, anunciou que não vai se recandidatar. No Chile, a presidente Bachelet tentou aprovar uma impopular reforma constitucional, mas o eleitorado negou-lhe apoio. No mês de outubro, a taxa de rejeição a seu governo atingia 57%, superada apenas pelos governos do Brasil [reprovação de 70,9% em julho, pesquisa CNT[88]], do kirchnerismo na Argentina e de Maduro na Venezuela. Compreende-se que o ex-presidente Lula tenha afirmando na Colômbia sentir “um cheiro de retrocesso na América do Sul”[89].
Continua no próximo post: Retrospectiva 2015 – Rússia e China: crise e expansionismo – Parte IV
[76]) O Estado de S.Paulo, 25.08.15.
[77]) La Nación, 13.12.15.
[78]) O Estado de S. Paulo, 17.03.15.
[79]) O Globo, 18.08.15.
[80]) Folha de S. Paulo, 01.12.15.
[81]) O Estado de S. Paulo, 09.09.15.
[82]) Folha de S. Paulo, 09.10.15.
[83]) Folha de S.Paulo, 20.07.15.
[84]) O Estado de S.Paulo, 22.11.15.
[85]) Folha de S. Paulo, 20.01.15.
[86]) La Nación, 21.01.15.
[87]) Clarín, 10.06.15.
[88]) El País, 25.7.15.
[89]) Folha de S. Paulo, 11.11.15.
Revista Catolicismo
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