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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Sangrentas perseguições sofridas pelo povo ucraniano


D. Efraim B. Krevey, antigo Eparca para os ucranianos católicos no Brasil

Tendo em vista a covarde invasão russa contra a Ucrânia, por ordem do déspota Vladimir Putin, aqui reproduzimos uma entrevista publicada na revista Catolicismo (Nº 649, janeiro/2005) com o antigo Eparca para os ucranianos católicos no Brasil, D. Efraim B. Krevey (falecido no dia 2 de abril de 2012).

O povo ucraniano havia se livrado da tirania soviética e rompeu com o mundo soviético-comunista, inclusive com os hinos, bandeiras, símbolos (foice e martelo, por exemplo), estátuas, nomes de ruas e empresas, enfim, tudo que lembrasse a ex-URSS.

O que aquele heróico povo não esquecerá nunca é do genocídio, ordenado por Stalin, que matou de fome milhões de ucranianos, o chamado “holodomor” — o que agora Putin parece querer renovar, mostrando sua cara stalinista. Disso trataremos num post que faremos amanhã.

D. Efraim B. Krevey, Eparca para os ucranianos católicos no Brasil

O ilustre Prelado expõe o calvário da Igreja Católica na Ucrânia sob a tirania comunista até a queda da Cortina de Ferro, e manifesta sua alegria pela expansão atual do catolicismo naquela nação

Temos a honra e o prazer de apresentar a nossos leitores a palavra abalizada da maior autoridade eclesiástica dos ucranianos em nossa Pátria.

Nascido em 1928 em Ivaí (PR), D. Efraim Krevey ingressou na Ordem dos Basilianos, tendo sido coadjutor da Paróquia de São Josafat em Prudentópolis (PR); vice-reitor e professor no seminário São José da mesma cidade; Reitor do mencionado seminário; superior e professor no Studium OSBM, em Curitiba; Provincial da Província São José da Ordem dos Basilianos.

Em 1971 foi nomeado Bispo-coadjutor, com direito à sucessão, de D. José Martenetz, para os católicos ucranianos do Brasil. Em 1978 assumiu o cargo de Eparca, em substituição a D. Martenetz.

D. Efraim Krevey concedeu a entrevista em sua residência de Curitiba a nossos enviados especiais, Dr. Pedro Luiz Bezerra de Barros e Sr. Hélio Brambilla

*     *     *

Catolicismo –– V. Exa. poderia informar aos nossos leitores como se formou a Igreja Católica de rito bizantino na Ucrânia?

D. Efraim –– Primeiramente, agradeço muito por me darem esta oportunidade de falar algo sobre a Igreja Oriental Bizantino-Católica em terras da Ucrânia. O cristianismo foi oficializado na Ucrânia no ano de 988, durante o principado de São Vladimir, o Grande. Ele levou esse rito da Grécia, antiga Bizâncio, e por isso continua até os dias de hoje sendo chamado rito bizantino-ucraino-católico.

Esse rito cresceu muito nas terras da Ucrânia a partir de Kiev, capital do país. E de Kiev ele disseminou-se e foi oficializado até 1054 em toda a Ucrânia, em toda a Bielorússia, em toda a Bulgária e em todo o território russo, tanto europeu quanto asiático.

Nesse ano ocorreu o cisma, o rompimento da Igreja Oriental –– com sua sede em Bizâncio ou Constantinopla, hoje Istambul –– com a Igreja Católica. Até 1054 não havia diferença, todos eram católicos com dois ritos: o oriental e o latino. Esse cisma difundiu-se para a Ucrânia e toda a Rússia, formando-se então a chamada igreja ortodoxa russa, isto é, cismática, pois não aceita o primado do Santo Padre e normas disciplinares de Roma.

A Igreja Católica da Ucrânia [fiel a Roma], no decorrer desses mil e poucos anos, expandiu-se muito, mas sempre sofreu perseguições por parte da Rússia pré-comunista. Depois de 1918, pelo comunismo, quando o poder na Rússia passou a ser exercido por Lênin, e posteriormente por Stalin em 1929, segundo a ideologia materialista e marxista, sem Deus e sem espiritualidade, que professavam.

Catolicismo –– Como se deu o martírio da Igreja Católica de rito bizantino por Stalin e seus sucessores?

D. Efraim –– A perseguição contra a Igreja Católica tornou-se muito forte, rígida e sangrenta a partir de 1939. Em 1940–41, e mais ainda em 1946, a perseguição acentuou-se quando se realizou um pseudo-sínodo, sendo a Igreja Católica ucraniana toda dizimada. Praticamente seus bispos e sacerdotes foram aniquilados de 1946 a março de 1956, sendo forçados a aceitar o cisma da chamada igreja ortodoxa russa. Desde 1946, estabeleceu-se na Ucrânia, com toda força, essa igreja cismática, chefiada pelo patriarca [cismático] de Moscou, situação que continua até hoje. 1946 é um ano dos mais dolorosos e trágicos para a Igreja Católica da Ucrânia, porque todos os bispos foram pressionados a assinar um contrato e um decreto de abolição da Igreja Católica e de subordinação ao patriarcado de Moscou. Todos os bispos católicos foram aprisionados. Alguns foram enviados para diversos campos de concentração, outros para o Kazaquistão, e outros ainda para a Sibéria, como o Cardeal Josyf Slipyj e centenas de sacerdotes, a quase totalidade da Igreja Católica. Em conseqüência da saída dos bispos, todas as instituições católicas, escolas, institutos universitários e seminários foram fechados.

Proibida a Igreja Católica, muitos bispos morreram martirizados. Começou a existência da Igreja do Silêncio ou Igreja das Catacumbas do século XX, como dizem os escritores, principalmente na parte ocidental da Ucrânia, a Galícia, cuja capital é Lvov.  Esta província, onde 95% dos habitantes eram católicos, sofreu a maior perseguição por parte dos russos. Nesta região, toda aldeia de 80, 100 a 120 famílias tem uma ou duas igrejas, e o povo é muito fiel ao catolicismo.

Alguns bispos foram clandestinamente sagrados pelo Cardeal Josyf Slipyj e por outro bispo, D. Volotender Stervilk, que ficou escondido nas aldeias. Ele também sagrou alguns bispos. Um deles ainda está vivo, D. Paulo Vlacenko. Outros prelados, ordenados igualmente de modo clandestino, já faleceram. Estes bispos eram andarilhos, transitando de uma aldeia para outra, atendendo os doentes, ministrando os sacramentos. Não participavam de sepultamentos, porque era proibida qualquer cerimônia pública. Mas atuavam de maneira clandestina, celebrando Missas nas casas particulares. Essa Igreja do Silêncio sobreviveu até 1991, quando caiu a Cortina de ferro. Graças a Deus, a Igreja Católica foi libertada, sendo alguns templos reabertos ao público. Foi essa uma época muito feliz e gloriosa, denominada em nossa história a Ressurreição da Igreja Católica na Ucrânia.

Catolicismo –– Quais são os desafios atuais para re-evangelização da Ucrânia?  

D. Efraim –– O principal desafio é enfrentar a formação marxista imposta pelo terror comunista em todas as escolas e institutos de educação, na época em que era proibida nas igrejas qualquer reunião de cunho religioso eclesial. Entretanto, naquele tempo os cismáticos podiam reunir-se…

Aos poucos, devido ao trabalho apostólico que está sendo realizado, vamos reconquistando os jovens, que cresceram alheios a qualquer religião.

Mas interessa sublinhar a existência, nesses últimos decênios, da denominada igreja doméstica. Em outros termos, cada família é uma pequena parte da Igreja. Se ainda existe uma marca tão forte, robusta e viva do catolicismo em milhares de famílias, deve-se isso precisamente a essa prática, mediante a qual tornaram-se famosas as mães que se reuniam e conservaram a verdadeira fé.

Existe um forte atrito entre a Igreja Católica da Ucrânia, de um lado, e o governo ucraniano e o patriarca de Moscou, de outro. A causa do conflito: os católicos desejam a restituição das igrejas que lhes foram confiscadas. Muitas foram devolvidas, embora bastante danificadas, apresentando paredes completamente vazias. Diversas delas não foram entregues e nem o serão. E estão sendo construídos novos templos pelos ortodoxos cismáticos e pelo governo russo; porque o patriarcado de Moscou assemelha-se a um ministério do governo daquele país. Se os católicos desejam edificar uma igreja, são obrigados a fazer coletas para sua construção, enquanto os ortodoxos cismáticos recebem dinheiro à vontade do patriarcado russo para edificar seus templos. Muitas igrejas católicas foram transformadas em depósitos para material de construção.

Catolicismo –– Quais as vantagens que adviriam, para o apostolado católico na Ucrânia, de ser erigido um patriarcado de rito ucraniano em Kiev? Por que a igreja cismática russa se opõe com tanta virulência a essa legítima aspiração dos fiéis do maior rito da Igreja Católica após o rito latino?

D. Efraim –– A Igreja ucraino-católica oriental é a igreja mais numerosa e mais pujante de todas a igrejas orientais. O que representa um prestígio para a Igreja, para os católicos, para a fidelidade ao Papa e para todos nós ucranianos da diáspora. Consistiria um fator de prestígio para os 300 mil ucranianos no Brasil, inclusive para a Hierarquia latina, se fosse nomeado um patriarca.

Um ponto a ser ressaltado é que os orientais no Brasil, fiéis do rito bizantino de origem ucraniana, pertencem, em sua maioria, à quarta ou quinta geração. No entanto, conservam eles sua fidelidade à Igreja Católica, através do rito bizantino greco-católico. Com a criação de um arcebispado e mais duas dioceses, tal fato consistiria num engrandecimento da Igreja, seria um fator para conservar e revigorar esse rito.

Catolicismo –– Qual foi a situação material e moral herdada pela Ucrânia depois de 70 anos de dominação russa e comunista? E qual a situação atual, após pouco mais de 10 anos de independência?

D. Efraim –– Em 1991, por ocasião da queda da Cortina de Ferro, não havia propriedade privada nem liberdade no país. Os bancos, as casas comerciais haviam sido entregues para os russos na Ucrânia ou para membros do Partido Comunista. O povo encontrava-se numa situação de miséria. Por toda parte, patenteava-se a influência comunista: em todas as escolas os professores, desde a primária, eram obrigados a pregar o marxismo, o stalinismo e o materialismo. A filosofia de Stalin afirma que a pessoa humana é como a grama e o capim, que se poda hoje e amanhã ele estará crescido.

Mas a recuperação dessa triste situação está se realizando, o povo vai revivendo, a Igreja ressurgindo, as propriedades estão sendo restabelecidas. Entretanto, o trabalho para erradicar a referida mentalidade implantada na mente e no coração da população e dos jovens é difícil.

Hoje em dia, pelos cálculos conhecidos, há mais ou menos cinco milhões de ucranianos que migraram para outros países. E a credibilidade da Ucrânia no Ocidente ainda é pequena, infelizmente.

Catolicismo –– Um dos maiores crimes do comunismo internacional foi o genocídio de milhões de camponeses ucranianos para oprimir a nação e impor a Reforma Agrária. Quais os motivos que levaram Stalin a praticar tal massacre de inocentes?

D. Efraim –– Para responder a essa pergunta, parece-me necessário observar que a opinião pública e a imprensa internacional ainda não analisaram a fundo a razão desse massacre. Muitos artigos sobre o tema foram publicados. Pelo que se sabe desse genocídio (sete ou oito milhões de vítimas), julgo ter sido uma tragédia das mais fatídicas e terríveis da História, talvez mais que a de Auschwitz. A população de milhares de aldeias morreu de fome. Os comunistas confiscaram tudo, os animais domésticos, toda a produção, a lavoura, os paióis. Até o pão que a dona-de-casa acabara de fazer era confiscado e levado por caminhões do exército russo. O objetivo do terror era que todos se declarassem partidários do comunismo e aceitassem os kolkhozes (fazendas coletivas). Hoje ainda existem tais fazendas abandonadas, caindo aos pedaços. Foi uma tragédia.

Recentemente, promoveu-se um abaixo-assinado não só no Brasil, mas também em outros países, visando o reconhecimento desse crime cometido pelo regime comunista como genocídio. Os Estados Unidos, a Polônia e outros países já reconheceram esse crime como genocídio. Mas existe uma força que está trabalhando para que o documento não se difunda. Por quê? Ignoro a razão. Tal documento foi entregue em mãos ao presidente Lula, e diversas cópias dele foram encaminhadas ao governo brasileiro pelo Embaixador da Ucrânia em Brasília. Se o documento caminhou, não sei.

Catolicismo –– Pedimos a V. Exa. uma bênção especial para os redatores e leitores de Catolicismo.

D. Efraim –– O Cardeal Slipyj chegou a dizer-me, bem como a outros bispos novos, que a bênção válida é muito mais forte se dada com ambas as mãos, como farei. Quero abençoar a atividade desenvolvida por vocês; não é um trabalho simples, mas pode ser considerado um grande apostolado, pela visão que ele supõe da Igreja, do povo e da humanidade. Constitui uma propagação do Evangelho, segundo o ensinamento de Cristo. Se tal ensinamento for observado, teremos a paz, a tranqüilidade e a felicidade.

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