Modelo de soberana, esposa e mãe conjuga-se no fulgor da coroa real com a virtude de exímia caridade e um dom especial de pacificadora. Sua história já foi
publicada em Catolicismo, mas a reproduzimos aqui em memória dos 400 anos de sua canonização. Ficou popularmente conhecida como Rainha Santa Isabel.
- Plinio Maria Solimeo
Jaime I de Aragão — a História o registra com os epítetos de Conquistador, por suas glórias militares, e de Santo, por sua admirável piedade — havia rompido relações com seu filho e herdeiro Pedro, conhecido com o cognome de Grande,devido a seu casamento sem o consentimento paterno com a Princesa Constança, filha do Rei da Sicília.
Essa situação anômala terminaria do modo mais inesperado: Jaime I considerou o primeiro fruto dessa união, Isabel, que veio ao mundo em 4 de janeiro de 1271, um sinal de predileção de sua tia-avó, Santa Isabel da Hungria. O grande guerreiro foi tão conquistado pela recém-nascida, que perdoou o filho e desejou exercer a guarda da menina a fim de guiá-la em seus primeiros anos. Assim começou, desde o berço, a ação da futura rainha santa.
Pode-se dizer que nela a piedade nasceu com o despertar para a vida; quando chorava como qualquer outro bebê, bastava alguém mostrar-lhe um Crucifixo ou uma imagem da Virgem para que silenciasse. Daquele pequeno ser emanava tanta unção e suavidade, que as damas do palácio consideravam uma graça poder contemplá-la.
Aos cinco anos de idade Isabel perdeu seu virtuoso avô e voltou para o lar paterno, onde cresceu em graça e santidade. Aos oito anos já recitava diariamente o Ofício divino.
A Santa Rainha dá um grande impulso a Portugal
Isabel pensava em consagrar a Deus sua virgindade, mas por iluminação divina e recomendação do confessor compreendeu que, como princesa, deveria aceitar um esposo e fazer brilhar no trono as virtudes evangélicas. Por isso, aos 12 anos contraiu matrimônio com Dom Dinis, rei de Portugal.
Na corte portuguesa ela continuou a ser um modelo de virtude, como o fora na de Aragão. Seu bom exemplo levou muitas damas da nobreza a viver tão cristãmente como a rainha. A fama desse bom exemplo chegou rapidamente a todos os rincões de Portugal, excitando em toda parte uma santa emulação.
Quando Isabel chegou, Portugal já havia varrido de seu território o jugo maometano e ampliado suas fronteiras até os limites atuais, entrando numa nova era de paz e prosperidade. Dom Dinis reconstruiu cidades devastadas pela guerra, fundou hospitais e escolas, entre elas a célebre Universidade de Coimbra. Restaurou e construiu igrejas, orfanatos para os filhos dos mortos na guerra, e sobretudo dedicou-se à agricultura com tal afinco, que recebeu da posteridade os títulos de Rei Lavrador e Pai da Pátria. Evidentemente, Santa Isabel exerceu grande papel em tudo isso, o que lhe valeu na época o epíteto de Rainha dos Agricultores.
Dor e paciência ante infidelidades do rei

Isabel foi um exemplo de respeito, amor e obediência ao marido. Este, embora dotado de muitas qualidades que o tornavam amigo da justiça e da verdade, deixou-se levar, quando jovem, por maus exemplos, mantendo muitas ligações ilícitas das quais nasceram vários filhos bastardos. Pesando-lhe mais a ofensa feita a Deus do que a si própria e o escândalo público que tal procedimento representava, a rainha sofria e praticava a virtude da paciência para com as misérias morais do marido, rezando e sacrificando-se por ele, e procurando atraí-lo para uma vida virtuosa.
A bem da verdade, é necessário dizer que Dom Dinis soube compreender a grandeza de alma da esposa, concedendo-lhe inteira liberdade, tanto para suas devoções quanto para a prática da caridade. Tal paciência levou-o finalmente a reconhecer seus erros, emendar-se de sua depravação e fazer penitência por seus pecados.
Quem não sofria com a mesma resignação os pecados do rei era o Infante Afonso, seu filho, que desejava nobremente fazer cessar o ultraje feito à sua mãe. Certo dia, declarou-se em aberta revolta contra o pai. Este resolveu aprisionar de surpresa o filho e encerrá-lo numa torre até o fim de seus dias. A rainha descobriu o plano do marido e mandou alertar o filho do perigo que corria. Alguns cortesãos mal-intencionados acusaram-na perante o rei de ser partidária do filho rebelde e auxiliá-lo até com armas. Demasiado crédulo, o monarca expulsou Isabel do palácio, privou-a de todas as rendas e desterrou-a para a cidade de Alenquer.
Afonso solicitou o auxílio de Aragão e de Castela contra o pai. A guerra civil era inevitável. Tendo conhecimento do perigo desse conflito, Isabel abandonou Alenquer contra a ordem do marido e dirigiu-se a Coimbra, onde estava o rei. Lançando-se a seus pés, suplicou-lhe que perdoasse o filho. Dom Dinis recebeu-a com bondade e autorizou-a a tentar estabelecer a paz com o filho. A rainha foi a Pombal, onde o Príncipe se encontrava à frente de suas tropas, e assegurando-lhe o perdão do rei, conseguiu restabelecer a paz.
Impressionante exemplo da justiça de Deus

A rainha tinha um pajem muito virtuoso e prudente, digno de toda confiança, a quem incumbia de conceder aos pobres grande parte de suas esmolas. Outro pajem, invejando-o, foi dizer ao monarca que a confiança da rainha por aquele pajem era fruto de uma inclinação pecaminosa. O rei, que naquele tempo estava entregue a uma vida irregular, acreditou na calúnia e planejou matar secretamente o referido pajem. Certo dia, passando pelo local onde havia uma usina de cal, chamou os operários e ordenou-lhes que, quando alguém viesse de sua parte perguntar se eles haviam feito o que o rei ordenara, que pegassem o pajem e o lançassem ao grande forno para aí perecer.
No dia seguinte, Dom Dinis mandou o pajem da rainha ir à usina perguntar se o que ele havia ordenado havia sido cumprido. Entretanto, a Providência velava pelo virtuoso jovem. Passando no caminho por uma igreja, o pajem entrou para rezar. E vendo que ia começar uma Missa, permaneceu algum tempo para assisti-la. Terminada a primeira missa, começou uma segunda, depois uma terceira, e o piedoso pajem ficou também na igreja para rezar no decurso delas.
Enquanto isso, o rei, levado pela impaciência, chamou outro pajem — providencialmente, o mesmo caluniador — e enviou-o à usina, a fim de se inteirar se sua ordem havia sido cumprida. Imediatamente os operários apoderaram-se do infeliz e o lançaram ao forno…
O primeiro pajem chegou depois àquele local e perguntou se o que o rei ordenara fora executado, recebendo resposta afirmativa. De volta ao palácio, foi dar conta de sua missão ao soberano, que ficou muito surpreso de vê-lo vivo e quis saber o que acontecera. O pajem contou-lhe então que, quando ia a caminho da usina, passou pela igreja para uma rápida oração. E que seu pai, ao morrer, havia lhe recomendado assistir a todas as missas que visse em andamento. Por isso ele assistira a três missas sucessivas, e só depois fora executar o que o rei ordenara.
O monarca reconheceu no fato um julgamento de Deus, testificando a inocência da rainha, a virtude de seu pajem e a malícia do caluniador.
Numerosos milagres operados ainda em vida

A Rainha Isabel operou vários milagres ainda em vida. Certa vez em que ela por devoção lavava os pés de pobres, havia uma mulher com uma úlcera que exalava insuportável mau odor. Lavou e tratou da ferida, e para vencer sua repugnância, osculou-a. Ao contato com os lábios da rainha, a ferida desapareceu.
Numa noite, durante o sono, Isabel teve uma inspiração do Divino Espírito Santo para edificar uma igreja em seu louvor. Mandou alguns arquitetos ao local que lhe parecia mais conveniente, para estudarem a edificação. Eles voltaram dizendo que os fundamentos já haviam sido lançados, e que se podia, portanto, dar início à construção. Todos se espantaram com esse fato surpreendente, pois até a véspera não havia vestígio desses fundamentos. O rei, tendo em vista constar para a posteridade tal prodígio, mandou que se lavrasse uma ata do sucedido. Tendo a rainha ido ao local para ver o milagre, entrou em êxtase à vista de muitas testemunhas.
É dos mais conhecidos o milagre das rosas. Quando levava no avental dinheiro para socorrer os pobres, encontrou-se com o marido que, desgostoso com sua excessiva caridade, lhe perguntou o que guardava ali. Isabel respondeu-lhe que eram rosas. Ora, estava-se no inverno europeu, quando toda a natureza parece morta, e, portanto, não vicejam flores. O rei quis então ver o que ela realmente levava no avental. A rainha abriu-o, e surgiram belas e odoríferas rosas.

Dedicação heroica por ocasião da morte do rei
Estando o rei enfermo, desejou ir de Lisboa a Santarém, para mudar de clima. Na viagem, sua febre aumentou muito. Isabel apressou-se em mandar avisar o filho. Ao chegar com o rei em Santarém, não o abandonou mais dia e noite, cuidando dele com as próprias mãos. Estudava os momentos favoráveis para falar-lhe de Deus, do rigor do julgamento divino, do horror aos pecados, da compunção com que se deve detestá-los e da pureza de consciência com que se deve apresentar diante de Deus. Ao mesmo tempo, distribuía muitas esmolas na intenção do soberano e mandava rezar orações especiais em todo o reino por ele.
Após a morte de Dom Dinis, a 6 de janeiro de 1325, a rainha depôs as vestes reais, cortou o cabelo e vestiu um simples hábito da Ordem Terceira de São Francisco. Depois de procurar por todos os meios o sufrágio da alma do falecido rei, entregou-se de corpo e alma ao cuidado dos pobres e enfermos nos hospitais e demais obras de misericórdia. Sendo ela rainha, fazia-o com particular elevação de alma e eficácia.
Nesse mesmo ano, fez uma peregrinação a Santiago de Compostela pelo eterno repouso do marido, e lá deixou sua coroa, joias, vestes reais e muitos outros dons de grande valor.
A santa rainha faleceu no dia 4 de julho de 1336, aos 65 anos. Junto a seu túmulo multiplicaram-se os milagres. Entretanto, Isabel só seria beatificada em 1516 pelo Papa Leão X, e canonizada em 1625 — exatamente há 400 anos — pelo Papa Urbano VIII. Nessa ocasião, quando abriram o túmulo, encontraram seu corpo incorrupto, apesar de já terem transcorrido quase 300 anos de sua morte.
Ainda hoje, 689 anos depois, seu corpo permanece incorrupto, sendo venerado no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova — também designado como Convento da Rainha Santa Isabel, em Coimbra —, numa preciosa urna de prata com óculos de cristal.
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Obras consultadas:
- Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo 8o., pp. 33 e ss.
- Pe. Ribadaneira, Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Maria Villarasa, La Leyenda de Oro, L. González & Compañía, 1897, Barcelona, tomo 3º., pp. 47 e ss.
- Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S. A., Saragoça, 1948, tomo IV, pp. 81 e ss.
- Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, pp. 66 e ss.
- Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1998, tomo II, pp. 375 e ss.
- Fonte: Revista Catolicismo, Julho/2025

Solicitude da Rainha Santa Isabel de Portugal para com a nobreza empobrecida
Trecho extraído da obra de Plinio Corrêa de Oliveira, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana, Parte III, Documentos III, n° 2, pp. 285-286.
Na vida de Santa Isabel, Rainha de Portugal (1274-1336), lemos os seguintes fatos que manifestam um traço edificante do seu caráter:
“Punha particular cuidado em valer às pessoas, que tendo vivido à lei da nobreza, com fazenda, se viam decaídas, recrescendo-lhes a necessidade e miséria com o pejo de pedir. A tais pobres socorria com grande generosidade e não menor segredo e recato, para que lograssem o benefício sem o contrapeso da vergonha.

“Para os filhos dos fidalgos pobres tinha no Paço sacolas especiais, em que se criavam conforme a sua elevada posição. Dava dotes, para se casarem, às donzelas pobres de bom parecer, e ela com suas reais mãos folgava de lhes compor o toucado de núpcias. Muitas outras órfãs, filhas de seus vassalos particulares, tinha recolhidas e as educava perto de si; quando contraíam matrimônio, provi-as com abundante dote e as adornava com suas jóias no dia do casamento.
E para que não se acabasse com sua vida esta fineza de sua bondade, instituiu no seu mosteiro de Santa Clara um fundo para dotar órfãs nobres e deixou ordenado que parte das jóias que legava a esse convento se emprestassem às ditas donzelas para seu adorno de noivado”.1
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1. J. LE BRUN, Santa Isabel, Rainha de Portugal, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1958, pp. 127-128.

RAINHA ISABEL DE PORTUGAL
Uma santa católica ou uma progressista?
Plinio Corrêa de Oliveira
Os bons hagiógrafos de Santa Isabel, Rainha de Portugal, dizem que ela foi de muita piedade e extrema caridade para com os pobres, e que suas austeridades foram admiráveis.
Em oposição a essas virtudes, os progressistas (“católicos” com mentalidade marxista) diriam que ela teve um santo zelo pelos direitos dos pobres, que a levou a colaborar com algo do gênero de um Partido Socialista ou Comunista, para impor as reformas de base necessárias.
O tempo todo, o paralelo que os progressistas fazem é nesse sentido, contraditando as autênticas virtudes.
Os bons hagiógrafos escreveram sobre as admiráveis austeridades da Rainha Santa. Mas os progressistas diriam que ela fazia os serviços de todos os meios de satisfação humanos para atrair os outros pela alegria, pois “austeridade” parece horrível para eles, que não gostam dessa virtude católica. Eles diriam de Santa Isabel que ela, firmemente impregnada dos ideais da República Universal, serviu à missão de paz, no sentido da ONU, com toda a dedicação que lhe foi possível.
Os hagiógrafos falam que, ao ficar viúva, ela desejou deixar o mundo para só pensar em Deus e, revestida do hábito franciscano, se consagrou a obras de piedade.
Os progressistas gostariam de falar que ela, ficando viúva, conseguiu rapidamente um novo marido, tais eram os seus atrativos, e que ela fez um curso de enfermagem e entrou para a “Ação Católica”, onde pugnou pela eliminação do hábito das freiras.
Esse é o paralelo entre a verdade histórica e o que os progressistas gostariam que fosse verdade, ou seja, uma “santa” progressista empregada no serviço social.

Os hagiógrafos descrevem o “milagre das rosas”, quando Santa Isabel, levando num avental moedas para distribuir aos pobres, foi indagada pelo rei sobre o que levava. Como o rei não desejava a distribuição das moedas generosamente, como a rainha fazia, ela lhe respondeu que levava rosas. E a Divina Providência opera um milagre: as moedas se transformam em rosas… E o rei só pode sorrir.
Entretanto, os progressistas gostariam de imaginar um “milagre” em sentido contrário: ela levando rosas e estas se transformando em moedas… Porque para eles é a maior frustração a transformação em flor naquela coisa mais querida pelos materialistas que é o dinheiro.
Rezemos à Rainha Santa Isabel para nos conceder a detestação à concepção materialista, pois, perante Deus, mais valem aqueles que admiram as rosas do que aqueles que admiram o dinheiro.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 8 de julho de 1965. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.