Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
O maior estrategista militar português, dotado de profunda espiritualidade, venceu todos os seus opositores com forças substancialmente inferiores. Sua festa liturgia é celebrada pela Igreja no dia 6 de novembro.
9 min — há 1 ano — Atualizado em: 11/6/2023, 9:23:05 AM
Estátua de Dom Nuno Álvares Pereira no interior do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha, Portugal) [Fotos PRC]
Autor: Afonso de Souza
Nascido em 24 de junho de 1360 no Paço do Bonjardim ou Flor da Rosa, Nuno era filho de Frei Álvaro Gonçalves Pereira, cavaleiro dos Hospitalários de São João de Jerusalém e Prior do Crato, com Iria Gonçalves de Carvalhal, criada da Corte. Foi legitimado no ano seguinte pelo rei D. Pedro I de Portugal, podendo assim receber educação equivalente à dos filhos de famílias nobres.
Até os 13 anos viveu na casa paterna, e se incorporou então ao séquito do rei D. Fernando, iniciando-se “como bom cavalgante, torneador, justador e lançador”, e sobretudo no gosto da boa leitura. Consta que aprendeu nos “livros de cavalaria que a pureza era a virtude que tornara invencíveis os heróis da Távola Redonda, e procurava que a sua alma e corpo se conservassem imaculados”.[1]
Ainda nessa jovem idade, Nuno se distinguiu numa missão de reconhecimento do exército castelhano, que passava por Santarém a caminho de Lisboa, ocasião em que ele e seu irmão Diogo foram armados cavaleiros. Num relatório que elaborou sobre essa missão, observou que o exército de Castela, apesar de grande, era mal comandado, podendo ser vencido por uma pequena força bem dirigida. Era o despertar de seu nativo gênio militar.
Embora Nuno Álvares quisesse fazer voto de castidade, seu pai o obrigou a casar-se em 1376, aos 16 anos, com Da. Leonor de Alvim, quatro anos mais velha, com quem teve três filhos: dois meninos, que morreram jovens; e a filha Beatriz Pereira de Alvim.
Em novembro de 1401, Beatriz desposou D. Afonso, Conde de Barcelos, filho ilegítimo do Mestre de Avis com Inês Pires, nascido antes do casamento deste com a princesa inglesa Filipa de Lencastre, que deu origem à famosa Ínclita Geração: Dona Branca (1388-1389) e Dom Afonso (1390-1400) morreram ainda crianças; Dom Duarte, futuro rei (1391-1438); Dom Pedro, Duque de Coimbra (1392-1449); Dom Henrique, Duque de Viseu (1394-1460); Dona Isabel, Duquesa de Borgonha (1397-1471); Dom João, Condestável (1400-1442); e Dom Fernando, o Infante Santo (1402-1443).
Dom Afonso foi legitimado pelo rei, recebendo como dote e herança da esposa os bens resultantes das doações de seu pai, Dom João I de Portugal, ao condestável Nuno Álvares Pereira, na sequência dos feitos militares deste durante as guerras com Castela (1383-1385).
Dom Afonso daria origem à Sereníssima Casa de Bragança, que viria a reinar de 1641 a 1910 (quando foi proclamada a república), e que se tornaria a Casa mais rica e importante de Portugal. Foi também a dinastia reinante no Império do Brasil de 1822 a 1889, a qual daria origem à dinastia Orleans e Bragança com o casamento da Princesa Imperial Dona Isabel com o Conde D’Eu.
Em 1383 morreu Dom Fernando I, último rei de Portugal e Algarves da Casa de Borgonha. Conhecido como o Formoso e o Inconstante, ele assumira o trono em 1367 e deixara apenas uma filha, que se casou com Dom João I, rei de Castela. Este, reivindicando os direitos da esposa, pretendeu herdar a coroa de Portugal.
O príncipe João de Portugal, Mestre de Avis, era filho ilegítimo de D. Pedro I, além disso religioso. No entanto os nobres portugueses apoiaram suas pretensões à coroa, como meio de evitar a perda da independência do país. Para reinar, certamente foi dispensado dos votos religiosos. Dom Nuno Álvares foi um dos primeiros a apoiá-lo.
Houve guerra, e deu-se em abril de 1384 a primeira grande vitória militar de Dom Nuno Álvares Pereira frente aos castelhanos, na batalha dos Atoleiros. Pela primeira vez na Península Ibérica, um exército a pé derrotou um exército com cavalaria pesada.
Como consequência, em abril de 1385 as Cortes portuguesas reconheceram o Mestre de Avis como rei, com o nome de Dom João I. Em recompensa pela vitória, Dom Nuno foi nomeado pelo monarca Condestável de Portugal e Conde de Ourém, além de membro de seu Conselho de Governo.
O rei castelhano, entretanto, não se rendera, e invadiu a Beira Alta. Dom Nuno reagiu, iniciando uma série de cercos às cidades leais a Castela. Em ações militares fulminantes, conquistou a província do Minho.
No dia 14 de agosto de 1385, o Condestável mostrou o seu gênio militar na memorável batalha de Aljubarrota, para a qual escolheu o melhor local e pôs em prática as táticas de guerra que aprendera com os ingleses. Apesar da desigualdade de forças entre os dois exércitos, obteve uma vitória esmagadora, consolidando ainda mais a confiança dos combatentes portugueses em seu comandante.
Essa vitória seria decisiva para superar a instabilidade política de 1383-1385 e consolidar a independência portuguesa.
Finda a ameaça castelhana, Dom Nuno Álvares Pereira incorporou aos seus títulos os de Conde de Arraiolos e Barcelos.
Entre 1385 e 1390 (ano da morte do rei de Castela), Dom Nuno dedicou-se a incursões contra a fronteira de Castela, a fim de manter a pressão e dissuadir o país vizinho de novos ataques.
Em 1385 foi travada em terreno castelhano a célebre batalha de Valverde. Narra-se que na fase mais crítica dessa batalha, quando parecia inevitável a derrota completa do exército português, o escudeiro encontrou Dom Nuno ajoelhado entre dois penedos e rezando em êxtase. Quando este chamou sua atenção para a batalha que se perdia, o Condestável fez um sinal com a mão, pedindo silêncio.
— Nada de orações, que morremos todos!
Dom Nuno respondeu tranquilamente:
— Amigo, ainda não é hora. Aguardai um pouco, e acabarei de rezar.
Quando ele finalizou as orações, ergueu-se com o rosto iluminado; e dando ordens, conseguiu reverter a batalha de modo considerado milagroso.
Depois dessa batalha os castelhanos se recusaram a fazer-lhe guerra em campo aberto. Seu nome lhes inspirava terror. Passaram então, sempre que possível, a atacar a fronteira com pilhagens, aplicando a tática de terra arrasada quando Dom Nuno entrava em Castela.
Aos dotes militares Nuno aliava uma espiritualidade sincera e profunda. O amor à Sagrada Eucaristia e à Virgem Maria eram o centro de sua vida interior. Assíduo na oração à Mãe de Deus, jejuava em sua honra às quartas, sextas e sábados, bem como nas vigílias das suas festas. Assistia diariamente à Missa, embora só pudesse receber a comunhão por ocasião das grandes solenidades. Seu estandarte-insígnia trazia as imagens do Crucificado, de Maria e dos cavaleiros São Tiago e São Jorge. Fez construir às suas expensas numerosas igrejas e mosteiros, entre os quais se contam o Carmo de Lisboa e a Igreja de Santa Maria da Vitória, na cidade de Batalha. Em outubro de 1388, já viúvo, iniciou a construção da capela de São Jorge, em Aljubarrota. E continuou suas proezas bélicas até 1397, quando instalou os frades da Ordem do Carmo no convento de Lisboa.
Para premiar seus insubstituíveis companheiros de armas, o Condestável distribuíra entre eles muitas terras em 1393. Diante do rei, seus adversários o acusaram de querer transformar seus subordinados em vassalos.
Nesse ínterim, soube-se que Castela havia quebrado a trégua. Dom Nuno foi o primeiro vassalo a correr com seu exército para junto do rei. Uma vez afastado o perigo, o rei estabeleceu como acordo que as doações feitas por Dom Nuno seriam mantidas, mas somente o monarca poderia ter vassalos, inclusive os que receberam bens do Condestável.
Após enviuvar em 1387, Nuno recusou-se a contrair novas núpcias, passando a viver em completa castidade, como havia desejado em sua juventude. Com a morte da filha Dona Beatriz em 1414, resolveu retirar-se do campo de batalha para se dedicar aos trabalhos agrícolas nos seus domínios de Vila Viçosa. Tornara-se senhor de quase metade de Portugal, que obtivera por seus valiosos serviços.
O Santo Condestável participou da conquista de Ceuta em 1415, sendo convidado pelo rei a comandar a guarnição que permaneceria lá; mas recusou, pois desejava trocar a vida militar pela vida religiosa. Livre dos deveres familiares, em 15 de agosto de 1423 tornou-se o Irmão Nuno de Santa Maria no Convento do Carmo, que mandara construir em cumprimento de um voto.
Ele teria preferido retirar-se para uma longínqua comunidade de Portugal, mas foi dissuadido por Dom Duarte, filho do rei, que agiu da mesma forma quando o novo religioso, após abdicar os títulos de Conde e Condestável, pretendia ir pelas ruas pedir esmola para o convento. O infante convenceu-o a contentar-se apenas com a esmola do rei. Passou então a se dedicar aos pobres, em cujo favor organizou a distribuição quotidiana de alimentos, nunca voltando as costas a um pedido.
Numa história apócrifa, consta que o embaixador castelhano foi ao Convento do Carmo encontrar-se com Nuno Álvares, e lhe perguntou qual seria sua posição se Castela invadisse novamente Portugal. Levantando seu hábito, ele mostrou por baixo a sua cota de malha, e indicou que serviria seu país sempre que necessário:
Se el-rei de Castela outra vez movesse guerra a Portugal, eu serviria ao mesmo tempo à religião que professo e à terra que me deu o ser.
Aos 71 anos de uma vida em que prestou os mais insignes serviços à pátria, em 1º de abril de 1431 esse valoroso combatente entregou sua nobilíssima alma a Deus, em sua pequena cela do Carmo. Abraçado ao crucifixo, chorado pelo rei e pelos infantes, como também por milhares de desamparados que protegeu.
Nuno Álvares foi inicialmente sepultado no Convento do Carmo, em Lisboa. Com a destruição parcial do Convento pelo terrível terremoto de 1755, foi trasladado. E a partir de 14 de agosto de 1951, por ocasião dos 566 anos da vitória portuguesa na Batalha de Aljubarrota, seus restos mortais repousam na Igreja do Santo Condestável, em Lisboa.
Beatificado em 23 de janeiro de 1918 pelo Papa Bento XV, foi canonizado em 26 de Abril de 2009 pelo Papa Bento XVI.
O grande poeta português Luís de Camões faz referência ao Condestável – em sentido literal ou alegórico, explícito ou implícito – nada menos que 14 vezes em Os Lusíadas. O forte Nuno, como Camões o designa, é evocado logo na 12ª estrofe do canto primeiro: “Por estes vos darei um Nuno fero, Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço”. E no canto oitavo, estrofe 32: “Mas mais de Dom Nuno Álvares se arreia. Ditosa Pátria que tal filho teve!”.[2]
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