Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
7 min — há 9 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:49:13 PM
Com o nome de Sínodo do adultério, entrou para a História da Igreja uma assembleia de bispos que no século IX quis aprovar a prática do segundo casamento após o repúdio da esposa legítima. São Teodoro Studita (759-826) [imagem ao lado] foi um dos que mais vigorosamente se lhe opuseram, sendo por isso perseguido, preso e exilado três vezes.
Tudo começou em janeiro de 795, quando o imperador romano do Oriente (basileus) Constantino VI (771-797) encerrou sua esposa Maria de Armênia em um convento e iniciou uma união ilícita com Teodota, dama de honra de sua mãe Irene. Poucos meses depois, o imperador fez proclamar Teodota “augusta”, mas não tendo conseguido convencer o patriarca Tarasius (730-806) a celebrar o novo casamento, encontrou finalmente um ministro complacente no egúmeno [responsável por um mosteiro] José, abade do mosteiro de Kathara, na ilha de Itaca, que abençoou oficialmente a união adúltera.
Nascido em Constantinopla no ano de 759, São Teodoro era então monge no mosteiro de Sakkudion, na Bitinia, cujo abade era seu tio Platão, também venerado como santo. O injusto divórcio produziu — informa ele numa carta — uma profunda comoção em todo o povo cristão: concussus est mundus (… Ep II, n 181, PG, 99, coll 1559-1560CD), o que o levou a protestar energicamente com São Platão em nome da indissolubilidade do vínculo. O imperador deve ser considerado adúltero — escreveu — e, portanto, o egúmeno José deve ser considerado gravemente culposo, por ter abençoado adúlteros e os ter admitido à Eucaristia. “Coroando o adultério” o egúmeno José se opôs ao ensinamento de Cristo e violou a Lei de Deus, asseverou (Ep. I, 32, PG 99, coll. 1015 / 1061C). Para Teodoro, também o patriarca Tarasius deveria ser condenado, pois embora não tivesse endossado o novo casamento, havia se mostrado tolerante, evitando excomungar o imperador e punir o padre José.
Essa atitude era típica de um setor da Igreja do Oriente, que proclamava a indissolubilidade do matrimônio, mas na prática mostrava uma certa submissão em relação ao poder imperial, semeando confusão nas pessoas e provocando o protesto dos católicos mais fervorosos. Baseando-se nos escritos de São Basílio, Teodoro alegou o direito dos súditos de denunciar os erros do próprio superior (Epist. I, n. 5, PG, 99, coll. 923-924, 925-926D), e os monges de Sakkudion romperam a comunhão com o patriarca, por sua cumplicidade com o divórcio do imperador. Estourou assim a chamada “questão moicheiana” (de moicheia = adultério), que colocou Teodoro em conflito não só com o governo imperial, mas com os próprios patriarcas de Constantinopla.
Este é um episódio pouco conhecido, sobre o qual o Prof. Dante Gemmiti levantou o véu alguns anos atrás, numa cuidadosa reconstrução histórica baseada em fontes gregas e latinas (Teodoro Studite e la questioni moicheiana, LER, Marigliano 1993), confirmando como no primeiro milênio a disciplina eclesiástica da Igreja do Oriente ainda respeitava o princípio da indissolubilidade do casamento.
Em setembro de 796, Platão e Teodoro foram presos com certo número de monges do Sakkudion, internados e depois exilados a Tessalônica, aonde chegaram em 25 de março 797. Em Constantinopla, no entanto, o povo julgava Constantino um pecador que continuava a dar escândalo público e, alentado pelo exemplo de Platão e Teodoro, aumentava sua oposição a cada dia.
O exílio durou pouco porque, na sequência de uma conspiração de palácio, o jovem Constantino foi cegado pela mãe, que assumiu sozinha o governo do império. Irene chamou de volta os exilados, que mudaram para o mosteiro urbano de Studios, juntamente com a maioria da comunidade de monges de Sakkudion. Teodoro e Platão se reconciliaram com o patriarca Tarasio que, após a chegada de Irene ao poder, havia condenado publicamente Constantino e o egúmeno José pelo divórcio imperial.
O reinado de Irene foi breve. Em 31 de outubro de 802, um de seus ministros, Nicéforo, depois de uma revolta palaciana, proclamou-se imperador. Pouco depois, quando morreu Tarasio, o novo basileus fez eleger Patriarca de Constantinopla um alto oficial imperial também chamado Nicéforo (758-828). Em um sínodo convocado e presidido por ele, em meados do ano 806, Nicéforo reintegrou em seu ofício o egúmeno José, deposto por Tarasio. Teodoro, que se tornara chefe da comunidade monástica de Studios após Platão se retirar para a vida de recluso, protestou energicamente contra a reabilitação do egúmeno José, e quando este último recomeçou a exercer o ministério sacerdotal, rompeu a comunhão com o novo patriarca.
A reação não tardou. Studios foi ocupado militarmente, Platão, Teodoro e seu irmão José, Arcebispo de Tessalônica, foram presos, condenados e exilados. Em 808 o imperador convocou outro sínodo, que se reuniu em janeiro de 809. Foi essa assembleia sinodal que, em uma carta de 809 ao monge Arsênio, Teodoro definiu como “moechosynodus”, ou seja, o Sínodo do adultério (Ep. I, . 38, PG 99, coll. 1041-1042c). O Sínodo dos Bispos reconheceu a legitimidade do segundo casamento de Constantino, confirmou a reabilitação do egúmeno José e anatematizou Teodoro, Platão e seu irmão José, que foi deposto de seu cargo de Arcebispo de Tessalônica.
Para justificar o divórcio do imperador, o Sínodo utilizava o princípio da “economia dos santos” (tolerância na práxis). Mas para Teodoro nenhum motivo podia justificar a transgressão de uma lei divina. Baseado nos ensinamentos de São Basílio, de São Gregório Nazianzeno e de São João Crisóstomo, ele declarou privada de fundamento bíblico a disciplina da “economia dos santos”, segundo a qual em algumas circunstâncias se podia fazer o mal em nome da tolerância para um mal menor – como neste caso do casamento adúltero do imperador.
Poucos anos depois, na guerra contra os búlgaros (25 de Julho 811), morreu o imperador Nicéforo, subindo ao trono outro funcionário imperial, Miguel I. O novo basileus chamou Teodoro de volta do exílio, tornando-o um de seus mais escutados conselheiros. Mas a paz durou pouco. No verão de 813, os búlgaros infligiram uma gravíssima derrota a Miguel I em Adrianópolis, e o exército proclamou imperador o chefe dos anatólios, Leão V, conhecido como “o Armênio” (775-820). Quando Leão depôs o patriarca Nicéforo e condenou o culto às imagens, Teodoro assumiu a liderança da resistência contra a iconoclastia. Teodoro de fato se destacou na História da Igreja não somente como adversário do Sínodo do adultério, mas também como um dos grandes defensores das imagens sagradas durante a segunda fase da crise iconoclasta.
Assim, no Domingo de Ramos de 815, foi possível assistir a uma procissão dos mil monges de Studios dentro de seu mosteiro, mas bem visíveis, portando os ícones sagrados e cantando solenes aclamações em sua honra. A procissão, contudo, provocou a reação da polícia. Entre 815 e 821, Teodoro foi açoitado, preso e exilado em vários lugares da Ásia Menor. Finalmente pôde voltar a Constantinopla, mas não ao seu próprio mosteiro. Então ele se estabeleceu com seus monges no outro lado do Bósforo, em Prinkipo, onde morreu em 11 de novembro 826.
O “non licet” (Mt 14, 3-11) que São João Batista opôs ao tetrarca Herodes pelo seu adultério, soou várias vezes na História da Igreja. São Teodoro Studita, um simples religioso que ousou desafiar o poder imperial e as hierarquias eclesiásticas da época, pode ser considerado um dos patronos celestes daqueles que, ainda hoje, em face das ameaças de mudança da prática católica sobre o casamento, têm a coragem de repetir um inflexível “non licet”.
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Original em italiano:
http://www.corrispondenzaromana.it/san-teodoro-studita-e-il-sinodo-delladulterio/
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Tradução de Hélio Dias Viana
Roberto De Mattei
73 artigosEscritor italiano, autor de numerosos livros, traduzidos em diversas línguas. Em 2008, foi agraciado pelo Papa com a comenda da Ordem de São Gregório Magno, em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Igreja. Professor de História Moderna e História do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma, conferencista, escritor e jornalista, Roberto de Mattei é presidente da Fondazione Lepanto. Entre 2004-2011 foi vice-presidente do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. Autor da primeira biografia de Plinio Corrêa de Oliveira, intitulada “O Cruzado do Século XX”. É também autor do best-seller “Concílio Vaticano II, uma história nunca escrita”.
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