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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Triunfo de Nossa Senhora do Rosário de Lepanto


Uma multidão apinha-se em frente à Igreja de São Domingos na cidade de Granada (Espanha). Aos poucos os membros do cortejo vão atravessando a porta principal do templo para a procissão anual de 12 de outubro. Ricamente vestidos, os participantes portam belos estandartes e instrumentos musicais.

Aotoque de sinos, um imenso andor, levado nos ombros por dezenas de homens, surgena entrada da igreja. As trombetas soam e os aplausos entusiasmados da multidãorepercutem. Todos os olhares se voltam para a magnífica imagem de Nossa Senhora,que acaba de chegar.

Oandor se detém um instante… A banda militar inicia o hino “Salve, Estrela dos Mares”, que é acompanhadopelas vozes uníssonas dos presentes. Ao fim da música, alguém grita: “Viva a Virgem do Rosário Coroada!”. E ouve-sea resposta imediata: “Viva!”.1

Difícilpermanecer indiferente a essa manifestação de entusiasmo do povo espanhol.Enquanto a procissão avança, vemos aí uma espécie de declaração pública devitória: o triunfo de Nossa Senhora é inevitável! Nós, espanhóis, o declaramos;e enfrentaremos qualquer circunstância para manter nossa posição!

Essanota de triunfo iminente se reflete em todo o feitio da Imagem de Nossa Senhorado Rosário de Granada, ou Nossa Senhora de Lepanto. A Virgem traz um manto dourado,cravejado de pedras preciosas. A túnica e a saia, que formam a parte interiordo vestido, não são feitas de tecido, mas de prata, como uma armadura, repletade ornamentos. Em volta da face, esplendores à maneira de raios, a partir dosquais se distingue uma estrela na fronte. A cabeça vem encimada por uma grandecoroa. De certos ângulos discernem-se, próximas ao pescoço, algumas mechas dos longoscabelos castanhos. Nas mãos, rosários, anéis e um cetro.

Alguémpoderia pensar que tais adereços são um tanto exagerados. Não! Eles não nasceramsimplesmente da veneração irrefletida de um povo devoto. Como veremos adiante,tudo na imagem relaciona-se a fatos e milagres estupendos.

Aocontemplarmos a belíssima fisionomia da imagem, surge uma dificuldade. Oespírito brasileiro normalmente reverencia a Santíssima Virgem pelo seu ladomaternal, terno e bondoso. Na imagem de Nossa Senhora de Lepanto, sem dúvidavemos tais aspectos, mas os traços de majestade, firmeza e poder aparecem nela commuito mais fulgor. Ao fitar sua face, quase se poderia ouvi-la dizer: Eu soua Rainha do Universo, pois sou a Mãe d’Aquele que tudo criou. Tenho o direitode mandar, de governar. E para ti, que me vês, tua melhor atitude é seguir-me.Então, terás participação na minha própria glória!

OMenino Jesus, trazido no braço esquerdo da Virgem-Mãe, apresenta análogas características.Apesar do semblante rosado, tal como o de uma tenra criança, Ele parecedemonstrar uma santa indignação, sobretudo se observarmos a posição levantadado braço direito, bem como a mão que empunha o cetro do poder. O pecado, oerro, a heresia não têm parte com esse Divino Infante.

Comodissemos, tudo isso reflete de modo muito adequado a mentalidade espanhola – mentalidadeimpregnada de força de vontade, coerência, princípios categóricos. Mas quaisfatos contribuíram para a Virgem ser representada assim, cercada de tantosatributos de poder e majestade? Na verdade, uma Rainha triunfante convém muito àfrase da Escritura: “Terrível como um exército em ordem de batalha”. Foiprecisamente assim que Ela quis aparecer aos seus inimigos, o que explica ascaracterísticas da imagem.

Histórica vitória da Virgem

D. Álvaro Bazán, Marquês de Santa Cruz, resolveu levar a imagem de Nossa Senhora consigo em sua nau, para juntar-se às forças da Santa Liga, que venceram os muçulmanos na Batalha de Lepanto.

Aimagem2 foi talhadaem madeira no início do século XVI. Cedida pelos Duques de Gor, passou apertencer à Arquiconfraria de Nossa Senhora do Rosário em Granada a partir de1552. Nessa época, seu tamanho era menor do que se apresenta agora, e não possuíao vestido de prata a que nos referimos acima.

Em1571, o granadino D. Álvaro Bazán, Marquês de Santa Cruz, resolveu levá-la consigoem sua nau, para juntar-se às forças da Santa Liga. Foi esta a coligação que, poriniciativa do Papa São Pio V, reuniu as frotas navais da Espanha, Veneza eEstados Pontifícios, com o objetivo de eliminar a temível armada turco-otomanaque ameaçava toda a Cristandade.

Em7 de outubro do mesmo ano, nos mares da Grécia, as forças católicas emuçulmanas se digladiaram na famosa Batalha de Lepanto. Um curioso detalhe dodesenrolar do confronto naquele dia revela uma como que ação direta daSantíssima Virgem. D. Álvaro Bazán, que levava em seu navio a imagem de NossaSenhora de Granada, recebeu a missão de comandar as forças de reserva. Suafrota, constituída de algumas dezenas de galés, permanecia atrás da linhaprincipal da esquadra católica, enviando socorro quando a pressão dos inimigosfazia fraquejar as embarcações aliadas. Ao menos três vezes durante a luta, asreservas de D. Álvaro evitaram a derrocada da Santa Liga.

Dir-se-iaque Nossa Senhora atuava ali também, como um astuto comandante, observandoatentamente as manobras da batalha, e enviando sua preciosa ajuda nas horasmais desesperadoras. Mas restava um último lance da Virgem. Mesmo com todos osesforços dos soldados da Cruz, as hostes turcas avançavam. Só uma coisa as deteve:no fragor do embate, os infiéis viram no céu uma Senhora com ar ameaçador,segurando um menino nos braços. Aparentemente, Nossa Senhora fez sua imagem deGranada transfigurar-se em forma viva. Ela disse então um basta aos muçulmanos,e em pessoa deu a vitória aos católicos. Os turcos se desesperaram, uns fugiram,outros pereceram no mar.

Desde a vitória em Lepanto, a devoção a Nossa Senhora de Granada nãoparou de crescer. No início do século XVII, após uma restauração, sua imagem foireconstituída no tamanho humano natural. Além do traje perpétuo feito de prata,recebeu então inúmeros mantos e roupas que lhe foram doados. Esses vestidos permanecemhoje num anexo à Igreja de São Domingos, no chamado Camarim de Nossa Senhora. Porisso podemos contemplá-la em variados trajes e ornatos, dependendo das diversasfestas e solenidades do ano.

Represenatção do entrechoque das naus capitânias durante a Batalha de Lepanto

Milagres e prodígios

ASantíssima Virgem, após se mostrar terrível aos inimigos de Deus, quis também evidenciarsua misericórdia para com seus filhos.

Em1670, um fato extraordinário ocorreu. No dia 6 de abril, Domingo da Ressurreição,duas camareiras, Ana de San Pedro Mártir e Juana de Santo Domingo, preparavam aimagem para a procissão e notaram que seu rosto havia mudado. Transpirava, ealgumas lágrimas lhe caíam dos olhos. O prior e autoridades seculares tambémcontemplaram o prodígio, que durou por volta de 32 horas. O Arcebispo deGranada, D. Santiago Escolano, abriu um processo canônico, o qual foi concluídocom uma investigação minuciosa e a declaração formal de que o fenômeno havia acontecidode modo sobrenatural.

Omotivo das lágrimas só se explicaria nove anos depois, em 1679. Uma assustadorapeste alastrava-se por toda região da Andaluzia, e já se fazia sentir emGranada. A Mãe Celeste havia antecipado o sofrimento dos filhos, e por isso tinhachorado de tristeza.

MasEla também já preparava a salvação. No mês de maio daquele ano, organizaram-seorações públicas diante da imagem. Passados dois dias, estando a igreja cheiade fiéis, “todos viram com admiração, na fronte da santa imagem, brilhar umaluz extraordinária como uma estrela, cujos raios resplandeciam em cores deprata, verde e dourada, imitando as cores do arco-íris”.

A cidade inteira se mobilizou para contemplar o chamado “Milagre da Estrela” [desenho ao lado], o qual durou 60 dias! Durante esse período houve uma sucessão de prodígios: conversões de toda ordem; uma mulher cega recuperou a vista; outra, a audição; ainda outra, já desenganada, teve a saúde completamente restabelecida. E o mais importante: logo veio o fim da peste, oficialmente declarada extinta em 6 de outubro, durante a novena da Festa do Rosário.

Novoprocesso canônico foi instaurado. Após 38 testemunhos de escultores, pintores eteólogos, o Arcebispo Alonso Bernardo de los Ríos y Guzmán declarou “sermilagrosa a dita luz e estrela, por exceder as forças naturais na maneira comofoi vista. Todas as circunstâncias concorrem para ter o fato como milagroso. Assimo atribuímos a um milagre de Deus Nosso Senhor e o aprovamos e declaramos comotal”.

Vemos,portanto, que tudo na magnífica imagem da Virgem de Granada está perfeitamentefundamentado em fatos e circunstâncias comprovadas. Nada há de exagerado nela.

Ocume da glorificação de Nossa Senhora do Rosário de Granada se deu no ano de 1961.Mais de 100 mil fiéis presenciaram sua solene Coroação Canônica, oficiada peloArcebispo D. Rafael García y García de Castro. Além disso, o governo espanholconcedeu à imagem a honra máxima de Capitão-General da Armada Espanhola.

Nestemês de outubro comemoramos 448 anos da vitória de Nossa Senhora em Lepanto.Fica-nos a certeza de que Ela, de novo, triunfará. Desta vez, não apenas sobreos turcos infiéis, mas sobre toda a impiedade de nossos dias.

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Notas

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 826, Outubro/2019.

  1. Vídeo da procissão: https://youtu.be/Tw9IedR9Ay8
  2. As informações sobre a Imagem foramextraídas da página: archicofradiarosariocoronada.blogspot.com/

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Paulo Américo

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